quinta-feira, 21 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 261 - Por Luiz Domingues


Ao falar sobre uma aposta muito incisiva que tivemos para essa demo-tape, em prol do padrão Pop, a música "Saudade" foi uma esperança tão ou mais forte do que "Solange". Criada a partir de um riff que o Rubens apresentou-nos, tal música foi deliberadamente concebida para soar Pop nas suas atribuições gerais. Primeiro pela simplicidade generalizada com a qual concordamos em empreender na sua concepção e arranjo. O Riff e a harmonia mostram-se simples, bastante diretos e com caráter "bubblegum", ou seja, com a clara intenção em ser "grudento", ou seja, sob fácil assimilação pelo público e não somente para o público Rocker, eu devo acrescentar, por procurar atingir um público mais amplo. A melodia é o carro chefe, evidentemente, e nesses termos, o Beto trouxe a sua contribuição, ao criar uma linha linear, que qualquer criança poderia cantarolar e convenhamos, para o mundo da fonografia, foi um tremendo indício de sucesso. No quesito "letra", o Beto sempre teve facilidade para escrever letras coloquiais, e sob o mote do romantismo.

Devo dizer que a sua inspiração foi acintosamente o Whitesnake de David Coverdale, mas convenhamos, uma letra escrita em português costuma adquirir contorno bem diferente e assim, ultrapassa-se a linha tênue que separa o romântico do brega açucarado e piegas. Foi um risco enorme que corremos, pois nesses termos, aproximávamo-nos do Whitesnake em nosso conceito estético, mas aos olhos dos leigos, poderia ser mais para o Fábio Júnior e similares... 

Na parte instrumental, o maior esforço empreendido foi da parte do Zé Luiz, eu reconheço. Foi inacreditável ver a sua atuação com uma condução simples; sem as suas típicas viradas técnicas; sem inversões de ritmos; sem quebras no chimbau; enfim, ao ouvir a canção, parece gravada por um baterista comum, e não pelo Zé Luiz, que já era reconhecido naquela época, como um baterista muito técnico, e fortemente influenciado pelo Jazz-Rock internacional. De minha parte, a linha de baixo também foi simples ao extremo, e por ser assim, limitei-me a criar uma condução contínua em colcheias, apenas a seguir a tônica dos (poucos) acordes presentes na harmonia da canção. 

Para os padrões d'A Chave do Sol, onde o esmero para criar-se uma "cozinha" com sofisticação rítmica sempre foi uma das marcas registradas da banda, foi chocante empreender essa simplicidade "franciscana". Tal música destoou tanto do trabalho todo, que chegamos a discutir internamente a possibilidade dela ficar destinada exclusivamente à avaliação dos executivos de gravadoras majors, como objeto da demo em questão. Temíamos pela reação dos fãs, que poderiam até chocar-se, e julgar-nos mal pelo choque térmico apresentado. E se rejeitassem-na ? Será que nos julgar-nos-iam oportunistas por tamanha apelação, e de certa forma ficaríamos estigmatizados por tal investida ?

Todavia, esse autopreconceito que geramos, foi logo superado, pois ainda em 1986, a incluiríamos no set list dos shows. E não apenas essa canção só não incomodou os fãs antigos do trabalho, como agradou muita gente, eu creio. Talvez a única conexão mais Rocker nela, seja o solo do Rubens, mais agressivo aos ouvidos pouco acostumados às sonoridades do Rock. Mas mesmo com toda a preocupação em fazê-la soar o mais pop de FM possível, mantivemos a pegada Rocker, como uma pitada de dignidade e autoestima, acredito... 

No estilo, a música lembrava o trabalho de bandas então "modernas" do Hard-Rock dos anos oitenta, principalmente o "Autograph", mas também lembrava o som de outras como o "Alcatraz"; talvez o "Dokken"; "Y & T"; quiçá "Ratt", e similares da época. De minha parte, nenhuma delas emocionava-me em nada, aliás muito pelo contrário, por conta do meu coração sessenta / setentista que estava machucado a hibernar, na espera para o pesadelo oitentista acabar... todavia, em comparação com a turma do Pós-Punk, tais artistas aproximavam-se de sonoridades minimamente decentes, ainda que eu tivesse inúmeras restrições ao respectivos trabalhos dessa turma. No caso de nossa aposta nessa sonoridade Pop das emissoras FM's, foi uma grande esperança, e assim a gravamos com tal ideia em mente.

Cabe acrescentar que estávamos nessa época absolutamente obcecados pela ideia de alcançar o mainstream, mas ao mesmo tempo, não tivemos uma noção real do mercado. Faltou-nos alguém que pudesse realmente orientar-nos nesse sentido. Acredito que as pessoas que mais forneceram-nos dicas corretas foram : Charles Gavin e o Clemente Nascimento, d'Os Inocentes, que estavam dentro do furacão oitentista. Mas o básico do básico, nós não percebíamos, apesar de todas as dicas e o apoio que deram-nos (sobre a ajuda do Clemente, eu ainda não comentei, mas está quase no ponto para abordar essa parte na cronologia), que foi naturalmente a questão do som em si. De nada adiantaria buscarmos parâmetros Pop dentro de elementos Hard, pior ainda Heavy, pois tais estilos jamais entrariam na crista da onda oitentista dentro do mainstream. 

Para ser ainda mais incisivo, eu diria até que o próprio, "BR-Rock 80's" como um todo, estava a decair em 1986. A despeito de alguns artistas que nadavam nas águas mais seguras de sua própria consagração pessoal, foi nítido que o estilo dera sinais de arrefecimento. Mesmo a contar com o fato da explosão midiática do RPM, já ao final de 1985, acredito que a onda do BR-Rock 80's estava a começar a quebrar na praia. Portanto, quem surfou bonito nessa onda, aproveitou as suas chances entre 1982 e 1984, principalmente, e salvo consagrações extraordinárias, como o RPM já citado, e o Legião Urbana (este calcado exclusivamente no talento de letrista, e o carisma de Renato Russo, pois a banda em si beirava o ridículo de tão frágil que era), e talvez o Capital Inicial sob uma proporção um pouco menor, a verdade foi que a onda estava por findar-se. Se começou a ficar ruim para quem comungara fartamente da cartilha imposta pela estética Pós-Punk, o que dizer dos outsiders como nós ? 

Essa percepção é fácil para obter-se hoje em dia, mas na época, é claro que ninguém percebia claramente. Nem quem estava adequado ao padrão, quiçá os desajustados como nós. Bem, o que poderíamos fazer a não ser intensificar os nossos esforços nesse sentido ? E foi o que fizemos. Nos próximos capítulos, eu contarei muitos fatos até dramáticos sobre como esforçamo-nos para buscar um lugar ao sol. Se continuássemos a nossa toada sem tantas mudanças de formação, e principalmente em torno do direcionamento musical, teríamos tido uma maior continuidade na carreira. Mas como poderíamos ter alcançado essa percepção, ali no calor dos acontecimentos ?

Aliado a uma série de fatores, onde a falta de um produtor/empresário mais experiente e antenado nos parâmetros da época, contou como o maior fator, ou seja, faltou-nos discernimento. Você vai ver, caro leitor, quando eu revelar outros fatos dessa época, vai entender ainda mais, como foi difícil para nós na época, ter essa percepção clara.

Continua...

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