terça-feira, 7 de julho de 2015

Autobiografia na Música - Sala de Aulas - Capítulo 93 - Por Luiz Domingues


Os últimos meses de 1998, foram, portanto, ainda marcados pela euforia toda que eu descrevi nos capítulos anteriores, entretanto, para o meu lado, com clima de despedida, porque sentia mesmo que meu tempo como professor, esgotava-se.

Independente de eu estar muito interessado em voltar a me dedicar exclusivamente à carreira musical, e nessa altura, o Sidharta já dava mostras de estar encorpado o suficiente para empreender os seus primeiros passos fora da toca dos ensaios, mesmo que não houvesse essa determinação e euforia de minha parte, forçosamente teria que partir para outra, por que os alunos rareavam. Ao final de 1998, o meu quadro mostrara-se muito inferior à minha média histórica, e os poucos que ainda sobraram, eram alunos adiantados, que eu já não tinha mais nada para ensinar, praticamente, portanto, aptos para buscar uma qualificação pedagógica mais avançada, ou simplesmente darem-se por satisfeitos e a tomar os seus respectivos rumos pessoais, com as suas bandas e projetos.

Um último registro de aluno que eu faço, referente à essa época, meses finais de 1998, foi com a presença de um rapaz taciturno que apareceu mais ou menos em agosto. Chamava-se: Marcelo Garbine.

Ele detinha um visual punk, a usar normalmente jaqueta de couro com tachinhas e a calçar coturnos, além de usar camisetas com estampas de bandas punk, hard-core e metal "crossover". Mas também era cabeludo, muito provavelmente adepto da cultura crossover, que misturava conceitos oriundos das tribos punk e headbanger, tendência que surgira mais contundentemente ao final dos anos oitenta.

Era bastante inteligente, aliás, muito mesmo, pois nas conversas que tínhamos, fazia muitas citações artísticas interessantes, no campo da literatura, principalmente. Ao ir além, Garbine gostava de falar sobre política, sociologia, filosofia e religião, o que se mostrava surpreendente em meu entendimento, quando evocava textos teológicos em suas manifestações.

Ele detinha um temperamento forte, e assim, não aceitava facilmente uma linha de contra-argumentação, e revelava também as suas contrariedades mais exacerbadas, sob um tom de quase revanchismo, aspecto desagradável, naturalmente, mas eu entendia ser uma consequência natural daquela armadura punk na qual se revestia, daí a rudeza em certas tomadas de posição.

Então, a sua presença em minha sala de aulas tornou-se um contraponto e tanto à euforia Neo-Hippie que norteara a minha sala de aulas na época, pois ele questionava a nossa predileção pela Era aquariana do Rock, ao elencar argumentos para demolir as nossas ideias, sob o ponto de vista punk. E aí, veio a reboque, manifestações até antagônicas, eu diria, pois ao contestar o esoterismo aquariano dos saudosistas de Woodstock, ele usava a argumentação protestante, de ordem calvinista, a citar a tese do arrebatamento espiritual, mas ao mesmo tempo, citava Rosa Luxemburgo, uma pensadora marxista ferrenha. Portanto, mediante essa mixórdia exótica de um cristão protestante e certamente orientado por ideologia calvinista, supostamente entusiasta do comunismo marxista e adepto da anarquia punk, pareceu que elaborara uma vitamina composta por ingredientes díspares entre si, e que tendia a explodir o copo de um liquidificador.

Independente dessa confusa elaboração de pensamentos, era um rapaz muito inteligente, de fato, e já tinha um livro editado, chamado: "A Refeição dos Micróbios".
Nesse exemplar de seu livro, com o qual presenteou-me, o seu nome tem letras duplas, a denotar possuir a origem italiana, mas no site, a grafia mostrou-se diferente, e por isso suprimi o "L" e o " N" duplos, como consta na capa do livro.

Ele deu-me um exemplar e a leitura que eu efetuei comprovou tudo o que descrevi acima, ou seja, o rapaz detinha o nível de inteligência acima do comum, com grande capacidade de expressão. O seu livro mostrou-se intenso e denso, eu diria.

Contudo, a linha de raciocínio era diametralmente oposta ao que penso e tenho como ideal. Com atmosfera lúgubre, a beirar a morbidez de um filme de zumbis, atira bala para todos os lados, através de uma rajada de metralhadora muito corrosiva, bem ao estilo punk, construído pelo conceito do niilismo raivoso, mais a procurar destilar o ódio ao sistema, na forma de sua destruição sumária, sem nenhuma intenção de construir nada melhor para substitui-lo, mas apenas aniquilá-lo. Bem, é uma linha de pensamento eu sei... tem gente que ama Nietzsche, não é o meu caso, prefiro Gandhi e a sua bondade incompreensível e até irritante para quem não entende o que é "ahimsa" em meio ao mundo hostil em que vivemos.

Sou hippie até a medula e não gosto de escuridão, gosto de cores, sons, vibrações positivas. Mas sou também respeitoso e sei reconhecer um talento, mesmo que este pregue ideias diametralmente opostas às minhas. Esse foi o caso desse aluno, sua linha de pensamento, e sobretudo, pelo que expressou no seu livro.

Como aluno, era bastante inteligente, e mesmo ao ter permanecido pouco tempo em meu quadro de alunos, nunca proporcionou-me  problemas, pelo contrário, portou-se muito bem enquanto ali esteve entre os meus alunos. Creio ter sido o último aluno a se destacar, que eu tive...
Marcelo Garbine em foto bem mais atual, com visual muito diferente da época em que o conheci, e mais maduro, certamente.

Ao pesquisar na Internet, para achar o seu paradeiro, eis que descubro que Garbine prosperou muito como escritor/pensador, e mantém um site muito bem organizado, recheado de vida e inteligente, chamado: "Mingau Ácido". Pelo que eu observei, o seu crescimento como pensador foi muito grande, e hoje, muito mais maduro, mantém um grande trabalho cultural. Fiquei muito contente por descobrir isso.

Seu site : http://mingauacido.com.br/

Ainda em 1998, haveria um último ato perpetrado pelos meus Neo-Hippies, a ocorrer em dezembro...

Continua...

2 comentários:

  1. Grande Tigueis! Nem eu sabia que era assim... Matei a saudade. Abraço!

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    1. Fala, Garbine !

      Rapaz, que bacana você ter descoberto a minha autobio neste Blog. Meu plano era terminar todo o texto, para depois divulgar e procurar as pessoas citadas (na medida do possível, pois são muitas), para notifica-las sobre a citação de cada uma, mas claro que muita gente vai descobrindo antes na internet, de uma maneira ou de outra.

      Ha ha ha, você realmente demonstrava uma capacidade intelectual acima do normal, mas se mostrava dessa forma como o descrevi na minha lembrança.

      E fiquei muito feliz por ver que prosperou e hoje é um escritor/pensador de muita profundidade e respeitado no mundo literário e cultural em geral.

      Sinto orgulho pelo teu crescimento !

      Abraço !!

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