domingo, 16 de agosto de 2015

Autobiografia na Música - A Chave/The Key - Capítulo 19 - Por Luiz Domingues


Voltamos do Rio de janeiro frustrados pelo resultado pífio da apresentação, mas resignados pelo consolo efêmero de nós não termos sido responsáveis por tal situação. O nosso próximo compromisso seria duplo na verdade, com dois dias a cumprir no Black Jack Bar, tradicional reduto do circuito de Rock underground na cidade de São Paulo.  
Foto promocional do "Inox", com Paulo "Paulinho Heavy" Toledo a ser o primeiro, em destaque

Tal estabelecimento já havia tido vários donos e nesse momento, estava sob administração de Paulinho "Heavy" Toledo, ex-vocalista da banda Inox. Portanto, privilegiava em sua agenda, bandas da cena do Hard-Rock. Tocamos nos dias 17 e 18 de junho de 1988, sexta e sábado.

Na sexta, atraímos cerca cem pessoas ao bar e no sábado, foram duzentas e cinquenta, portanto, um bom público na média, e principalmente se considerarmos que se tratou de um pequeno espaço. O som ali era caótico pelas limitações físicas do ambiente, e o ideal seria tocar bem baixo, para nivelar com o pequeno e tímido P.A. da casa, a visar não obscurecer as vozes, mas seria quase impossível manter tal dinâmica, na prática. 

Claro, quando a casa apresentava uma boa frequência de público, a tendência seria melhorar a qualidade sonora, com a massa corpórea das pessoas a inibir a incidência de reverberação, mas mesmo assim, tocar com baixo volume fora uma necessidade ali. Os shows foram bons, apesar das condições tímidas da casa.

Alguns dias depois, recebemos um convite da produção da TV Cultura de São Paulo e fomos participar de uma edição do programa: "Boca Livre". Tínhamos participado desse programa, eu e Beto, no ano anterior, 1987, mas ainda como componentes d'A Chave do Sol. Aliás, fora o último programa de TV feito pela velha, A Chave do Sol, com o guitarrista cofundador da banda, Rubens Gióia, mas já sem a presença de José Luiz Dinola, substituído provisoriamente por Ivan Busic. Agora seria uma outra banda e um outro som, naturalmente.

O programa ainda era apresentado pelo radialista, Kid Vinil, mas desta feita ele tivera a companhia de uma apresentadora chamada: Dadá Cyrino, que também era cantora. Figura espalhafatosa, apresentava o programa aos berros, a imprimir um estilo histriônico que assemelhava-se às apresentações de programas infantis e/ou circenses, ao se portar de forma bem exagerada, portanto.

Na verdade, as bandas não eram o foco ali, mas sim uma disputa entre estudantes a representar os seus respectivos colégios, ao estilo de uma "gincana", daí talvez a se justificar a figura estrambótica de Dadá Cyrino, em detrimento do Kid Vinil que era bem mais comedido, por incrível que pareça!

Nessa noite, ali no Teatro Franco Zampari, tivemos a companhia de duas bandas. Os veteranos do "Placa Luminosa", uma banda que sempre foi híbrida por atuar no circuito de bailes, e manter um trabalho autoral em paralelo e a banda Punk, "Kães Vadius". Tocamos duas músicas. Uma foi: "Stole My Heart", uma canção bem Pop, pelo menos no conceito do que foi o Pop para quem professava o Hard-Rock oitentista sob viés norte-americano. Lembrava dessa forma, bastante o som do Van Halen, fase Sammy Hagar, para situar o leitor melhor. 

Já a outra canção, "Narrathan", detinha uma roupagem bem calcada no Hard-Rock britânico, com espaço para longas intervenções de solos. A despeito de eu ser um peixe fora d'água naquela seara do Hard-Rock virtuosístico com apelo "malmsteeniano" que essa banda havia adotado, confesso que algumas cadências harmônicas dessa música que remetiam ao Hard-Rock setentista, me agradavam.  

Havia um longo solo dividido entre os teclados e a guitarra, que era feito sob uma sequência de alternância de meio tons, que muito me lembrava o som do Rainbow, nos anos setenta. Épico, barroco, dramático e com timbres provenientes do sintetizador mini-moog, ou seja, ultra-setentistas que o Fábio executava, a deixá-lo ainda mais desse feitio do Hard-Rock daquela década.

