quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 125 - Por Luiz Domingues

A tentativa de inserirmo-nos no mundo dos festivais de música independente foi uma estratégia que estávamos a adotar em 2008, em paralelo aos esforços para finalizar e divulgar o novo álbum. 

Já havíamos logrado um pequeno êxito inicial ao termos sido escalados para participarmos do Festival 'Grito Rock", ainda que tal festival fosse muito pulverizado e o local onde fomos apresentarmo-nos, extremamente modesto e portanto, incapaz de promover uma grande repercussão. 

O lado bom em específico nesse caso, foi que conhecemos pessoas bem intencionadas que gerenciavam o pequeno espaço que participou da organização geral do tal festival e em tal pequeno centro cultural, as portas foram abertas ao Pedra, para uma apresentação extra, portanto, apesar de ter sido uma oportunidade de pequena monta para os nossos esforços de expansão, foi válido, é claro.

Todavia, o Rodrigo, que havia tomado a dianteira em buscar espaço para o Pedra nesses festivais independentes, continuou firme em seus esforços pela internet e com alegria, nós recebemos a notícia de que havíamos sido escalados para um tradicional festival realizado no interior de São Paulo, na cidade de Araraquara-SP. 

Tratava-se do "Araraquara Rock", que realizaria a sua sétima edição. Promovido em uma arena ao ar livre, ao estilo de uma concha acústica, mostrava-se em tese muito maior que o festival Grito Rock, pelo menos ao se comparar ao modesto espaço onde participáramos em São Caetano do Sul-SP.

Animamo-nos, é lógico, pois seria bom mostrar o nosso som em uma cidade interiorana pujante como Araraquara e através de um festival que já detinha uma tradição nesse mundo da música independente.

Mas houve o lado ruim e coloque ruim nisso, pois ao seguir o padrão de 99.9% dos festivais independentes, as condições logísticas para os artistas foram de extrema aspereza. 

Sem cachê para início de conversa, a regra desses festivais foi a de que estavam "a oferecer a oportunidade do artista apresentar-se em um palco e com equipamentos bons", portanto, na ótica equivocada dessa organização, isso por si só já seria uma chance de ouro para qualquer artista do underground que sonhava com a sua ascensão na carreira.

Essa mentalidade atroz, por si só já se mostrara absurda, pois se partirmos do pressuposto que os organizadores desses festivais ligados à essa organização, captavam recursos extraordinários, tirante as despesas operacionais e logísticas e uma justa parte dessa renda para ser dividida entre seus gestores, por que os seus gestores achavam que o cachê dos artistas não deveria ser pago e pelo contrário, embolsados sabe-se lá por quem? 

Fora tais recursos extras, havia cobrança de ingressos para o público. Mesmo ao ter a contrapartida de se cobrar barato do público em geral, como condição sine qua non imposta pelo recurso arrecadado como incentivo à cultura, a verdade é que tratara-se de uma renda extra. 

Fora os pequenos patrocinadores por fora, a comercialização de comida e bebida no espaço e o merchandising com a dita "lojinha do festival" a todo vapor a vender bugigangas referentes ao evento em si ou relacionadas aos artistas que apresentar-se-iam.

Mas o que esteve ruim poderia piorar, pois não obstante o fato de não pagarem cachês aos artistas e todo aquele circo armado só justificava-se pela presença dos artistas, eles também não pagavam as despesas de traslado, hospedagem e alimentação, ou seja, o básico do básico do básico da relação contratado/ contratante. 

A se resumir, esse mundo de festivais independentes que realizavam-se, institucionalizou uma mentalidade despótica, semelhante ao padrão usado por donos de casas noturnas de pequeno porte, que recusam-se a pagarem cachês para bandas e nem mesmo prontificam-se a dar-lhes o mínimo de estrutura, sob a alegação torpe de que "fazem muito" em deixar que tais artistas toquem em sua casas, como se isso fosse um favor. Em suma, além de não ganhar cachê, pequeno que fosse, não teríamos nenhum verba de ajuda de custo.

Uma praxe desse tipo de festival, foi um "pegar ou largar", com a aquela mentira deslavada a ser usada como pano de fundo, ou seja, "show de investimento de carreira". 

Uma situação foi participar do "Grito Rock" em São Caetano do Sul-SP, uma cidade "colada" em São Paulo, onde a nossa despesa operacional foi mínima com a gasolina e o cachê de dois roadies que bancamos do nosso bolso. Outra, bem diferente foi irmos até Araraquara, cerca de trezentos Km de São Paulo, e arcarmos com a despesa de viagem e eventualmente hotel, refeições, fora o nosso operacional com roadies e talvez técnicos de som e iluminação.

Tirar uma banda de Rock de casa, custa dinheiro. É como entrar em um táxi e o motorista acionar o taxímetro com uma tarifa mínima, mesmo antes de engatar a primeira marcha do carro.

Naquela dúvida entre pegar ou largar e de nada adiantava argumentar com o pessoal do festival pois essas foram as suas "normas" irredutíveis, nós ponderamos que seria bom participarmos para divulgar o novo disco no interior e quem sabe ganhar prestígio, com mídia agregada etc.

Confirmamos a nossa participação e ficamos contentes em saber que duas bandas amigas estariam conosco nesse festival, além de outras tantas desconhecidas. 

Uma delas foi o Baranga e a outra se tratou na verdade de um combo montado de última hora para acompanhar o baixista Marcelo "Pepe" Bueno que estava a investir em uma aventura solo, a divulgar o seu recém lançado disco solo na praça, em paralelo à sua banda, o Tomada. 

E nessa banda ele contou com grandes amigos nossos, como Denny Caldeira e Marcião Gonçalves nas guitarras e o espetacular Roby Pontes na bateria. Foi uma banda improvisada e com poucos ensaios para acompanhá-lo nesse tarefa, mas de antemão eu sabia que daria tudo certo, tamanha a qualidade dos músicos que ele escolheu para formar tal banda de apoio.

Com muito esforço, paciência e "lábia", o Rodrigo conseguiu dobrar a resistência ferrenha dos organizadores e estes aceitaram pagar parte da despesa da van que contratamos, menos mal.

Viajamos portanto no dia do show e tivemos uma logística diferente, pois o Xando e Ivan estiveram em São Carlos-SP na noite anterior onde cumpriram um compromisso particular e sendo assim, sendo absolutamente na mesma na rota e a contar com apenas trinta Km de distãncia de Araraquara, nós combinamos de apanhá-los nessa simpática cidade. 

De São Paulo, lembro-me que partimos com a sempre ótima companhia de Roby Pontes e Marcião Gonçalves, que iriam tocar com Marcelo Bueno. Foi uma viagem tranquila, e o motorista foi muito gentil e por grande parte do percurso eu fui a conversar com ele e apreciei muito a sua condução segura, sem nenhuma loucura, pelo contrário, a se mostrar muito prudente e responsável. 

Quando entramos em São Carlos, foi extremamente fácil encontrarmo-nos com Xando e Ivan, que aguardavam-nos em uma mesa de barzinho, em frente ao hotel em que muitas vezes eu e Rodrigo havíamos hospedado-nos naquela cidade, ao viajarmos com a Patrulha do Espaço. 

Foi quando um hippie velho abordou-nos na mesa, a nos oferecer os seus trabalhos de artesanato e por ver-nos cabeludos e com a van abarrotada de instrumentos, deduziu que éramos membros de uma banda. Até aí nada de mais, esse tipo de contato efêmero é costumeiro pelas ruas, quando um bando de cabeludos chama a atenção naturalmente. 

Acontece que o rapaz disse-nos que era músico também e que havia tocado com Sérgio Sampaio nos anos setenta. Não foi o Renato Piau, guitarrista que gravou o disco do Sampaio de 1972 ("Eu quero Botar meu Bloco na Rua"), é bom esclarecer. Não recordo-me do seu nome, mas lembro-me que ele usava o sobrenome: "Bahia". 

Inacreditável, não foi mentira da sua parte e quando falamos-lhe que havíamos gravado a canção: "Filme de Terror" do mestre Sampaio, ele emocionou-se. 

Claro que ganhou um disco de presente e a sua vez de emocionar-nos deu-se quando o Xando apanhou uma guitarra na van e emprestou-lhe para tocar e ele, mesmo com guitarra desligada, tocou músicas do disco do Sampaio. 

Que momento bonito e ao mesmo tempo triste, pois ele não aparentava estar bem, sócio-financeiramente a se falar, a sobreviver com a venda de artesanato e por isso perambulava pelo interior de São Paulo, de cidade em cidade, a juntar dinheiro para realizar o seu sonho de voltar à sua cidade natal no nordeste, deduzo que no estado da Bahia. 

Então, mesmo ao termos esse momento inusitado ali em São Carlos-SP, os ponteiros do relógio teimavam em não parar, e assim, apesar de estarmos perto, tivemos que voltarmos à estrada e a completar o percurso até Araraquara-SP.

Continua...

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