sábado, 18 de julho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 384 - Por Luiz Domingues


Os primeiros ensaios com Ivan Busic foram tranquilos. Um músico de alto nível técnico, a ter consigo uma grande criatividade e também por ser uma excelente pessoa, claro que com a sua simpatia e espírito brincalhão, o convívio foi fácil ao extremo, e ao ir além, ele nos ajudou a minimizar o clima pesado com o qual estávamos a lidar na ocasião.

Lembro-me de que nesses dias eu ter estabelecido a rotina de ir à residência dos irmãos Busic, onde de lá partíamos, eu e Ivan em seu carro, para o ensaio na casa do Beto, fato que perdurou por alguns dias.

Não foram muitos ensaios, por que o repertório do disco era pequeno, com apenas oito canções, e um músico do gabarito do Ivan, as tirou com extrema facilidade e mesmo que tenha sido muito respeitoso ao não mudar radicalmente os arranjos originais criados pelo Zé Luiz, claro que ele colocou um pouco de sua criatividade em algumas sutilezas.

O Beto insistiu em colocar três músicas novas que não estavam originalmente inseridas no set list dos últimos shows, em detrimento de muitas que faziam sucesso ao vivo. A ausência de uma música como: "O que Será de Todas as Crianças (?)", que era super querida nos shows, desde 1986, acabou por ocorrer, para dar espaço às tais músicas novas que foram propostas.

A explicação para essa escolha súbita, deu-se pelo fato de que havíamos fechado com a ideia de que seria bom termos músicas em inglês, também, ao tornar o disco híbrido. Tal decisão foi tomada por termos ouvido a opinião de muitas pessoas que nos convenceram de que o momento foi propício para tentarmos uma expansão internacional e nesses termos, tornou-se uma condição sine qua non que houvesse material em inglês.

E acrescento que as três novas canções eram boas, e poderiam de fato serem incorporadas no disco, a manter um padrão de qualidade e aposta no potencial Pop, também. Tratou-se de: "A Woman Like You", "Sweet Caroline" e "Change my Evil Ways".

As duas primeiras que eu citei, foram composições muito recentes, compostas naquelas últimas semanas em meio à crise da banda, e o Zé Luiz ainda as tocou em seus últimos ensaios conosco, contudo, mal deu tempo dele estabelecer o seu arranjo pessoal. Portanto, quem culminou em estabelecer linhas gerais e definitivas ao desenho rítmico delas, foi mesmo o Ivan.

Sobre "Change my Evil Ways", tratara-se de uma música engavetada do Beto por algum tempo, fruto de sua passagem pela banda de Hard-Rock interiorana, Zenith. Ele teve a ideia de resgatá-la e de fato é uma boa canção com certos ecos "zeppelinianos", e dessa maneira, ter algo a ver com as possibilidades setentistas no repertório chegou a ser um alento.

Mas a inclusão dessas músicas novas, a referir-me a "A Woman Like You" e "Sweet Caroline", trouxe também algumas divergências. O Rubens, que nos últimos meses estava bastante contrariado com muitas nuances, simplesmente não quis saber dessas canções, ao adotar a posição de neutralidade desinteressada, ou seja, não se opôs à suas respectivas inclusões no álbum em detrimento de outras músicas que deveriam ter entrado naturalmente, caso de "Saudade" que tocávamos desde 1986, nos shows, à exaustão.

Tal posição de sua parte denotara o seu esgotamento emocional com a banda e isso me entristecia muito, é claro. Claro que chateei-me bastante à época com essa posição dele, mas hoje em dia, eu entendo que as suas forças haviam esgotado-se. Nesses termos, ele deixou claro que não tocaria nessas duas canções novas e que a responsabilidade de suprir base e solos de guitarra, ficaria a cargo exclusivamente do Beto.

Tudo bem, o Beto não era nenhum virtuose, mas poderia e de fato o fez, gravar sozinho, a suprir a harmonia e a parte dos solos para ambas. Nesse sentido, o Beto foi para nós, mais ou menos como Sammy Hagar atuou com o Montrose, e mesmo com o Van Halen, a tocar esporadicamente e cumprir bem a função.

As outras canções escolhidas foram, aí sim, conhecidas do público que nos acompanhava com atenção, por estarem a ser tocadas nos shows, com bastante regularidade.

Foi o caso de: "Profecia", "Sun City", "Lírio de um Pantanal" e "A Chave é o Show". Já no caso de "Keep me Warm Toninght", esta também era uma velha conhecida do nosso público, mas repaginada, ganhara a sua nova letra em inglês, doravante, pois anteriormente era conhecida como: "Que Falta me faz, Baby".

Sobre: "A Chave é o Show", cabe destacar que a letra de tal canção, fala sobre a própria banda e a emoção que a nossa música e performance ao vivo, causava aos seus fãs. Achava e ainda acho uma bela sacada do Beto, e na época, tal canção gerava uma comoção à parte nos shows. Contudo, também detinha o seu lado duvidoso, pois estava sujeita a ficar "datada", tal como "Sun City". 