Bem, fizemos um micro entrevista e tocamos as músicas. Flashs da reação das pessoas na plateia demonstravam um desinteresse absoluto pelo som cheio de firulas de nossa banda, mas o que deve haver incomodado mesmo foi o fato das canções serem cantadas em inglês.  

Se isso fazia sentido para o universo do Rock underground de final de década, graças ao sucesso internacional retumbante do "Sepultura" e muitas bandas brasileiras daquela cena haviam adotado tal expediente linguístico, para o grande público alheio à essa movimentação estratégica dos bastidores da música, não fazia sentido algum.

Eis o vídeo dessa apresentação no Boca Livre em 4 de julho de 1988, resgatado por Will Dissidente em 2015.

O Link para assistir no You Tube:
https://www.youtube.com/watch?v=eLeK3fjyf6g


Bem, ao ver o vídeo, acho que foi uma apresentação boa, com a banda bem ensaiada e a apresentar uma performance muito convincente, mas aquela sonoridade realmente não haveria de empolgar as pessoas não antenadas nas tendências mais atuais do Rock oitentista em voga, portanto, foi muito questionável o rumo que estávamos a tomar.

Se estivéssemos com grande contatos internacionais a nos abrir as portas, certamente faria todo o sentido, pois a banda soava bem, tinha grande poder de performance e contava com dois solistas virtuoses na sua formação regular, mas não foi o caso e o que tivemos ali, foi a dura realidade brasileira, ainda favorável ao Pop diluído do fim da fase dominada pelo Pós-Punk e o som peso pesado, circunscrito aos seus devidos nichos do espectro underground.

O "Sepultura" transitava por certos meios do mundo mainstream, mas de uma forma absolutamente incompreensível sob o ponto de vista de sua sonoridade e estética. Mas isso jamais significou em tese, que o público não adepto de sonoridades do Metal extremo realmente houvera absorvido tal estética. Mais pareceu uma assimilação pelo modismo, na base da formação de opinião, pois definitivamente, nada havia de Pop no trabalho deles.

Enfim, tal aparição nossa na TV, com essa estética e sonoridade, aliada ao fato de cantarmos em inglês, foi na verdade, a constatação de que estávamos a desferir vários tiros errados, mas claro, não tivemos esse discernimento à época. E sem tal visão clara dos fatos, continuamos a insistir nessa estratégia, ao pensar em gravar uma demo-tape, gravar um LP etc.

Como curiosidades dessa aparição na TV Cultura, acrescento que eu tive uma surpresa com a tal apresentadora, Dadá Cyrino, cerca de uma ano depois, 1989, quando fui convidado pelo ex-guitarrista do Terra no Asfalto, Aru Junior, para conhecer um projeto de banda autoral que ele tinha em mente. Não fora a minha intenção abandonar essa dissidência chamada, A Chave/The Key, principalmente para não deixar o Beto desamparado, ele que lutara tanto para criar a banda e mantê-la de pé, desde o início de 1988, mas eu fui falar com o Aru, um amigo e músico que admirava e fora meu colega de banda entre 1980 e 1982.  

Quando entro na residência dele, eis que descubro que a sua nova esposa era... Dadá Cyrino! Mundo pequeno mesmo...

E além do som que ele queria fazer, haveria a possibilidade de tocar com ele na banda de apoio de sua esposa que se movimentava para gerar uma carreira latino-americana, ao fazer uma música Pop cantada em castellaño, com vários signos de latinidade, principalmente com sabor caribenho em sua música. Bem, não deu para aceitar tais propostas, mas foi curioso ir visitar um velho amigo e deparar-me com Dadá Cyrino, como dona da casa...

Ainda a falar sobre o vídeo, há flashs que mostram em close a irmã do Zé Luiz Rapolli, Sueli Rapolli, e a então namorada do Eduardo Ardanuy, cujo nome me esqueci completamente.  

E também a curiosa presença da atriz, Cristiane Tricerri, que na época fazia parte do premiado grupo de teatro Ornitorrinco, do diretor, Cacá Rosset, e o seu semblante não foi de quem estava empolgada com o som que tocamos.

E assim ocorreu no dia 4 de julho de 1988, no Teatro Franco Zampari, acoplado à estação Tiradentes do Metrô, no bairro do Bom Retiro, centro da cidade, e com cerca de quinhentas pessoas na plateia. O próximo compromisso, seria uma volta ao Teatro Mambembe, ainda em julho.
Continua...

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