domingo, 19 de julho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 391 - Por Luiz Domingues


Quando ainda estávamos a gravar o LP The Key, eu já tinha tido a ideia de promover uma tarde de autógrafos para incrementar a divulgação e vendagem do disco. Não foi nenhuma ideia original, é claro. Isso era uma prática corriqueira na Europa e Estados Unidos, mas aqui no Brasil, poucos artistas usavam tal expediente como um esforço oficial de divulgação.

Então, como a Baratos Afins não iria produzir o nosso novo álbum, e o espaço físico daquela loja teria sido o cenário ideal para tal tipo de evento promocional, surgiu a ideia da loja de Walcyr Chalas, chamada: "Woodstock".

Tal sugestão viera da parte do Antonio D. Pirani, o diretor presidente da Revista Rock Brigade, que emprestara o seu selo para lançarmos o álbum, e era muito amigo de Walcyr, portanto, intermediaria esse contato da banda com o lojista. 

A nossa proposta não despertou grande interesse da parte dele. Pelo contrário, ele mostrou-se bastante cético sobre o sucesso eventual de uma ação de marketing dessa natureza. Chegou a brincar, ao dizer-nos que nós estávamos arriscados a sofrer um constrangimento, com um eventual fracasso de público, e que de certa forma, reverteria em anti-propaganda para o disco.
          Fachada da loja Woodstock, no final dos anos oitenta 

Bem, a despeito de sua falta de entusiasmo pela promoção, ele cedeu aos apelos de Toninho Pirani e enfim aceitou realizá-la nas dependências de seu estabelecimento. O nosso desafio então foi divulgar o evento, pois mais do que evitar o constrangimento de um baixo comparecimento e gerar assim um anticlímax para o próprio LP e para a imagem da banda, nós precisávamos muito dessa exposição midiática e que isso revertesse em vendas.

Disparar a mala postal do fã-clube foi a providência mais natural, mas um dado a ser considerado nessa equação, foi no sentido de que a nossa listagem de fãs credenciados não era dirigida apenas à cidade de São Paulo, portanto, o comparecimento físico das pessoas, estava condicionado e limitado aos fãs paulistanos e no máximo aos moradores de cidades vizinhas da região da Grande São Paulo.

Dessa forma, algo a mais precisava ser providenciado para incrementar a divulgação do evento e foi então que nós recorremos ao apoio de um jornalista experiente e que era declaradamente um fã e incentivador de nosso trabalho, isto é, o grande, Antonio Carlos "Tony" Monteiro.

Claro que ele aceitou nos ajudar e mesmo a deixar claro que por questões éticas não poderia assinar a assessoria de imprensa que faria específica para o evento, Tony nos deu uma grande ajuda nesse sentido, e de fato, conseguimos uma boa exposição extra que nos ajudou a transformar o evento, em um sucesso.

Fizemos um programa de rádio, também, para reforçar essa divulgação. Neste caso, ocorreu no dia 10 de dezembro, quando eu e Rubens fomos ao "Reynação", programa conduzido pelo jornalista, Leopoldo Rey, na 97 FM de Santo André-SP.

Bem, com matérias de jornais a divulgar a tarde de autógrafos, mais o reforço pela mala postal disparada aos fãs registrados, nós conseguimos um público significativo para o evento. Entretanto, logo no início da ação, não foi essa a primeira impressão.

Quando chegamos à porta da loja, o cenário inicial foi desanimador, no entanto...

Antes de avançar nesta narrativa sobre tal evento ocorrido nesse dia, devo esclarecer que a loja "Woodstock" não ficava instalada na Galeria do Rock, tampouco em galerias no entorno, onde também havia lojas de discos de Rock e produtos análogos. Ela de fato começou as suas atividades em uma dessas galerias próximas à grande Galeria do Rock, mas já há algum tempo, saíra um pouco dessa rota e foi instalar-se no outro lado do Viaduto do Chá, na rua Fernando Falcão, na boca de uma das entradas da Estação Anhangabaú, do Metrô.
Fotos da aglomeração "headbanger", e típica dos sábados na porta da loja "Woodstock", nos anos oitenta, e que invadia o mini boulevard que dá acesso a uma das saídas da estação Anhangabaú, do metrô


Com essa mudança de endereço, e a aproveitar-se da rampa de acesso à estação do Metrô, com uma arquitetura que lembrava a de uma praça, tal micro boulevard favorecia a aglomeração de pessoas em frente à loja, que então, muito beneficiou-se desse arranjo urbanístico e assim, tornou-se uma tradição que a loja promovesse um ponto de encontro aos sábados, para reunir ali na sua porta e na rampa do metrô, um contingente que chegou em momentos de picos de presença, na marca dos centenas de jovens reunidos que ali permaneciam por horas, e mesmo que em sua maioria não fizessem grandes compras na loja, invariavelmente o faziam vez por outra, e a sua simples presença ali, como turba, chamava a atenção para outro tipo de público que consumia discos e por isso, colaborava subliminarmente com a loja.

