domingo, 16 de agosto de 2015

Autobiografia na Música - A Chave/The Key - Capítulo 20 - Por Luiz Domingues


Voltamos ao palco do Teatro Mambembe, onde em abril havíamos feito o que consideramos a estreia oficial dessa nova banda. E claro, já tínhamos uma longa convivência com tal Teatro, eu e Beto, principalmente, com grandes performances feitas por nossa ex-banda, A Chave do Sol, ali naquele palco.

O Teatro Mambembe ainda mantinha fôlego em 1988, apesar da cena underground estar também a apresentar sinais de declínio, tal como a cena mainstream do BR Rock 80's. Não percebíamos isso com muita clareza, mas ao analisar com o distanciamento histórico, em 2015, momento em que escrevo este trecho, claro que isso fica nítido. 

Sem muitos recursos, fizemos a nossa divulgação mais calcada no disparo da mala postal do fã-clube via correio, e assim fomos para o show. Dividiríamos a noite com uma nova banda que estava a debutar no cenário do Rock pesado e underground, chamada "Naja", comandada pelo guitarrista, Micka, que fora membro de outra banda da cena oitentista, chamada: "Santuário". Essa antiga banda dele, era proveniente de Santos, litoral de São Paulo, e que tivera relativo êxito na cena do Heavy-Metal oitentista. Bem, notícia boa, por que o Micka era (é) um sujeito absolutamente amigável, e o convívio seria bom nos bastidores, sem dúvida.  

Fizemos o show praticamente igual ao que havíamos feito em abril, com a inclusão de algumas picas músicas novas, inclusive, mas o resultado não foi o mesmo, com aquela comoção toda gerada anteriormente. A começar pela bem menor presença de público, desta feita, com quase a metade em relação ao público que houvera comparecido em massa na ocasião.

Foi um show mediano, pela minha lembrança, pois a baixa frequência de público nos tirou um pouco de ânimo, é claro, mas também já houve sinais de desgaste interno, por incrível que pareça, para uma banda que tinha apenas seis meses de vida.

A maneira abrupta com a qual fora formada, a sombra da velha, A Chave do Sol, a trilha estética adotada, a falta de recursos financeiros e a cena ao nosso redor a diluir-se, foram fatores para explicar as dificuldades dessa banda, sem dúvida, mas eu vou além. Acho que o primeiro fator que eu citei, sobre o caráter abrupto de sua formação, foi significativo sob um certo sentido quase romântico, mas que reputo ser fundamental na formação de qualquer banda: a empolgação inicial em se agrupar forças em torno de um objetivo, é primordial para se dar o primeiro impulso criativo e neste caso, a banda fora montada de forma emergencial, e para cobrir compromissos de uma banda recém-extinta.

Não houve, portanto, o fator do "sonho" para essa formação inicial, e isso é sempre uma condição importante para que se tenha uma química inicial que seja capaz de aguentar os primeiros tempos que são sempre difíceis para uma banda nova. Mais que isso, pressupõe que as pessoas arregimentadas para a formação de uma banda, tenham mais afinidades em comum, do que diferenças. Que as influências sejam parecidas em pelo menos 70 % no cômputo geral, presumivelmente, que haja um consenso básico sobre qual linha estética seguir doravante, tanto em termos musicais, quanto poéticos em relação às letras e a sua mensagem a ser passada ao público. Enfim, nada disso foi levado em conta para a criação dessa banda e portanto, em poucos meses, os primeiros sinais de desgaste entre os membros, começaram a aparecer.

Nessa circunstância, eu quase não me comunicava com o Eduardo Ardanuy. Achava-o circunspecto, fechado nas suas convicções musicais e com pouca ou talvez nenhuma similaridade com os meus valores. Fábio Ribeiro era um menino educado, cordial e solícito, mas a diferença de idades (e convenhamos, nem foi tanta assim, algo em torno se dez 10 anos), fez com que eu me comunicasse mais com o seu pai, o saudoso: "seu" Ribeiro.

