quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Autobiografia na Música - A Chave/The Key - Capítulo 5 - Por Luiz Domingues


Como de praxe, as bandas que se apresentariam no dia, se reuniram em um ponto de encontro determinado pela produção do show/filmagem. No caso, viajamos em um ônibus da Rede Bandeirantes de TV, acompanhados da agradável presença dos amigos do "Proteus", banda com a qual interagíamos desde 1987, quando ainda eu, Beto e Zé Luiz fomos membros d'A Chave do Sol. No ônibus, além da comitiva das duas bandas, muitos técnicos da TV Bandeirantes, viajaram conosco.

Fazia um calor de rachar, e claro, foi o normal para o mês de janeiro, ainda mais a levar-se em conta que descíamos a serra em direção a uma cidade praiana, tradicionalmente quente, ainda mais em pleno verão. 

A viagem foi bastante prazerosa, para quebrar um pouco o clima pesado com o qual eu e Beto vivêramos nos últimos quarenta dias aproximadamente, por conta dos acontecimentos terríveis que culminaram com a extinção d'A Chave do Sol e abrupta formação dessa nova banda dissidente. Não só por isso, eu diria, mas também pela incidência de dívidas que nos atormentavam, e cuja única saída, foi promover a nova banda e vender discos para pagar a conta da anterior que desintegrara-se...

Ao chegarmos à cidade do Guarujá-SP por volta do meio da tarde de uma quinta-feira, dia 28 de janeiro de 1988, fomos conduzidos diretamente à praia, onde o palco estava montado e com o P.A. já inteiramente erguido e a ser afinado pelo técnico.

Fizemos o soundcheck sob forte calor e um sol causticante, com poucos banhistas a se interessar com a movimentação toda pela produção, ainda bem, eu diria, para não tumultuar o trabalho.

Claro, foi um soundcheck rápido, sem maiores requintes e a contar com a má vontade generalizada de técnicos e auxiliares que adotaram a postura de "estrelas", e assim a manter a estúpida praxe de maltratar artistas que não são proeminentes na mídia mainstream, como se os incomodássemos com a nossa simples existência, e muito pior, pela falta de projeção midiática avantajada, como se isso fosse por nossa culpa.

Encerrado esse trabalho, que foi feito bem superficialmente para o nosso gosto (e convenhamos, seria um show para uma grande, supostamente, multidão ao vivo, e com a responsabilidade de se tratar de uma filmagem para a TV, portanto, deveria haver um apuro na qualidade do áudio, muito maior), a produção da TV nos conduziu a um um hotel, onde descansaríamos e nos aprontaríamos, portanto, para o show.

Infelizmente, o hotel alugado pela Rede Bandeirantes se mostrou precário e não reunia condições para que descansássemos adequadamente. Sou muito grato à essa Rede de TV por nos ter inserido nessa programação do seu programa: "Verão Vivo", pela evidente oportunidade de uma exposição em cadeia nacional, mas deixo a pergunta: será que artistas mais famosos do que nós, usavam normalmente aquele hotel "pulgueiro?" Duvido que algum medalhão da MPB, ou até mesmo do BR Rock 80's ainda em voga na mídia, fosse hospedado ali, mas enfim.

Fomos para o show, então e o Proteus tocou primeiro. A sua apresentação era sempre energética, e tendo ou não público, se portavam em cena como se estivessem em um estádio de futebol lotado, e isso era louvável ao meu ver, sob o ponto de vista cênico, na postura deles.

Quando fomos para o palco, a nossa preocupação, além de tocar o melhor possível diante de uma monitoração bem ruim e totalmente diferente da estabelecida durante o soundcheck (para que equalizar o som antes dos shows, se na da apresentação eles mudam tudo?), a ordem foi ter a melhor performance cênica possível, ao pensarmos na audiência de milhares, talvez de milhões de telespectadores, mas a motivação teria que vir de um foco muito forte nesse sentido, por que ali, no calor do show, seria bem difícil extrair ânimo para tal.

Uma abertura de show com bastante energia, com "Profecia", primeira faixa do lado B do LP The Key, e que era a mais pesada desse disco de uma outra banda...

O link para assistir o vídeo no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=qCLUfoAQYSc

Isso por que o público presente foi diminuto e a portar-se muito friamente no geral. Houve sim um pequeno público Rocker presente, perto do palco, mas a grande massa, dos poucos que se manifestavam, estiveram ali apenas para tumultuar, e não mediram esforços para tal...
"A Woman Like You", primeira faixa do LP The Key. O áudio da mixagem da TV é sofrível (a caixa da bateria parece uma "caixa de sapatos", e quase não dá para se ouvir o baixo etc), mas dá para ver um registro da participação dessa nova banda, na TV, ao vivo. 

