sábado, 22 de agosto de 2015

Madrugada em Pousadas, Sozinho na Estação - Por Marcelino Rodriguez

Belinha, não sei se alguma vez comentei contigo
como nascem algumas crônicas, ao menos, então aproveito esse dia
chuvoso de sábado pra te dizer que não poucas vezes as crônicas nascem
das lembranças sejam suaves,ou como essa que te contarei, obsessiva.
 
A coisa foi na estação de Pousadas, na Argentina. Havia chegado
por lá mais ou menos quatro horas da manhã,
numa solidão quase inacreditável.  
Havia deixado o Brasil e naquele momento, sequer tinha noção se um
dia voltaria. Era uma madrugada fria, aquela. Era eu, a estação
e a mala que me dera o argentino que fizera a viagem
inversa. 
Foi Isabel Allende quem disse, com palavras de ouro,
que o continente americano povos inteiros viajam
em suas terras, tentando sobreviver no continente onde
o progresso chega com séculos de atraso.
Posso dizer Belinha, nunca houve uma solidão como aquela. 

Sem saudades da partida, sem futuro certo, me encontrava
perdido na estação como uma metáfora do exílio.
Ali estava eu, mais um perdido no continente. 
De repente, numa ironia estranha, a rádio da estação começou
tocar Roberto Carlos, amada amante em espanhol.
Naquele momento acho que pensei um puta-que-pariu em voz alta.
Eu queria esquecer que havia o Brasil no mapa do mundo e ali
estava a canção me trazendo sentimentos estranhos. 
Nunca houve uma solidão como aquela. Sem saudades da partida,
de futuro incerto, eu era um ponto na neblina, uma metáfora
do exílio.
Então, Belinha, tenho pensado muito nesse dia, onde só
havia eu e Deus, se Deus havia naquela estação. 

Tenho, não sei porque, me lembrado muito desse dia estranho, com amada amante
cantada em espanhol, num dado do acaso. Mas quer saber, Belinha,
bom mesmo seria se eu pudesse te por um colar de pérolas
no pescoço.
 
Marcelino Rodriguez é colunista ocasional do Blog Luiz Domingues 2. 

Escritor de vasta e consagrada obra, aqui nos mostra uma crônica sua escrita em 2008, e que 
trata do tema da solidão...

2 comentários:

  1. Muito charmoso, frio, viagem, as palavras de Isabel Allende, a sensação de não pertencer a lugar algum e até mesmo a solidão do momento. Sensacional e tenho certeza que Belinha adoraria ter um colar de pérolas em seu colo nu.

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    1. Quantas imagens poéticas reunidas numa crônica curta,não é mesmo ? Grande mérito do escritor Marcelino Rodriguez que muito abrilhanta o meu Blog com sua coluna.

      Grato por ler e comentar, amiga Jani !

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