sexta-feira, 8 de maio de 2015

O menino americano, o circo e o galinho de Quintino - Por Marcelino Rodriguez

Minha fase naquele tempo que o circo chegou em Santíssimo não era boa, mas quando somos meninos, somos todos reis e a sorte muda de repente, como se um mago cósmico
ordenasse nossas vidas segundo seus sonhos. 

Por que a fase não era boa? Bem, eu estava apaixonado pela Laura, que era loura, linda e ousada. Já havia me beijado na boca, depois de me dar um bilhete provocativo. E agora me chegavam rumores que ela estava com o palhaço do circo. Você pode imaginar, leitor amável, como se sente um jovem de doze anos que perde a namorada para um palhaço ?
O caso, todavia, é que o circo persegue o destino de meninas e meninos, desde o tempo que os dinossauros andavam pela terra e não seria diferente comigo. A ideia de ir ao circo, apesar do palhaço, era grande. Nem sempre na vida, como hoje, amigos, eu andei em boa companhia. Eu tinha uma turminha meio do mal nessa época. A gente não fazia muito mal, apenas o necessário para lembrar nossa natureza decaída. Assim que um desses amigos da puberdade transviada topou ir comigo ao circo e claro, ambos por debaixo da lona, que isso era uma pilantragem básica. De uma certa forma, era o que o palhaço merecia da minha parte, que não lhe pagasse o ingresso.
         
Já no escuro, todos os gatos são pardos, e como meu outro amigo havia se perdido de mim, tratei de arrumar um bom lugar e fui para o alto, como se tivesse prevendo meu destino da noite. Achei um bom lugar e sentei, como um suposto pagante. Quis o destino que eu estivesse solitário nesse momento. Vou arriscar uma metáfora meio clichê, ao relembrar como eu me sentia naquela noite: "todos os circos são fabulosos." Claridade só se via lá embaixo, na terra de areia, onde o apresentador brincava com a plateia. 
 
"Quem torce pelo Flamengo?" - Dizia ele.
Aquela gritaria vinha como resposta.
"Quem torce pelo Vasco da Gama"
Nova, porém menor gritaria.
"Quem é tricolor do coração?"
Poucas vozes e alguns braços levantados.
"E o Botafogo, quem é Botafogo ai, gente?"
Poucos braços levantados.
"Quem torce pelo América? Quem é América?" 
Eu gritei e levantei os braços, ao mesmo tempo, sozinho. Ao menos, parecia que estava sozinho. Americano é como diamante, não se acha toda hora.

O locutor, que era generoso, ainda perguntou se havia torcedores do Bangu e Campo Grande, que eram clubes próximos do circo.

"Agora, eu vou oferecer um prêmio, essa bola aqui" -- disse, pegando da assistente uma dente de leite, que era comum e muito usada em nossas peladas.

"Quero saber qual é o nome verdadeiro do Zico". 
Lá de cima, eu que era um pequeno intelectual do futebol e sabia, lamentei ter ficado longe do palco.
Para mim, a pergunta era muito fácil. Eu lia os jornais, principalmente a parte esportiva, todos os dias.

Meu coração batia forte porque para minha surpresa, ninguém sabia. O apresentador perguntou uma,
duas, três vezes. Embora tímido e sem acreditar que ninguém soubesse responder, desci
as escadas e o circo todo parecia estar de olhos pregados em mim. 


Pisei o chão de terra
e as luzes me iluminaram.

-- Muito bem , garoto, como você chama?
-- Marcelino.

-- Seu time?
-- América.
-- Ah, muito bem, um americano. E você sabe o nome completo do Zico?
-- Sei, sim. Arthur Antunes Coimbra.
-- Parabéns, garoto, acertou. Ele sabe mesmo. Toma aqui sua bola, vai com Deus.
Peguei minha bola e naquele momento havia esquecido Laura, O Palhaço e a maneira pouco honrosa que tinha entrado no circo. Era apenas um menino de doze anos que tinha ganho uma bola. 

Novamente, era apenas um menino rei. 


Marcelino Rodriguez é colunista ocasional do Blog Luiz Domingues 2. Escritor de vasta e consagrada obra, aqui nos traz uma crônica de cunho futebolístico, uma de suas paixões, falando-nos sobre uma passagem de sua infância, onde foi abordado como raro torcedor do América FC do Rio de Janeiro, e o quanto a família Antunes Coimbra, tem uma história nesse clube, via Edu e Antunes, jogadores que marcaram época no alvi-rubro carioca, a despeito do irmão deles ter feito fama no clube rival, o Flamengo, um tal de Zico.

6 comentários:

  1. Respostas
    1. Sei bem como é isso...também tenho essas lembranças boas do futebol, e das quais, sempre me acompanharão.

      Abraço, meu caro amigo escritor !

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  2. Muito legal, nos faz lembrar que, quando crianças, não nos fixamos em problemas e sim em curtir o momento, o presente!

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  3. E curtir o momento é o mais sensato a ser feito, portanto, chegamos à conclusão de que a sabedoria está com as crianças.

    Grato por ler e comentar !

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  4. Sim Luiz, a sabedoria está com elas e por isso não devemos deixar a nossa criança interior morrer.

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