sexta-feira, 29 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 275 - Por Luiz Domingues

 

Dessa maneira, a nossa postura não poderia ser outra, a não ser a da resignação. Filmamos ali mesmo, naquele lixo desagradável e só nos restara fazer uma mise-en-scene convincente e torcer para a edição caprichar nas imagens do jornalismo. Bem, fizemos três ou quatro tomadas da música inteira e com uma câmera única, móvel. Foram as velhas câmeras portáteis, mas então enormes, usadas em jornalismo de externas, mas com um padrão profissional, obviamente, a usar VT (Vídeo Tape), do padrão "U-Matic", uma fita profissional com qualidade muito acima das "VHS" caseiras que já existiam no mercado há anos.

A ideia básica foi praticar a clássica dublagem, como se estivéssemos em um programa de TV, com a diferença de que pelo menos o Zé Luiz poderia simular a performance em uma bateria de verdade, aliás a dele mesmo, visto que nas infames dublagens de TV ocorridas normalmente nos anos oitenta, o baterista era sempre o maior prejudicado com a clássica e triste atuação mediante uma caixa e um prato, tão somente. 

A produção foi hiper enxuta, mas simpática o tempo todo para conosco. Foi uma equipe reduzida, a conter o cinegrafista; o diretor, e um cabo-man, apenas, fora a maquiadora, mas essa estrutura da maquiagem fora feita na sala onde todo o elenco da TV Cultura usava tal serviço, portanto essa profissional não estava à nossa disposição, exclusivamente. O próprio diretor tratava de soltar o botão do "play" no micro P.A. que foi montado para ouvirmos a canção, e podermos fazer a "micagem" toda.

Terminado o processo, por volta das 14:00 horas, nos disseram que agora seria esperar pelo pessoal da edição trabalhar. Como esse clip foi um encaixe camarada que fizeram para nós, é claro que a Ilha de edição da emissora e o profissional envolvido, só trabalhariam nele em horário alternativo, e claro que a prioridade seria o trabalho normal da casa, com seu jornalismo, programas os mais variados etc. Nem precisava avisar-nos, pois foi óbvio que seria nesses termos e estávamos preparados para uma espera razoável e como era tudo gratuito e feito na maior camaradagem, claro que foi justo aceitar tais condições. Fora disso, estávamos tão animados com a produção do outro clip, apesar de toda a aura amadorística que o envolvia, que achávamos que esse clip produzido pela TV Cultura, haveria de ser um acréscimo repentino e dessa forma, o encarávamos como um verdadeiro "bônus". Portanto, a nossa expectativa maior concentrara-se para a conclusão do clip de "Saudade", e os preparativos para o show no Ginásio do Palmeiras, que aproximava-se.

Mais ou menos em maio de 1986, fomos avisados que o clip estava pronto e que este seria exibido pela primeira vez no próprio jornalismo da TV Cultura, o que foi muito exótico para nós. Por essa não esperávamos e decerto que foi uma grata surpresa, pois vimos o clip a ser apresentado como reforço de uma pauta sobre a situação na África do Sul, o que deu um status diferente para a música, para o clip e para nós mesmos enquanto banda. Claro, posteriormente foi exibido muitas vezes nos programas mais adequados da casa, direcionados à música e cultura, como "Som Pop" e "Panorama", mas que foi ótimo assisti-lo no Jornal da Cultura, claro que o foi.

Na edição final, ficou exatamente como esperávamos, ou seja, com a banda a fazer a sua performance fictícia, a intercalar-se com imagens da situação tensa na África do Sul, a fazer uso de imagens do jornalismo internacional, via agências de notícias tradicionais, do tipo da Reuters e API.  Não faço nem ideia de como são as normas de direitos autorais nessas condições de uso de imagens do jornalismo dessas agências. Mas se usaram, e por tratar-se de uma emissora oficial e ainda por cima estatal como era (é), a TV Cultura de São Paulo, claro que deveriam ter o respaldo jurídico que lhes dava a segurança para usarem sem problemas. Portanto, duvido que tenham pago alguma taxa para habilitar direitos, e jamais tal assunto foi ventilado conosco.

Enfrentamos um problema com esse clip, no entanto.Achávamos, inocentemente, que poderíamos usá-lo em outras emissoras. Conversamos com a cúpula da TV Cultura e da parte deles, não haveria restrição, mas eles mesmos nos advertiram que dificilmente outras emissoras o veiculariam, por ter sido uma produção feita pela TV Cultura.  Não se tratava de uma regulamentação jurídica e formal nesse sentido, mas veladamente, ninguém aceitaria, fomos avisados. Teimosos, solicitamos cópias "U-Matic" para tentar abordar outras emissoras, mas infelizmente constatamos na pele o que haviam preconizado, pois o clip só foi veiculado mesmo na TV Cultura, infelizmente.  

Técnica e esteticamente a falar, o acabamento final ficou muito simples, eu sei disso. Estava a anos-luz dos videoclips luxuosos, portanto caríssimos, que as bandas mainstream do BR-Rock em voga possuíam aos montes, a fim de difundir as suas respectivas carreiras, mas foi o melhor que pudemos fazer e a partir daí, tínhamos um videoclip enfim, o sonho de consumo de qualquer artista nos anos oitenta.

Eis o vídeo-Clip de "Sun City", cuja produção descrevi acima.



Ainda incomoda-me a ambientação do lixão... e sempre incomodará, pois definitivamente eu não associo o Rock aos escombros...

http://www.youtube.com/watch?v=2cz_mZleBSo

Muitos anos se passaram, e um novo videoclip de "Sun City" surgiu na internet, produzido por um rapaz chamado, Will "Dissidente". Esse rapaz tornar-se-ia um verdadeiro historiador da carreira da banda, ao criar o Blog A Chave do Sol, que eu considero o maior museu virtual sobre a carreira da banda, na Blogosfera.  Em 2009, Will editou por sua iniciativa um novo videoclip da música, "Sun City". Utilizou então o áudio da gravação oficial do LP "The Key" e na minha opinião, a sua edição é muito mais interessante que a edição da TV Cultura no primeiro clip, feita em 1986. Além de ter tido a grande percepção em colocar a letra da canção como legenda, também, ele foi feliz em utilizar fotos significativas do problema em questão, o Apartheid.
Will "Dissidente", que além das atividades virtuais, também costuma apresentar shows de Heavy-Metal em São Paulo e Minas Gerais, principalmente

Will não usou nenhuma imagem do videoclip original, e foi sábio nessa escolha, para evitar problemas com a TV Cultura. Mas com isso, ele não privilegiou o baterista Zé Luiz, que ficou alijado desse clip, que mostrou o Ivan Busic, em proeminência pelo fato dele ser o baterista mais presente no LP The Key.  Outro pequeno vacilo foi mostrar imagens d'A Chave ao vivo, mas na fase de sua dissidência e sem o Rubens, portanto, com Eduardo Ardanuy na formação, ao caracterizar na prática uma outra banda, chamada "A Chave"/"The Key", mas por favor, que o leitor encare tais ressalvas como elementos de uma crítica construtiva, pois eu reconheço que o "promo" é agradável, e dessa forma, encaro-o como um presente da parte do abnegado Will, um jovem pelo qual tenho grande admiração pelo seus esforços em preservar a memória da banda, com o seu sensacional Blog: A Chave do Sol, que ele mantém com grande entusiasmo.

Eis o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=M3J7LX3NtIA

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário