sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 117 - Por Luiz Domingues

A gravarmos ainda o novo álbum, mas muito atentos às escassas oportunidades que a cena de início de 2008 oferecia-nos, achamos ingenuamente que por termos tocado em um festival que mantinha relação com outros tantos festivais de música independente, isso seria capaz de abrir-nos as portas. 

Ledo engano naturalmente, mas naquele preciso instante ainda não tínhamos a visão correta do que seria realmente esse nicho e os seus meandros intimamente ligados a outros fatores de manipulação e conluio com setores midiáticos e tal visão mais real nós só perceberíamos um pouco mais tarde, ao sentirmos na pele o que representara ser um incauto a tentar adentrar em tal engrenagem nada recomendável para gente bem intencionada, eu diria.

Enfim, fora dessa expectativa por oportunidades no mundo dos festivais de artistas independentes, recebemos o telefonema do produtor Marco Carvalhanas em meados de fevereiro de 2008 e ele ventilou-nos uma novidade. 

Tratou-se de um teatro localizado no bairro do Bexiga (na Rua Rui Barbosa, perto do extinto e histórico Teatro Aquarius e que naquela época ainda funcionava como Teatro Zaccaro), na zona centro-sul de São Paulo, bairro esse com larga tradição de abrigar teatros e muitos dos quais com os seus respectivos espaços também generosamente abertos para artistas da música e não apenas para as peças teatrais.

Nesse caso, se tratou de um teatro novo, ainda não estruturado para competir com os teatros super tradicionais do bairro mas a desejar ganhar terreno, portanto a abrir as suas portas para começar a fazer o público e entrar na briga pela concorrência. 

Com o exótico nome de "Teatro X" ("Xis", a letra do alfabeto e não o número dez, algarismo romano), este espaço oferecia as suas dependências sem cobrar aluguel, mas apenas a cobrar uma porcentagem da bilheteria que conseguíssemos angariar na noite em que tocássemos.

Bem, não custava verificar in loco e a ideia de arriscar não foi de todo má se não tivéssemos grandes gastos no nosso operacional, a não ser bancar o cachê de nossos funcionários básicos, dois roadies e quiçá contar com a boa vontade do Renato Carneiro para operar o som, caso fosse possível, ao se considerar que a sua agenda se mostrava como uma loucura por ele ser técnico de PA de duplas sertanejas de sucesso mainstream.

No camarim do Teatro X, já na noite do show. Ivan Scartezini & Luiz Domingues. Foto: Grace Lagôa 

Fomos ver o local e ele se mostrara bem rústico, porém bastante interessante, com um certo jeito estilístico do saudoso Teatro Lira Paulistana, todavia, com dimensões ainda maiores para o palco. Reforçara-se essa impressão pelo fato do público ficar acomodado sob uma estrutura de arquibancada, com capacidade para cento e vinte pessoas segundo contaram-nos, mas pelas laterais e na frente do palco se fosse o caso, seria possível abrigar mais pessoas sentadas no chão, caso o contingente fosse maior. 

Nesses termos, creio que acomodaria cerca de duzentas pessoas em caso de superlotação, mas sem ficar insuportável ou perigoso em caso de saída de emergência.

Outra foto do camarim, com Xando Zupo & Luiz Domingues recebendo a visita do amigo, Nelson Brito. Foto: Grace Lagôa

Mas não gostamos de ver que o PA e a iluminação existentes no local eram bem fracos. E a infraestrutura técnica também deixava a desejar, com poucos pontos de "ac/dc" (eletricidade), a denotar não estar preparado para ali se realizarem shows de música, ainda mais uma banda de Rock e com as suas necessidades de múltiplos pontos de energia para alimentar diversos amplificadores, um PA e pedaleiras para guitarristas e tecladistas. 

Sendo assim, quase desistimos ao analisarmos a dificuldade inerente e de fato, alugar um PA e nos preocuparmos em provermos pontos de eletricidade esteve fora de cogitação.

No entanto, o Xando teve um gesto de extrema boa vontade e disse-nos que se aceitássemos ajudá-lo em ritmo de mutirão, ele estaria disposto a fazer um sacrifício, ao desmontar todo o PA do seu estúdio, o que daria um trabalho insano entre desmontar, transportar e remontar para ele poder tê-lo em ordem para atender seus clientes no cotidiano, a usá-lo como sala de ensaio, posteriormente. 

Bem, todos aceitamos a cooperação mútua obviamente e além dos roadies, nenhum de nós deixaria de ajudar nessa tarefa braçal e pesada. Mesmo assim, houve mais dois problemas para resolvermos: a questão da falta de estrutura básica de energia e a iluminação muito fraca ali disponível.

Sobre a energia, o Xando fez uma inspeção mais minuciosa e descobriu outros pontos de energia, ainda que mais distantes do palco, portanto, mediante várias extensões longas, deu para improvisar-se uma estrutura que provesse-nos e sobretudo não sobrecarregasse o parco sistema do teatro, que logicamente não estava preparado nem pela sua ligação externa, com um tipo de voltagem adequada para suportar uma carga violenta de consumo, que um show de Rock demandava.

Sobre a iluminação. ele ligou para o Wagner Molina, que de pronto prontificou-se a operar o sistema de luz de forma gratuita para nós e ele em pessoa também foi lá verificar o que havia disponível e como um iluminador de alto nível que era, não gostou nada da simplicidade "franciscana" ali presente. 

Mesmo assim, Molina prontificou-se a trabalhar e dar o seu melhor, mesmo com parcos recursos e para nós foi um conforto saber que teríamos a sua presença, ao amenizar a precariedade do equipamento muito fraco do teatro. 