Link para ouvir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=IeQPAr0vxWw

"Sweet Caroline", a segunda faixa do LP The Key. No fim da música, deu uma pane geral entre os guitarristas que se esqueceram da pausa, mas eu (Luiz) e o Zé Luiz Dinola não deixamos de cumprir a convenção, ao fazermos os acentos e quase ninguém percebeu o "branco" dos demais.

Link para ouvir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=rtna5DWn07g

Tratara-se de um pequeno, mas bastante impetuoso grupo de pessoal mal-intencionadas, que debochavam o tempo todo de nós, ao nos provocar com gritos a afirmar: -"hei roqueiros, toquem um pagode aí", e esse tipo de pedido galhofeiro, foi a coisa mais suave que nos disseram naquela noite.

Não contentes em nos hostilizar verbalmente, arremessaram alguns tufos de areia, mas felizmente a distância da grade de segurança que os continha foi o suficiente para que os seus arremessos não chegassem até nós, diretamente, mas apenas a conspurcar a ponta do palco, antes mesmo da linha do "side fill" (um micro P.A. posicionado nas laterais do palco, que visa reforçar a monitoração para os músicos se ouvir melhor), mas mesmo assim, o baixo astral em termos que passar por isso, gratuitamente, foi um horror...

A canção "Sun City", sob uma uma performance sem grandes novidades em relação ao arranjo original do disco.

https://www.youtube.com/watch?v=Kia9ARQQ_U8
Acima, eis o Link para ver no YouTube.

Bem, independente dessa deprimente manifestação de um público frio e com manifestações hostis como as que descrevi acima, por parte de alguns gatos pingados, acho que a nossa performance foi digna. Demos o nosso recado para a TV, e quebramos o gelo entre eu & Beto, em relação aos demais novos músicos, e de fato, foi o que mais importara ali naquele instante.

A performance foi bastante energética. Com a segurança do José Luiz Dinola, muito habituado com aquelas músicas, a banda soou como se estivesse junta há tempos. Não transpareceu que havíamos nos juntado há poucos dias, e que a maioria dos músicos não tinham intimidade alguma com aquele repertório.

Ali, logo nessa primeira apresentação, houve uma amostra do que seria essa nova banda, ao ser dada com eloquência eu diria, pois o virtuosismo do Edu Ardanuy e de Fabio Ribeiro, foi proeminente.
Diante de alguns poucos improvisos, pois a base dessa apresentação foram as canções do LP The Key, ambos já mostraram a sua qualidade como músicos excepcionais, com pequenas "camas" harmônicas feitas para dar vazão aos solos longos e virtuosísticos de ambos. Aliás foi um raro momento em que fugimos do repertório do LP The Key, para apresentar algo diferente e que de fato, nortearia o trabalho dessa nova banda doravante.

O pequeno solo individual do Edu Ardanuy naquela noite, amparado por uma cama harmônica de teclados feita pelo Fábio Ribeiro

Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=ZWq82zrlTFo

O Zé Luiz Dinola tocou como nos velhos tempos, mas não haveria a menor possibilidade de cogitar se juntar a nós, apesar de estar claro que desistira da ideia esdrúxula de abandonar a música, fato que motivou a sua saída d'A Chave do Sol, cerca de seis meses antes, e mesmo por que, mesmo que houvesse tal possibilidade, estávamos fechados com Zé Luis Rapolli, e se fosse para o Dinola voltar, o correto seria que A Chave do Sol se reconciliasse inteiramente e com Rubens Gióia a retomar o seu posto, simples assim!
 
Depois do show, fomos abordados por alguns fãs, mas poucos sabiam realmente quem éramos. Houve um diminuto contingente de Rockers naquela noite ali presentes, e a maioria que foi nos abordar no improvisado camarim atrás do palco, estava ali pelo embalo de ocasião, simplesmente.

Então, algo ainda mais bizarro ocorreu. Um sujeito ficou a nos abordar com uma insistência bem desagradável, ao pedir um LP de presente. E ficara nítido que esse rapaz mal sabia quem éramos, infelizmente. Durante o show, o Beto arremessara algumas capas para o público, para fazer um agito, e a fazer a promessa ao microfone, de que lhes entregaria a bolacha de vinil no pós-show como um meio de promoção.