Portanto, foi com o Zé Luiz Rapolli que eu mais conversava, e as nossas conversas giravam muito em torno das nossas predileções do Rock a ter como base as décadas de sessenta e setenta, e graças às essas conversas, eu tive a falsa impressão, dez anos depois (1998), de que ele talvez fosse o baterista ideal para o projeto do Sidharta, mas isso foi um equívoco de minha parte (evidentemente que esse pormenor é totalmente comentado com detalhes nos capítulos que narram a minha história com tal banda).

Sobre a parte musical, eu tentei manter uma tradição que tive e estava muito acostumado a proceder com o outro Zé Luiz, o Dinola, que era a de criar em parceria, arranjos rítmicos elaborados para enriquecer o trabalho da banda. Ele, Rapolli, gostou da ideia e nós chegamos a ensaiar sozinhos, para criarmos divisões rítmicas a serem executadas no arranjo das músicas, mas a mentalidade dessa banda não comportava tal tipo de procedimentos provenientes de uma cozinha mais sofisticada da parte do baixo e bateria, pois logo o Edu reclamou de nossas "quebradeiras rítmicas" ao alegar que isso atrapalhava os seus solos.

Não foi da parte dele um arroubo de arrogância, mas de fato, uma questão de mentalidade, pois o Jazz-Rock setentista não lhe interessava, e no seu espectro de influências, o Hard-Rock Pop oitentista e sobretudo o acento virtuosístico que que ele adorava, tinha como padrão, a extrema simplicidade de baixo e bateria, como ponto pacífico no arranjo, a fazer dos solos de guitarra, o grande destaque a ser realçado nesse tipo de escola musical.
O som do guitarrista sueco, Yngwie Malmsteen, foi o exemplo que norteou os trabalhos dessa banda, predominantemente...


A trocar em miúdos, foi um fator extra para desanimar-me ainda mais com essa banda e a sua estética que desagradava-me inteiramente. Contudo, apesar dessas contrariedades, não foram nada graves as desavenças internas sob o ponto de vista humano, que caracterizassem um clima insuportável, a conter brigas ou mau humor generalizado, todavia, foi o suficiente para gerar pequenas insatisfações, que só tendiam a crescer e foi o que aconteceu.

De minha parte, aquele som não era o meu, definitivamente. A aposta no Hard-Rock Pop, que fosse híbrido o suficiente para flertar com o mainstream, houvera sido um sacrifício calculado nos momentos finais d'A Chave do Sol, mas no caso dessa nova banda, a guinada para o som pensado para atender o virtuosismo "malmsteeniano" jamais teria sido uma opção que eu gostaria de experimentar.

Essa linha fora uma escolha do Edu, que além de adorá-la, acreditava piamente que seria um caminho que teria vazão comercial internacional, fator que o Beto também estava convencido como uma hipótese plausível naquela altura, e daí a opção para adotar o inglês como a língua oficial da expressão dessa banda.

Fábio Ribeiro detinha uma boa escola dentro do Rock Progressivo setentista, tecladista versátil e virtuose que já o era, portanto fã de tecladistas dessa vertente da década de setenta. Todavia, ele também apreciava a nova onda de virtuosismo oitentista e foi compreensível no sentido que tal escola "moderna" no Hard-Rock, deu vazão também a longos e virtuosos solos de teclados. 

Já para no caso do José Luiz Rapolli, ele gostava muito do som das décadas de sessenta e setenta, mas não se importava em tocar aquela tendência moderna oitentista e a absorvia sem problemas.

Para resumir: o único membro dessa banda que apresentava desconforto com a opção musical ali adotada, fui eu, e se houve sinais de insatisfações dos demais, aí sim, foram pelos outros fatores que eu arrolei alguns parágrafos atrás e não pela sua sonoridade em si.

Vida que seguiu, apesar de tudo, fomos para a frente nessa metade de 1988, e novos compromissos foram a surgir. Sobre o show cumprido no Teatro Mambembe, este ocorreu no dia 12 de julho de 1988, com cerca de trezentas pessoas na plateia. 
Continua...

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