terça-feira, 18 de agosto de 2015

Autobiografia na Música - A Chave/The Key - Capítulo 24 - Por Luiz Domingues


O Beto mobilizou a todos para gravarmos uma demo-tape com o material novo que essa banda tinha composto até então. O seu irmão, Claudio Cruz, emprestou um gravador de quatro pistas da marca Fostex, que era bem simples, e com apenas quatro canais, claro que seria um gravação com muitas limitações e obrigatoriamente, teríamos que fazer uma ginástica para minimizar ao máximo o efeito limitador de uma drástica redução, inevitável.

Com uma sonoridade que era encorpada ao extremo e com a presença de longos solos e geralmente duplos em quase todas as músicas, seria necessário um estúdio com vinte e quatro canais no mínimo, para tal sonoridade sair a contento. Porém, sem recursos para bancar nem um estúdio simples com oito canais, a solução foi registrar as novas músicas desse jeito simplório.
Nessa foto ilustrativa de um estúdio que eu nem conheço pessoalmente, veja a presença de uma parte de pedra em um dos cantos, fundamental para a acústica.

Fora essa limitação, claro que houve a agravante dessa gravação não ser possível ser realizada em um ambiente adequado, com vedações e rebatimento de vários tipos, como madeira, pedra e vidro, componentes importantes no quesito da acústica. E pior ainda, não dispúnhamos de microfones adequados para a captura geral.

Em suma, seria uma demo caseira, onde o resultado final, com muito esforço, seria o de um ensaio gravado com um pouco mais de requinte de áudio, que o habitual.

E assim, gravamos em um domingo de agosto de 1988, na sala de estar da residência do Beto Cruz. Improvisamos biombos com móveis, cobertores e almofadas, para isolar prosaica e precariamente a bateria dos amplificadores dos teclados, baixo e guitarra, e foi o máximo que pudemos fazer para coibir vazamentos, ou seja, quase nada.

Gravamos tudo ao vivo, incluso solos, pois não haveria a possibilidade de se fazer overdubs para os instrumentos. Somente a voz teve essa possibilidade, no dia seguinte.

O resultado sonoro dessa captura até que surpreendeu, ao ficar além das expectativas que tínhamos em relação a uma gravação de ensaio, "melhorada". Claro que a mixagem foi feita na base do "Ping Pong"(gíria usada entre músicos no passado, para descrever a ginástica que era promover a redução dos instrumentos em poucos canais), e claro, sofrida. O baixo e a bateria inteira ficaram juntos em um canal e quem é músico e/ou produtor, sabe o quanto isso é desastroso, praticamente a arruinar qualquer possibilidade de se obter timbre e tratamento para cada peça da bateria e a achatar o som do baixo ao patamar de quase não se entender as frases feitas pelo baixista. A guitarra e os teclados também se prejudicaram ao extremo, pois mesmo ao ocupar um canal para cada um, o fato de ter uma base apenas e o solo no mesmo canal, limitou-os tremendamente.

Enfim, de graça, com essa máquina que nem nossa era, e alguns poucos microfones Shure SM 58, inadequados portanto para uma gravação, foi o melhor que poderíamos fazer. Apesar de tudo, consideramos que o material atenderia a nossa necessidade premente e nessa altura, havia dois contatos interessados em ouvir o material e não seriam gravadoras de médio, muito menos grande porte.

Tratou-se de dois pequenos selos, oriundos de lojas de discos, que entravam no mercado para concorrer com a Baratos Afins, que nessa altura detinha status de gravadora, e não de um simples selo.
Um desses interessados foi o dono de loja discos na mesma Galeria do Rock de São Paulo, e o outro, de uma loja no Rio de Janeiro, localizada no bairro de Copacabana. Com tal demo-tape em mãos, nem precisávamos preparar material gráfico, pois a conversa seria coloquial com tais lojistas que estavam a se aventurar no mundo da produção artística e fonográfica.  

O contato do Rio foi meu, pois eu costumava vender discos nessa tal loja, sempre. Fui ao Rio e cheguei portanto com a fita K7 em mãos e fomos ouvi-la no tape deck ali mesmo no balcão da loja. Passei vergonha, no entanto, pois alguma configuração na reprodução da fita master para a minha cópia, fora feita de forma errada, e assim, o "level" com o qual esta fita fora reproduzida, esteve baixíssimo. Simplesmente não dava para distinguir as músicas, mesmo ao se colocar o tape-deck no volume máximo.

Pedi desculpas ao rapaz, e fiquei de providenciar uma cópia audível quando da minha próxima ida ao Rio, mas isso nunca mais aconteceu, pois fatos novos aconteceram em São Paulo. Primeiro, que os amigos do Golpe de Estado nos indicaram um contato na gravadora Eldorado, para onde estavam a se mudar, quando deixaram a Baratos Afins. E segundo, que antes mesmo que o rapaz do Rio ouvisse a fita, o lojista da Galeria do Rock em São Paulo houvera se antecipado e a demonstrar forte interesse, marcou reunião para o nosso ensaio, com forte propósito de fechar o acordo.  

Sobre o contato na Eldorado, uma reunião foi marcada na sede da gravadora, que nessa época ainda ficava instalada no centro da cidade. Fui com o Beto, e ali havia aquela formalidade básica de empresa, embora a Eldorado fosse apenas um selo com médio porte como gravadora, e muito aberta a ouvir artistas do underground sem comprometimento com as estéticas A, B, ou C, marqueteiros inescrupulosos etc. Tanto que o seu elenco era eclético, com artistas nada afeitos ao sistema, como bluesman, artistas folk obscuros, música de raiz, MPB muito alternativa e agora, a investir no Rock, sem preconceitos, pois tinham de bandas Punk ao Hard-Rock quase setentista do Golpe de Estado, que estava a chegar e onde aliás, esse grupo atingiu o seu clímax nos anos seguintes, com a Eldorado quase a levar ao mundo mainstream.

Tal reunião aconteceu com um diretor artístico chamado, Ota, um rapaz com origem oriental, que nos recebeu friamente, mas pelo menos não teve a soberba típica com a qual eu e Beto estávamos acostumados a lidar, em abordagens com produtores "estrelas" que nos esnobaram nos tempos da velha, A Chave do Sol.

Talvez se cantássemos em português, houvesse uma chance do nosso som ter passado pelo seu crivo, mas além dessa contrariedade, o excesso de firulas virtuosísticas não o entusiasmou. Se tivéssemos um som mais direto, como o do Golpe de Estado, que estava a entrar na gravadora, talvez conseguíssemos lograr êxito, todavia, o nosso som pecava pelos excessos e até certas músicas que julgávamos "Pop", na verdade, não sensibilizavam produtores acostumados com o mercado, nem mesmo no caso de uma gravadora diferenciada como era a Eldorado, acostumada a dar chances para artistas "outsiders".

Bem, com o tal do Ota não deu certo, e eu posso até elucubrar se o resultado não pudesse ser diferente se a conversa tivesse sido com um outro produtor da casa, chamado, Wagner Garcia, que anos depois eu vim a conhecer por conta do ingresso do Pitbulls on Crack nessa mesma gravadora. Mas mesmo assim, ao saber hoje em dia, que o Wagner era bem mais acessível, esse som dessa "Chave sem Sol", mostrava-se mesmo inadequado.

Sobre a conversa com o lojista da Galeria do Rock, eu falo depois, a esclarecer quem ele era, logicamente, pois há histórias boas nesse sentido.

Continua... 
   

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