Os sujeitos que conseguiram capturar as capas no ar, apareceram para reivindicar os seus vinis, mas isso também atraiu outros rapazes e moças e alguns inconvenientes, que queriam ganhá-los também. Nesse instante, eu a ver aquelas pessoas a pedir discos com insistência, pensei comigo: -"estamos a precisar vender cópias desesperadamente e esses sujeitos que nem sabem quem somos, aí, a pedir discos que provavelmente vão tentar vender em um sebo, no dia seguinte, ou mesmo jogar no lixo"...

Foi quando um dos mais agressivos entre eles, abordou-me e veio com uma conversa absurda de que havia nos ajudado na produção naquele dia, e que "merecia" ganhar um disco, como um direito adquirido! Pois esta foi uma das poucas ou talvez a única ocasião em que eu fiquei muito aborrecido com uma abordagem de pós-show da parte de um estranho em toda a minha carreira, tamanha a insistência pegajosa do sujeito, e somado ao cenário dramático em que estávamos mergulhados, desde a dissolução d'A Chave do Sol, com inúmeros dissabores e preocupações para resolver e ali, aquele sujeito desagradável a passar dos limites...

Sei que tudo resolver-se-ia se eu tivesse cedido e lhe dado um disco de cortesia, mas simplesmente, não o fiz. Primeiro, que criaria um precedente terrível. Se tivesse lhe ofertado o disco, havia pelo menos mais cerca de trinta pedintes ali na mesma situação e isso geraria um tumulto. Em segundo lugar, a abordagem dele houvera sido tão descortês, que ele não fez por merecer, de forma alguma. E em terceiro lugar, por que provavelmente esse rapaz nem se interessava pelo som da nossa banda. E finalmente em quarto lugar, pela situação dramática em que nos encontrávamos naquele instante, onde a ideia de "doar" cerca de trinta discos a esmo, seria cometer uma heresia financeira para nós.

Então, ao sentir-se contrariado, esse rapaz passou a proferir um discurso revanchista de baixo nível. Não partiu para agressões ou ofensas no uso do baixo calão, mas ficou a falar alto para todo mundo ouvir, algo do tipo: -"é assim mesmo... você ajuda um artista desconhecido e ele lhe vira as costas quando sobe um pouquinho"...

Não contente com esse discurso absurdo, ao nos imputar uma suposta "soberba", indevidamente, eis que rogou-nos uma praga... ao afirmar aos seus amigos, ao seu redor, que por conta de "atitudes mesquinhas desse tipo", nós fracassaríamos no avançar da nossa carreira etc. e tal. Em suma: acho que eu nunca vira uma pessoa tão descortês e baixo astral assim, a abordar artistas em um bastidor de show, e no cômputo geral, falo do alto de trinta e nove anos de carreira que somo neste momento em que escrevo este trecho (2015), tive inúmeras experiências com outros inconvenientes de plantão, mas este, superou-se. Bem, entrei no ônibus e pela janelinha, ainda o ouvia a falar e a mostrar-me ironicamente um copo d'água, que usava para enfatizar a sua contrariedade na forma de um brinde que me oferecia, como forma de deboche.

Alheios a essa situação, fomos jantar em um restaurante bom e o fim da noite foi bastante agradável entre amigos, a dissipar a nuvem de baixo astral perpetrada pelo assédio de energúmenos, sem noção de educação básica, como esse rapaz que eu citei acima.

De volta para São Paulo, tivemos mais um pouco de tempo para ensaiar, mas bem pouco, pois no sábado subsequente, teríamos que realizar um show completo.  

Acima, um pequeno vídeo sobre os bastidores do pós-show, filmado a esmo pela equipe de cinegrafistas da Rede Bandeirantes e que não foi ar, mas muitos anos depois, alguém disponibilizou-o para um DVD pirata que passou a ser vendido em lojas da Galeria do Rock, e agora está disponível através do YouTube, aliás, caso da maioria das músicas desse show e que na época, também não foram ao ar.

O Link para ver esse curto vídeo de bastidores:



Então foi assim, quinta-feira, dia 28 de janeiro de 1988, tocamos no palco do projeto, "Verão Vivo", patrocinado pela Rede Bandeirantes de TV. Ali na praia, não deve ter havido mais do que quinhentas pessoas na plateia, mas quando o programa foi ao ar, dias depois, em 11 de fevereiro de 1988, a edição "maquiou" a audiência, ao mesclá-la com outros shows onde o público fora bem maior. Naquela circunstância de um show gravado ao vivo em uma praia durante o verão, acredito que nem medalhões do BR-Rock 80's fariam papel muito melhor. Toda a atmosfera seria adequada apenas para artistas populares, quiçá popularescos e assim, bandas de Hard-Rock do underground não fariam sentido, mesmo, para aquela audiência.
"A Chave é o Show", música que era emblemática nos shows d'A Chave do Sol, a ser executada por essa nova banda, que ironicamente apresentava-se doravante como "A Chave/The Key", daria um certo sentido maior ao título da canção...  

