sábado, 19 de dezembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 307 - Por Luiz Domingues

Tocar em uma banda com esse porte, história, bagagem artística e legado, já teria sido demais para qualquer Rocker que se preze.

Como se não bastassem todos esses atributos, existe a nobreza de uma árvore genealógica que lhe confere o parentesco direto com os Mutantes, um verniz e tanto.

Mas a minha formação foi além, pois não foi apenas um bom combo de instrumentistas e cantores aptos para fazer de cada noite, uma noitada excelente, porém teve como princípio "chronophágico", resgatar o elo perdido da própria banda. 

Moderna na base do "ponto com", mas docemente retrô para trazer de volta o "compacto", teve a coragem de fazer o seu manifesto "religare" "com pacto".

A nossa banda quando voltou com essa formação de 1999, não voltou apenas para tocar corretamente, mas subiu ao palco com uma série de princípios, os mais nobres, diga-se de passagem. E desse particular eu muito me orgulho. 

O legado desse trabalho está expresso nos discos e pode ser sentido no material de portfólio, fotos, e vídeos das mais diversas fontes.

Nessa "retomada", abrimos o caminho para o "véu do amanhã" que haveria de ser melhor e assim obter o eco aquariano com o qual tanto sonhamos. Foi mais que uma determinação, foi na verdade, muito maior que a própria música. Um dia essa colheita vai florescer e nossa semente jogada lá atrás vai se justificar e dignificar-se muito além da obra artística. Anotem isso que vos digo.  

A falar sobre os tripulantes dessa jornada espacial e Rocker:

1) Marcello Schevano

O seu talento absurdo como músico multi-instrumentista, cantor e compositor já era visível lá atrás, quando eu notei a sua incrível capacidade musical nos idos de 1994 & 1995.

O tempo só confirmou isso e o seu brilho expresso através da Patrulha do Espaço e nos trabalhos que fez depois (Carro Bomba, Casa das Máquinas, Som Nosso de Cada Dia, Golpe de Estado), comprovam-no, sem chance de haver qualquer contra- argumentação. 

Após a dissolução da nossa formação, eu interagi com ele bastante no ano de 2006, quando as nossas respectivas bandas, "Pedra" e "Carro Bomba", fizeram uma série de shows em dobradinha por algumas casas noturnas de São Paulo. Depois disso, nos reencontramos em um show da Patrulha do Espaço em 2014, no Centro Cultural São Paulo, quando tocamos juntos na condição de convidados especiais da nossa ex-banda.

Tenho muito orgulho por vê-lo a brilhar intensamente com o seu talento fora do comum, e torço para que tenha muito sucesso em seus trabalhos atuais, para lançar um dia o disco solo que ele começou a gravar e engavetou e cujo som bruto eu conheço e acho muito bom. 

Capaz de sentar-se ao piano e compor "Nave Ave", empunhar uma guitarra e fazer "O Ritual", ser doce ao violão e tocar "Epílogo", também envereda pelo misticismo ao propor que respiremos "Prâna", ao buscar a reflexão antropológica/psicanalista em "Sendo o Tudo e o Nada", desvendar o "Véu do Amanhã", propor alquimia em "Terra de Minerais" e homenagear a cidade em que nasceu como uma das mais belas odes à São Paulo que eu conheço, chamada: "São Paulo City". 

Em suma, Marcello Schevano é um compositor de múltiplas facetas, portanto, um talento raro no cenário artístico brasileiro.

2) Rodrigo Hid

Tudo o que eu disse sobre o Marcello acima, vale ipsis litteris para o Rodrigo. As diferenças no texto são mínimas, por exemplo, o conheci um pouco antes, 1992.

Sou muito amigo de seus pais e sei bem de onde vem o seu talento. Por DNA, a herança criativa de Tufi Hid, seu pai, lhe passou no sangue.

Rodrigo é tudo o que o Marcello é ,também como músico. Toca divinamente vários instrumentos, é um tremendo cantor, compõe com uma qualidade de artista de primeira grandeza, escreve ótimas letras e é um dos maiores imitadores que conheci, assim como Tufi, seu pai. Seu talento como humorista nato, sempre nos divertiu muito nos bastidores, e claro que sinto saudade dessas pilhérias.

Ao contrário do Marcello, no entanto, nós tivemos uma sequência de trabalho além da Patrulha do Espaço, ao ficarmos juntos no "Pedra" por dez anos, aproximadamente.

Sou-lhe grato pelo companheirismo, ótimo astral e pelos momentos mágicos nas performances de palco, proporcionados pelas músicas que ele compôs sozinho ou em parceria comigo e os demais companheiros.  "O Pote de Pokst" arrancava suspiros da plateia, lembra-se?   Eu sei de onde vinha aquela energia... era pura alquimia, vinda de algum recanto europeu, onde o chapéu é sempre tirado para Roy Harper.