E não deu outra... ao olharmos os comentários de jovens hoje em dia (2015), na postagem de uma versão ao vivo dessa canção, postado no YouTube, muitos ironizam e debocham da letra, pelo fato da banda não ter alcançado o mainstream e dessa forma, na sua mentalidades forjada por paradigmas imediatistas, a letra soa ridícula, pelo fato da banda não ter tido o sucesso massivo que justificasse tal autoelogio. 

De volta ao repertório, foi um boa compilação a retratar de forma sucinta a mudança de direcionamento no trabalho após o EP de 1985. Mas com a ressalva de que outras canções que tínhamos à disposição, poderiam tranquilamente ter feito parte do álbum, e em alguns casos, como eu já citei, acho que deveriam ter feito mesmo, pois eram muito queridas do público, ao vivo. Foram poucos ensaios portanto, e logo estivemos prontos para entrar no estúdio.


Mas antes de começarmos efetivamente a gravar, um novo compromisso de TV se apresentou para nós, e não tivemos condições de recusá-lo, apesar do clima pesado que a banda vivia internamente. Falamos então com o Ivan Busic, e ele aceitou a ideia de tocar conosco ao vivo no tal programa, e assim nós confirmamos a presença d"A Chave do Sol.

Tratou-se de um programa novo, produzido pela TV Cultura de São Paulo, que era apresentado pelo radialista, Kid Vinil, chamado: "Boca Livre". Era filmado nas dependências do Teatro Franco Zampari, um teatro de propriedade da própria Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, e onde há décadas eram produzidos programas dessa emissora.

Fomos tranquilos, pois sabíamos que o Ivan, apesar de poucos ensaios, detinha uma competência absurda, e dessa forma, não houve motivo para preocupações, naturalmente.

Bem recebidos pelo Kid Vinil, que apesar de ser um entusiasta da escola Punk/Pós-Punk, assumido, nem de longe mantinha o comportamento detestável da maioria esmagadora de seus pares no jornalismo da época, portanto, o fato de não apreciar a nossa estética, com nítidos signos oriundos de influências de ordem retrô e portanto antagônicas ao que essa gente professava, nos tratou muitíssimo bem ao vivo, diante das câmeras e também nos bastidores. 

Eu e Beto já o conhecíamos, na verdade. Certa vez fomos os dois à casa do guitarrista, André Christovam, e ele, Kid Vinil estava lá presente, pois ambos tocavam juntos. Aliás, nessa mesma ocasião nós fomos convidados e assim assistimos dias depois, um show deles no auditório do Masp, como: "Kid Vinil & Os Heróis do Brasil". 

Nessa tarde de um domingo de 1986, passamos momentos agradáveis a ouvir discos, e eu tenho na lembrança do Kid Vinil a tecer elogios sobre o LP Physical Graffiti do Led Zeppelin, e isso causara-me uma boa impressão de que ele seria um jornalista diferenciado nesse sentido, pois se assumidamente gostava da turma de 1977, não se comportava mediante o detestável comprometimento em adotar o niilismo como forma de ódio ao passado, em termos de modus operandi ao cumprir as suas funções como comunicador radiofônico. Talvez, se todos os seus pares agissem assim, o estrago punk não teria sido tão grande. 

De volta ao palco do teatro Franco Zampari, tocamos ao vivo, embora fosse um programa gravado para ser exibido depois, ou seja, nos moldes da antiga: "A Fábrica do Som". Houve um bom público presente no auditório e mesmo não sendo exatamente um público Rocker, portanto acostumado a tais sonoridades, foi respeitoso. 

A nossa performance foi tecnicamente boa, mas deu para ver nos semblantes dos três sobreviventes da banda, que o clima estava pesado para nós e entre nós. Apenas Ivan Busic, que não teve nada a ver com tais desavenças internas de nossa banda, esteve imune e tranquilo nesse sentido. Tocamos: "Sun City" e "Que Falta me faz, Baby", que ainda não havia sido repaginada para o idioma inglês. Mas somente a segunda canção tem cópia postada no YouTube.

Eis o link para assistir tal performance da banda nesse referido programa de TV, diretamente no YouTube:


https://www.youtube.com/watch?v=QcVOUJKxNJE


O solo vocal, que era típico da música e evocava alguns ídolos do Beto, tais como: Robert Plant, David Coverdale e Glenn Hughes, sobretudo, causou uma estranheza normal para um público popular e não familiarizado com os signos do Rock e do Blues, nesse caso em específico, mas não chegou a ser constrangedor como se é de esperar para uma circunstância adversa dessas.

Foi o nosso último programa de TV em 1987, e também o derradeiro como A Chave do Sol, a encerrar o nosso ciclo de aparições na TV. Entretanto, é claro que não dimensionamos isso à época. 

Continua...

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