O link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=OAgnRlVPros

Portanto, a confusão gerada pela criação de um novo nome e uma nova banda, mas a tocar o material e a divulgar o recém lançado LP de uma banda extinta há poucos dias, não fez diferença alguma aos gatos pingados que nos viram naquela noite ao vivo e para a imensa maioria que nos viu na TV, dias depois.
Outra versão da música: "A Chave é o Show, mas fora de sincronia, e pelo menos com a bateria mais alta na mixagem, quando nos possibilita ver o Zé Luiz Dinola a estraçalhar em sua performance. 

O link para ver no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=ASSwPowUeME

Com a ressalva óbvia de que ao tratar-se de exibição na TV, claro que o público Rocker tomou conhecimento também, incluso os fãs da velha, A Chave do Sol, e a confusão gerada foi grande. Pois é... aonde está o Rubens? Onde está o "Sol?" Zé Luiz Dinola voltou? E sobretudo, quem são esses dois guitarristas e o tecladista?

Paciência, foi o que aconteceu ...

Continua...

2 comentários:

  1. Oi Luiz!

    Eu sou filha do Theo (autor dos vídeos do post).

    Eu vi a reportagem sobre A Chave na revista Roadie Crew e fiquei curiosa sobre a passagem do meu pai na banda de vocês.

    Você se importaria de falar um pouco sobre como foi? Estou tentando reunir algumas memórias sobre ele.

    Obrigada!

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  2. Oi, Thais !

    Antes de mais nada, estou honrado com sua visita ao Blog e muito feliz por ver que está resgatando a memória do seu pai. Ele certamente teria muito do que se orgulhar por ter uma filha com essa dedicação exemplar.

    Bem, a passagem do saudoso Theo Godinho pela banda foi bastante curta. Se você retroagir ao capítulo 1, da história da Chave / The Key, vai entender como foi dramática a formação de tal banda, como dissidência forçada da antiga Chave do Sol, que se extinguira em dezembro de 1987, por uma série de mal entendidos entre seus componentes originais.

    Nesse cenário emergencial, Theo Godinho; José Luiz Rappoli; Eduardo Ardanuy e Fabio Ribeiro foram recrutados pelo nosso vocalista Beto Cruz, para nos ajudar a cumprir dois shows que na verdade faziam parte da agenda da velha Chave do Sol.

    A toque de caixa, ensaiamos muito pouco e cumprimos ambos, sendo um deles, esse show promovido pelo evento "Verão Vivo", uma produção da Rede Bandeirantes de TV.

    O outro, realizado na casa de shows Led Slay, na zona leste de São Paulo, foi realizado dois dias depois e será objeto de considerações minhas, no próximo capítulo da história da Chave / The Key, que será o de número 6, e que vou publicar a seguir, portanto, fique atenta.

    Sobre a continuidade dessa banda em si, logo depois desse show na casa de shows Led Slay, em 30 de janeiro de 1988, seu pai deixou a banda, que estabilizou-se como um quinteto. Foi uma saída amistosa, sem dúvida, e só motivada pelo fato de que sentimos, e ele concordou com isso, que o som ficaria muito pesado com duas guitarras e teclados, e os três sendo solistas, obrigando as músicas a terem solos duplos ou até triplos para dar vazão aos três.

    E claro, seu pai ficou muitíssimo pouco, mas sua gentileza em nos socorrer num momento de extrema necessidade de nossa parte (basta ler os capítulos anteriores desta história em específico, ou até retroagir aos capítulos finais da história da Chave do Sol, publicados em julho de 2015, para ter a dimensão exata do que passamos), foi enorme, e sobre a qual, sempre fui e serei muito grato.

    Enfim, Thais, não tenho muita coisa para te ajudar, pois a participação de seu pai foi bem pequena nessa banda, pelas circunstâncias daquele momento, mas fiquei imensamente feliz pela sua participação em meu Blog, e sobretudo pela sua bonita busca por materiais para resgatar a carreira dele.

    Parabéns !

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