domingo, 24 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 267 - Por Luiz Domingues


Embora os nossos esforços estivessem direcionados à preparação dessa demo-tape (e para aprofundar nesta análise, digo que esse processo começara ainda com o Fran Alves como componente da banda, e as primeiros conversas internas que tivemos em torno da ideia da mudança de direcionamento artístico), "muita água passou por debaixo da ponte", como se diz no jargão popular. Passou por mais uma mudança de formação, com a saída do Fran Alves e a entrada do Beto Cruz; um intensivo esforço de preparação de um novo repertório sob um tempo muito curto, providências em relação ao material impresso e fotos da banda, e claro, os esforços para gravar a demo-tape, conforme eu relatei recentemente.

Aproveitamos a escassez de shows que tivemos nos primeiros meses de 1986, mas esse fato não foi uma ação premeditada e planejada por nós. A falta de shows foi um fato alheio à nossa vontade, e claro que incomodou-nos. 


Independente desse fator, contatos continuavam a ser feitos, e desde o final de fevereiro, por exemplo, havíamos sido abordados por uma dupla de jovens empreendedores que pareciam ter ótimas intenções e demonstravam ousadia em seus planos. Foi o seguinte: tais rapazes (Rene Mina Vernice e William), que eram inclusive jovens e batiam com a idade que nós tínhamos à época (os tais "vinte e poucos anos"), estavam por abordar algumas bandas da cena pesada de São Paulo, e as suas ideias se mostravam interessantes. 

Falavam em shows, obviamente, mas ao ir além, e por isso chamou-nos a atenção, pareciam mais ousados que produtores normais que só pensavam nos shows em si, e seu aparato de produção inerente. A ideia dos rapazes foi manter paralelamente, um esforço de divulgação permanente, com as bandas escolhidas por eles a fazer parte do esquema, a poder contar com uma assessoria de imprensa contundente e acoplado a uma produtora de vídeo, para dessa forma produzir constantemente vídeos para alimentar as emissoras de TV, com vídeoclips. 

É bom lembrar ao leitor, que na década de oitenta, nada foi mais importante para uma banda que dispor de um bom vídeoclip, sendo até considerado por muitos, como algo mais importante até que ter um bom disco em mãos. De certa forma, corroborava a máxima oitentista que seguira a cartilha do movimento punk' 77, ou seja, a música não seria o elemento mais importante doravante, porém, a tal da "atitude", contava mais. Produzir um vídeoclip bem acabado, seria meio caminho andado para uma banda despertar a atenção da mídia e para muitas bandas oitentistas, tal fator tornara-se tão obsessivo, que os seus componentes comportavam-se muitas vezes mais como atores do que músicos, pois deviam passar a maior parte de seu tempo em sets de filmagem e/ou salas de maquiagem do que a ensaiar, ou gravar álbuns... 

Independente dessa crítica que eu faço com os olhos de 2014 (embora na época, eu achasse também que houvera muito exagero nesse campo), o fato, foi que possuir no mínimo um vídeoclip em mãos, era considerado vital para qualquer banda dos anos oitenta.

Então, quando ouvimos essa proposta, claro que animamo-nos. A perspectiva de preparar um, quiçá vários clips, com custo zero, além da assessoria de imprensa/clipping e uma produtora de shows atuante e tudo acoplado em uma agência única, pareceu ser algo sensacional para nós, e para todas as bandas que esses rapazes consideraram ideais para compor o seu elenco inicial. 

Não tratava-se de uma cooperativa. Claro que havia uma amizade entre todas as bandas que os rapazes citaram estar interessados e normalmente nós ajudávamo-nos espontaneamente. Mas ao contrário daquela experiência que não lograra êxito em 1985 (já relatada nesta narrativa), a ideia não foi essa, mas sim a de um escritório preparado para efetuar o chamado: "management", a  ambicionar entrar no mercado, e assim contratar quatro bandas para o início de suas atividades. Após tantas experiências frustradas com empresários ou aspirantes a empresários, claro que aceitamos participar! Tínhamos desde sempre a intenção de contar com um empresário, e esse desejo foi tão forte quanto o que acalentávamos em relação à estarmos inclusos no elenco de uma gravadora major. Ao ir além, creio que um fator dependia intrinsecamente do outro para dar certo. Seria quase impossível arrumar um empresário competente e bem relacionado no meio, não sendo parte de um elenco forte de gravadora major e do outro lado, para entrar em uma companhia major, uma das principais credenciais exigidas pelos executivos, seria a presença de um bom empresário a assistir bem o artista a ser contratado... 

Por duas vezes, eu tentei persuadir o ótimo empresário, Jerome Vonk, com o qual trabalhei durante minha segunda passagem pelo Língua de Trapo, em 1983/1984. Admirava demais a atuação dele como empresário do Língua, e sonhava contar com a sua condução empresarial em prol d'A Chave do Sol, mas por duas vezes ele recusou-nos. Foi óbvio que ele jamais não enxergara em nós, um potencial comercial adequado aos seus anseios. 

Outro que admirávamos foi, Antonio Celso Barbieri, mas este não demonstrava querer ser empresário propriamente dito, pois o seu raio de atuação foi o da produção independente. O seu anseio pessoal foi organizar shows, mas sem ater-se a um artista em específico, e assim preferir atuar como um free-lancer da produção musical. 

Outros empresários que passaram pela nossa vida, oscilaram entre o patético; o desinteressado bocejante, e os malandros inescrupulosos de plantão. Há muitas histórias que relatei anteriormente (e que ainda relatarei, seguindo a cronologia), algumas com detalhes, inclusive, para comentar sobre tais pessoas que entraram e saíram da nossa vida.

Portanto, a abordagem desses dois rapazes, Rene e William,  pareceu bem interessante e como sempre, não tínhamos muito a perder ao fazer uma experiência inicial. Neste caso, as outras bandas envolvidas também pensaram o mesmo, e claro que mantivemos contato com todas, e mutuamente opinamos ao analisarmos a proposta. 


Então, mesmo preocupados e focados com a produção da demo-tape, e a manter a abordagem às gravadoras como pauta do dia, tal conversa com essa produtora rendeu alguns encontros, telefonemas etc. E a primeira ação concreta que propuseram foi era para lá de ousada para os padrões de quatro bandas de fora do mundo mainstream: um festival de grande porte a ser realizado no salão de festas do Palmeiras. 
Uma foto de 1979, durante uma edição do maior baile Black de São Paulo, quiçá do Brasil, por anos a fio, chamado: "Chic Show", no salão de festas do Palmeiras, onde tocaríamos em maio de 1986

Continua...

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