Portanto, que haveria uma aglomeração enorme, não tínhamos dúvidas, mas aquela turma que ali ficava por horas, era radical, e nada tinha a ver com nossa banda. Eram os tais "headbangers", adeptos da estética do Heavy-Metal, e com subdivisões de tribos específicas e focadas em seus muitos derivados, no bojo.

Assim sendo, quando chegamos para o início de nosso evento, o Walcyr resolveu que o ideal seria que nos posicionássemos na parte externa da loja, para chamar mais a atenção e assim, uma mesa foi colocada para nós. Estávamos eu, Rubens e Beto (Ivan Busic participou, também, mas o nosso convidado chegou mais tarde), a postos, com uma caneta esferográfica cada um em mãos, e durante cerca de uma hora e meia, pelo menos, ninguém apareceu para comprar um disco e nos solicitar dedicatórias na capa do álbum.  
Walcyr Chalas, em foto bem mais atual na sua loja, que permanece no mesmo endereço, até os dias atuais (2015)

Walcyr não tripudiou, mas ficou a relembrar que nos avisara e que o constrangimento seria grande etc. Para piorar as coisas, os "metaleiros" que começaram a se aglomerar nas cercanias da loja, nos ironizavam, a emitir gracejos, rir e debochar de nós, primeiro por não sermos adeptos de seu mundo metálico habitual, e segundo, por que a nossa posição ali fora pautada pelo profundo constrangimento por estarmos sentados ali e quietos, sem nenhuma abordagem sequer, com os respectivos semblantes faciais a denunciar a decepção estampada, e canetas novas e virgens nas mãos.

Contudo, a nossa situação mudou após o meio-dia, quando o fluxo de pessoas interessadas em nosso lançamento começou a aparecer. A verdade, é que às dez horas da manhã de um sábado, normalmente apenas aquele contingente de usuários de camisetas pretas batiam ponto ali na porta da loja, mas o movimento de clientes, propriamente dito, começava a melhorar da hora do almoço em diante.

Então, quando o relógio mostrou 14:30 horas mais ou menos, a fila de pessoas para nos solicitar dedicatórias em discos, ficou enorme. O próprio, Walcyr, já havia mudado o discurso e não escondia de ninguém que a ação revelara-se um sucesso, e que doravante, a sua loja faria outras tardes de autógrafos e de fato, foi o que ocorreu mesmo, com muitas bandas a cumprir esse tipo de ação de divulgação ali na porta da Woodstock, nos anos seguintes.

Ao final da tarde, quando demos por encerrado o evento, o Walcyr nos comunicou que estava estupefato, pois vendera trezentas e cinquenta cópias do LP The Key, ou seja, uma marca muito além do que imaginou e ele era um experiente lojista tendo em mente portanto, a temperatura do seu negócio, naturalmente.  

Outro fator que comemorou, foi o de ter atraído pelo menos 90% desse contingente que adquiriu cópias de nossos discos, como pessoas de fora de sua clientela padrão. De fato, a loja tinha opções de Rock, interessantes em seu acervo, mas o seu carro chefe era o Heavy-Metal oitentista em voga, portanto, ao lhe proporcionarmos a chance de atrair pessoas que não necessariamente conheciam a sua loja, isso foi um acréscimo para o seu estabelecimento e ao ir além, muitas pessoas tiveram o impulso consumista, ao comprar outros discos, além do nosso, a aproveitar a ocasião, bem naquele efeito gerado maliciosamente pelos marqueteiros a suscitar a tentação de promoção de gôndola de supermercado...

No dia seguinte repercutimos esse sucesso estrondoso da tarde de autógrafos, no programa: "Comando Metal", da 89 FM, e conduzido pelo próprio dono da loja em questão, Walcyr.

Bem, acredito que esse tenha sido o último suspiro de vida e alegria proporcionado pela nossa então combalida, porém muito querida banda, A Chave do Sol.

Lastimavelmente, alguns dias depois, através de uma reunião realizada na residência do Rubens, onde tudo começara em 1982, uma bomba atômica seria deflagrada e nos estertores de 1987, a banda chegaria ao seu final muito melancólico. Tal teor da conversa ali travada desnorteou-me completamente, devo dizer, e como consequência, uma banda teve que ser criada às pressas, como dissidência e tais atos melodramáticos serão relatados a seguir.

Não só para este capítulo sobre a trajetória d'A Chave do Sol, mas em toda a autobiografia, considero que o que descreverei a seguir, se trata de uma das mais tristes páginas da minha história pessoal na música, infelizmente.


Continua...

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