Me orgulho muito de ter tido Rodrigo Hid como companheiro dessa jornada espacial e especial.

Sob uma analogia, se fôssemos a tripulação da nave "Enterprise", Rodrigo seria o Sr. Spock, e é dali que veio "Sendas Astrais", "Anjo do Sol" e Alma Mutante, certamente... mas como "Nem Tudo é Razão", até um vulcano como Rodrigo Hid sabe que não dá para ser um "Homem Carbono", e aí, o jeito é pular de um "Trampolim"...

3) Rolando Castello Junior

O nosso desafio antes do começo da banda, foi animar o Rolando Castello Junior, que vinha de um momento de desilusão com a cena artística, chateado como rumos do Rock, cada vez mais tenebrosos no Brasil etc. Ele é mais velho do que eu, sete anos. Quando a formação acabou, eu tinha quase a idade que ele tinha quando nós o abordamos em 1999, portanto, também passei por essa fase de desânimo e baixa energia e o entendo perfeitamente. 

Entendo-o por aquele momento, portanto, e só quem ostenta uma longa carreira e vê passar tantos modismos trôpegos, sabe o quanto é duro ser um artista idealista e tenaz, disposto a levar a tocha acesa adiante, a despeito de todas as adversidades, e sendo assim, isso pode ser computado como mais uma qualidade sua, e de fato, nessa minha trajetória eu conto nos dedos de uma só mão, os artistas que eu conheci com tal capacidade de resiliência e determinação. 

Como músico, acho que a atuação do Junior dispensa maiores comentários. Considero o Junior um baterista com um nível técnico igual ou até superior que muitos dos grandes bateristas da história do Rock internacional, e que nos influenciam tanto. 

A sua técnica e pegada são absolutamente matadoras. Sem nenhuma intenção de parecer piegas (falo isso como testemunha ocular e auditiva), a sua performance ao vivo é idêntica ao dos grandes bateristas da história e emociona. Por isso ao longo deste relato sobre a Patrulha do Espaço, tantas vezes eu mencionei o fato de que Rockers mais antenados urravam, literalmente, ao verem suas viradas inacreditáveis, a desenhar frases impossíveis nos tambores da sua bateria. 

Mais que isso, o Junior é um dos maiores Rockers com os quais eu conheci e trabalhei. E nesse sentido, afirmo sem medo de errar, foi um dos poucos que eu sabia que entendia o que era (é) o Rock, com profundidade.

Junior é culto. Domina vários assuntos e escreve muito bem, haja vista a qualidade poética dos encartes dos discos da Patrulha do Espaço por ele escritos, principalmente o texto biográfico dos encartes que acompanham a série de coletâneas chamada: "Dossiê".

E por ser culto, eu afirmo com todas as letras que é um Rocker como foram os Rockers de outrora. Quando a invasão de trogloditas ogros de bermudas os arvorou de serem os "novos Rockers da modernidade", tudo foi para o ralo. Chronophagia é isso, para quem ainda não entendeu o conceito, ou seja, buscar a energia indevidamente rompida com o passado para construir um presente que nos garanta um futuro melhor. Rock é luxo, Rock é Art-Rock, Rock é sofisticação artística, Rock é desbunde contracultural e o Junior faz parte dessa linhagem de Rockers da Velha Guarda que sabem de tudo isso, e melhor ainda, vivem isso, intensa e diariamente.

Dessa maneira, me orgulho de ter tido esse convívio com ele, e das conversas que tivemos para tratarmos de assuntos diversos tais como o cinema retrô que apreciamos, II Guerra Mundial e o Rock, naturalmente.

Saudade da nossa química musical que deu um resultado extraordinário. A capacidade quase telepática que tínhamos de improvisarmos variações rítmicas criadas no improviso total, e ao vivo, entraram para a história da banda, e me orgulho disso. Formamos uma cozinha poderosa, sendo um atrativo à parte e à altura do brilhantismo de nossos jovens virtuoses, Hid & Schevano. Sou grato aos Deuses do Rock por essa oportunidade que tive.

Junior segue a liderar a Patrulha do Espaço, e assim será por muitos anos, torço por isso.

Fim desta etapa, das mais emocionantes da minha autobiografia na música.

O capítulo encerra-se, mas estará sempre pronto para adicionar novidades, com material, discos e vídeos que forem a surgir. Daqui em diante, a minha autobiografia trata do trabalho que eu fiz a seguir, com o "Pedra".

O meu muito obrigado à Marcello Schevano, Rodrigo Hid e Rolando Castello Junior!

Que a Patrulha do Espaço continue a desbravar o espaço sideral, e assim levar o Rock ao seu lugar de direito: nas alturas! 

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