Fizemos então a divulgação possível e nesses tempos, 2008, já baseado em 80% de esforço através das redes sociais da Internet e a  dispensar-se os meios tradicionais de outrora, que já demonstravam não surtir o mesmo efeito. 

No dia do show o trabalho foi cansativo, mas com todos imbuídos da máxima boa vontade, nós ajudamos o Xando a transportar o seu equipamento de PA, além de todo o nosso backline.

Conseguimos montar e fazer tudo funcionar a contento, sem sobrecarregar os poucos pontos de energia disponíveis. Por incrível que pareça, mesmo sem um técnico a auxiliar-nos, fizemos um "autosoundcheck" super convincente ao ponto de deixarmos um som muito confortável no palco e com uma potência sonora surpreendente, até.
Sobre a iluminação, quando vimos o Wagner Molina a estacionar o seu carro, surpreendemo-nos, pois o carro estava abarrotado de equipamentos de iluminação que ele trouxera por conta, para somarem-se ao equipamento do teatro.
 
Chegamos a ficarmos preocupados no entanto, pois ele ainda convalescia de uma grave enfermidade cardíaca e com o carro cheio daquele jeito, denotara que havia feito um esforço desmedido para a sua condição de resguardo cirúrgico. De fato, ele estava a suar muito e mesmo com nossa ajuda ali na hora, deve ter esforçado-se muito sozinho em sua casa.

Mas a despeito desse sacrifício pessoal e muito perigoso que ele fez, louvo o seu esforço, pois ele montou aquele equipamento e fez uma luz tão incrível que ninguém, do público ao dono do teatro e incluirmos nós mesmos, acreditou. 

Já na passagem de som e com ele, Molina a estabelecer os seus testes de iluminação, funcionários do teatro foram chamar o proprietário e o rapaz ficou estupefato, pois esperava uma apresentação rudimentar, porém, do jeito que o palco fora montado, com aquele áudio e iluminação, ele nos disse que nunca havia visto uma produção assim no seu teatro e de fato, ficamos contentes pelo resultado, mas sobretudo por percebermos que ali poderia tornar-se um ponto para a música autoral, notadamente o Rock, desde que investissem em equipamento e melhorias técnicas, principalmente sobre a questão de energia, pois outras bandas poderiam não terem condições de improvisar tal estrutura que nós conseguimos produzir por nossa conta.

 

O ator Daniel Alvim (que protagonizou a dramaturgia do nosso clip de "Sou Mais Feliz"), chegou de surpresa ao nosso camarim. 

Ficamos contentes com a sua vinda inesperada e ele estava bem alegre, digamos assim. Bastante expansivo naquela noite, ele quis apresentar o show e apesar de ter feito uma performance histriônica, também foi engraçada e serviu para quebrar qualquer gelo que pudesse existir com o público naquela noite. 

O nosso público foi razoável, com cerca de sessenta pessoas presentes. Mas eu tenho certeza de que saiu totalmente feliz pela nossa performance e nesse dia, por termos tido esse trabalho para providenciar som e iluminação completos, resolvemos fazer uma loucura e tocamos simplesmente todas as músicas do nosso disco de estreia e todas as novas do novo disco que ainda não havia sido lançado.

Versão de "Longe do Chão" no Teatro X, em março de 2008:

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=gICnARvyw6s


Ficou longo, certamente e mediante uma carga com músicas inéditas para muitos ali presentes que foi tocada, o que não é nada aconselhável para qualquer artista, mas diante da canseira que foi montar tudo e sobretudo pelo fato do Pedra ser uma banda com muitas dificuldades de montar uma agenda constante, não furtamo-nos à essa loucura de nossa parte.

A versão de "Madalena do Rock'n Roll", no Teatro X, em março de 2008 :

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=BW0Y7u5U2Us


Somente uma pessoa que assistiu e pareceu não ter gostado do expediente, pois eis que abordou-me no camarim para em tom professoral dar-me um conselho. Pois então ele me disse para nós não fazermos mais shows tão longos assim, que tal predisposição tirava o impacto e pelo contrário, cansava o público. 

Foi um sábio conselho, do qual eu também concordei, mas creio já ter exposto a nossa motivação em específico para esse dia. Tal pessoa se tratou na verdade um artista que fora mega famoso no cenário do Rock brasileiro setentista e creio que a sua fama naquela década chegou a extrapolar as fronteiras do Rock, pois ele atingiu o mainstream. 

Gentil e educado ao extremo, ele deu o seu recado que reputo ter sido sábio, mas para fazer a ressalva de que ele não sabia das circunstâncias hercúleas com as quais aquela produção fora forjada, todavia, valeu pela dica.

Mesmo muito felizes pela atuação do Wagner Molina, que tornou esse show em um aparato visual que ninguém esperava, ficamos preocupados com ele. Ao término do show, ele mostrava-se ofegante, a suar em demasia e no seu estado, todo cuidado foi pouco.

Bem, desmontamos tudo, levamos todo o equipamento para o estúdio do Xando e o esforço todo deixou-nos com a sensação boa de que valeu a pena, artisticamente a falar, pois no tocante ao lado financeiro, ao descontarem-se as despesas, o saldo foi irrisório. 

Tempos difíceis para uma banda de Rock autoral e outsider ao extremo como era a nossa, deslocada de todas as "turmas" em voga...

Noite de 1º de marco de 2008, no Teatro X (Xis), com sessenta pessoas na arquibancada a assistir-nos. 

Daí em diante, prosseguiram os esforços para finalizar o segundo álbum e um próximo show ocorreria apenas em maio.

Continua...

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