segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 108 - Por Luiz Domingues


Diante da dificuldade que detectáramos sobre a tarefa de carregar e descarregar o equipamento do ônibus, surgiu a ideia de promover uma transformação na lataria, e assim se abrir um novo caminho mais confortável para o empreendimento de tal tarefa logística. O sócio-motorista indicou-nos um amigo seu, funileiro que detinha experiência com esse tipo de serviço e dessa maneira, fomos até o município de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, onde ele morava, e posteriormente à oficina de seu amigo, localizada em um bairro daquela cidade.

Foi o começo de uma era de peregrinações ao universo das oficinas, lojas de autopeças, eletricista de autos, borracheiros e afins, que confesso, sempre detestei, mesmo para cuidar de meu carro particular, quanto mais de um ônibus.

O sujeito em questão foi mais um daqueles típicos personagens desse universo, cheio das malandragens e maneirismos típicos, e claro que eu e qualquer outro membro da banda, destoava disso completamente, e aos olhos dessa gente, éramos presas fáceis para que exercessem a sua nada nobre arte de ludibriar, a usar de terminologia estranha ao nosso vocabulário e métier. Só não foi fatal tal empreitada promovida por tais agentes, por que nesse quesito, o sócio-motorista tomou a dianteira e falou a mesma linguagem desses tipos, porém sob um curto espaço de tempo, ficaríamos à mercê nesse quesito, conforme eu relatarei no andar da cronologia.

Enfim, o tal funileiro avaliou e projetou uma porta lateral no fundo, que facilitaria a tarefa de carga e descarga de equipamentos. A aproveitar o ensejo dessa intervenção, cotamos a pintura do veículo. A pintura original de fábrica não estava ruim, mas e se pudéssemos melhorar a aparência do carro, por que não aproveitar a oportunidade? Pairou contra, a ideia de uma dívida extra, pois ainda tínhamos prestações a pagar do veículo e vários pequenos reparos a serem feitos. Contudo, o preço que o rapaz pediu para pintar o veículo, ficou abaixo da média de mercado e portanto, tornou-se uma oportunidade.

Antes de comentar sobre essa pintura, eu preciso retroagir um pouco, pois mesmo antes dessa possibilidade aparecer, nós já havíamos pensado na pintura, por que algumas conversações já houveram sido mantidas com um artista plástico, que inclusive nos entregou um esboço incrível que nos fez "viajar" nessa hipótese, literalmente.
Os irmãos Peticov, Antonio acima, em foto dos anos sessenta, e André, abaixo, em foto mais atual

Foi assim que ocorreu: o Júnior era amigo dos artistas plásticos, Antonio e André Peticov, desde o final dos anos sessenta. Para quem conhece a história do Rock Brasileiro, sabe bem que esses irmãos tem uma parcela enorme de contribuição à arte de uma maneira geral e interagiram com bandas de Rock, desde essa época, com muita profundidade. Antonio foi uma espécie de mentor dos Mutantes e André foi um dos primeiros artistas a fazer projeções psicodélicas com bolhas, em shows de Rock em São Paulo.

Então, mais ou menos em abril de 2001, eu fui com o Rolando Castello Junior ao atelier do Antonio Peticov, um enorme galpão situado no bairro do Itaim-Bibi, na zona sul de São Paulo para uma visita. Nessa visita, conhecemos um de seus muitos pupilos e quase todos ali eram entusiastas do Rock 1960 / 1970. Algum tempo depois, nos lembramos desse rapaz, pois ele havia se oferecido para nos ajudar com qualquer tipo de lay-out que precisássemos, de cartazes de shows a capas de discos, enfim.

Então o Junior o chamou à sua casa e conversamos sobre a possibilidade dele desenvolver uma pintura psicodélica ao estilo dos ônibus e vans que circulavam na América do Norte, nos anos sessenta, no auge do movimento Hippie. Claro que o rapaz adorou a ideia e alguns dias depois, voltou à casa do Junior com um esboço no papel e também com um "boneco" em mãos para nos mostrar. Para quem não conhece o jargão de quem lida com lay-out gráfico, "boneco" é uma miniatura bem realista de como um produto vai ficar quando pronto, elaborado para o cliente ver e aprovar ou não a sua confecção. Enfim, o ônibus montado em papel que ele nos trouxe, ficara absolutamente incrível! 

Tratou-se  de uma pintura louquíssima, multicolorida e o que a tornara ainda mais fascinante: 100% fidedigna à psicodelia sessentista, por que o conceito "psicodélico", há muito tempo fora deturpado por gente que lida com grafite, ou que estava ligada às tais "raves" de música eletrônica.

Mas não foi o caso desse rapaz, pois como pupilo de Antonio Peticov, ele era naturalmente cônscio sobre a sua fonte primeva, ao saber exatamente o que procurávamos, e ao ir além, claro que desenhou com paixão, pois também amava aquela estética. Portanto, quando tivemos a chance para pintar o nosso ônibus, claro que queríamos aquela pintura psicodélica incrível, no entanto, fatores alheios à nossa vontade, conspiraram para que mudássemos os nossos planos.


Continua... 

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