quinta-feira, 21 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 259 - Por Luiz Domingues


O Dinola usou a sua própria bateria, naturalmente, e gravou com toda a segurança. A sua performance em estúdio era sempre exemplar. Ele fazia aquelas viradas técnicas com uma facilidade assustadora e nos vídeos ao vivo onde ele aparece sempre sorridente, não era só por uma questão de performance, mas pelo fato dele ser 100% seguro, e assim fazer aquelas levadas difíceis, a divertir-se, como se fossem simples. Já o Rubens, fez uso do seu kit tradicional de trabalho, com a guitarra Fender Stratocaster e o amplificador Music Man. A novidade para as gravações d'A Chave, do Sol foi a segunda guitarra, Jackson, que era o grande grito da moda oitentista, e ele havia adaptado-se muito bem à sua sonoridade e estética. Foi uma época onde uma guitarra dessas era muito cobiçada e chegou até a despertar comentários em matérias de revistas, o fato do Rubens a possuir, só para se ter uma ideia desse tipo de valorização. 

Hoje em dia, eu a acho uma guitarra datada, e sou mil vezes a Fender Stratocaster '73 que ele ainda possui nos dias atuais (2015), e certamente que uma guitarra como a Jackson não faz sentido para um observador como eu, que nutre muita restrição aos parâmetros estéticos da década de oitenta. Enfim... 

A gravação das bases ocorreu de uma forma muito eficaz e ainda na sexta-feira fomos diretamente cumprir os overdubs de guitarra. O Rubens gravou com bastante rapidez os seus solos, contra-solos e desenhos rítmicos adicionais, sem nenhum problema. 

E ainda houve tempo para o Beto iniciar a sua sessão de vocais. Após oito horas de trabalho, a parte instrumental estava completamente pronta e das seis canções gravadas, quatro já detinham os seus respectivos vocais, prontos. Para o dia seguinte, iniciamos a sessão com os vocais que faltaram, e partimos para a mixagem. A mixagem foi rápida, igualmente e sem nenhuma elucubração indevida. Claro, ao gravar em simples oito canais, as reduções foram inevitáveis e dessa forma, a bateria foi alojada em parcos dois canais. Incrível como mesmo assim, a sua presença na demo-tape é digna, mesmo em sendo um procedimento sob extrema pobreza pela falta de recursos técnicos. O mesmo pode-se dizer de todos os instrumentos e a voz do Beto, que teve um tratamento padrão em termos de ambientação, com o clássico advento de reverb; delay, e uma sutil equalização de timbre.


As músicas que escolhemos para fazer parte dessa demo-tape foram : "O Cometa", "O que Será de Todas as  Crianças" (?), "Solange", "Saudade", "Sun City" e "Forças do Bem". Bem, nem é preciso dizer que consideramos tais músicas como ideais em nossa empreitada de forjar uma nova identidade sonora à banda, e mais que isso, em condições de serem apresentadas aos diretores de repertório das gravadoras majors. As nossas apostas óbvias recaiam sobre : "Sun City", "Solange" e "Saudade", que considerávamos as mais Pop do repertório da demo-tape. 

De fato, uma canção como "Solange" tinha um apelo "romântico", não apenas pela letra a evocar o amor homem / mulher, mas em sua estrutura harmônica, melódica e até na interferência que tais preceitos causaram na confecção do solo de guitarra e no riff inicial. Como eu já deixei claro anteriormente nesta narrativa, tal música causou celeuma na banda, assim que foi sugerida pelo Beto, quando de sua entrada como componente, ao final de 1985. Foi um consenso geral entre os quatro componentes, que devíamos aparar as arestas pelos erros estratégicos cometidos anteriormente, notadamente a opção pelo peso "heavy" imprimido no EP de 1985, e cuja maior vítima fora o vocalista, Fran Alves, infelizmente. Todavia, achar o ponto ideal nessa transformação foi difícil, pois esbarrou na visão particular de cada um, e na total falta de senso de mercado que tínhamos à época, por vários fatores. Um deles, reputo ser o fato concreto de que éramos uma aeronave em pleno voo, portanto, algumas (para não dizer muitas), impressões que tínhamos, foram pautadas pelo frescor dos acontecimentos e nesse parâmetro, foi até legítimo que tenhamos errado em certas avaliações, pois tínhamos um público em franca expansão! O que eu quero dizer com isso, é que talvez o mercado mainstream soprasse de forma inversa (e soprava mesmo, é óbvio), mas a nossa impressão pessoal na época, deu conta de outra perspectiva, pois os nossos shows lotavam; as pessoas gostavam cada vez mais de nossa música (apesar das mudanças drásticas de direcionamento artístico); e o nosso portfólio só crescia, recheado com matérias de jornais e revistas a conter elogios ao trabalho. 

Portanto, achar o ponto certo da temperatura dessa tal mudança, não foi uma tarefa fácil para ser cumprida. É fácil fazer uma análise desse nível, com 29 anos de isenção histórica e experiência acumulada (este trecho foi escrito em 2015), mas é claro que nenhum de nós pensava nesses termos naquela época. Talvez o Beto, para ser muito justo, e eu reconheço, fosse o membro da banda que mais teve essa percepção próxima da realidade e portanto, foi o agente decisivo para as mudanças. 

No caso da canção "Solange", foi acintosa a sua perspectiva Pop, e chegou a incomodar-nos, justamente pelos fatores que expressei acima. E entre os três membros que estranhavam mais, o Zé Luiz foi o que mais incomodou-se, por considerá-la destoante das tradições da banda, ao comparar-se ao Jazz-Rock que professávamos nos primórdios da carreira da banda. Se a canção já trazia tanta controvérsia interna, quando a letra nos foi mostrada, o choque térmico intensificou-se... é claro que tratou-se de uma letra romântica, e poderia tranquilamente ter sido escrita por um artista popularesco. O Zé Luiz arregalou os seus olhos ao ficar atônito com a possibilidade de nós seguirmos os passos do Rádio Táxi e bandas similares. No entanto, se realmente pleiteávamos um lugar ao sol (com o perdão do trocadilho), no mainstream, tratou-se de uma música na verdade, com potencial competitivo e tais executivos de gravadoras pouco importavam-se com questões estéticas de cunho artístico. "Solange" detinha potencial radiofônico e poderia tranquilamente ser incluída como tema de uma novela da Rede Globo, em via de regra. 
Portanto, parabenizo o Beto, quase vinte e nove anos depois (escrevo este trecho em 2015), pois entre os quatro, foi o que melhor enxergou a necessidade de adequação radical da banda aos parâmetros do mainstream. Sendo bem detalhista, hoje eu posso afirmar que nem mesmo "Solange" foi o ideal para cumprir tal objetivo, pois realmente ao ter sido concebida nesses termos, muitas arestas deveriam ter sido coibidas. É incrível constatar, mas nem mesmo uma faixa que considerávamos incrivelmente Pop para os nossos padrões de estética, foi na verdade adequada para agradar os ouvidos dos homens das gravadoras. Hoje eu sei bem disso...     

"Solange" em versão da demo de abril de 1986
Eis abaixo, o áudio da canção  "Solange", extraído da demo tape que lançamos oficialmente em abril de 1986.

http://www.youtube.com/watch?v=BjrAEt6maPk

Continua...

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