sábado, 19 de dezembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 298 - Por Luiz Domingues

Dias após o encerramento da mini temporada no Centro Cultural São Paulo, apesar do clima agradável em que esses shows transcorreram, e por se adicionar a empolgação natural pela perspectiva da gravação desse material culminar em um disco ao vivo, o nosso ânimo culminou em não mudar, no âmbito interno da nossa banda. 

O clima estava bem desgastado entre nós quatro componentes e sem perspectivas para mais shows, nem mesmo os elogios ao recém-lançado disco, que estavam a serem publicados nos órgãos tradicionais de imprensa escrita, segurariam a situação. 

Enfim, foi muito natural que houvesse um desgaste nas relações, algo comum para qualquer banda, mesmo as de sucesso mega, do âmbito internacional. Aliás, é quase uma praxe, pois mesmo ao contar com sucesso mastodôntico, agenda lotada e milhões de fãs fiéis ao trabalho, o fator humano do desgaste psicológico ocorre.

No nosso caso, a banda era maravilhosa sob o ponto de vista artístico, tínhamos uma química absurda para criar, arranjar e executarmos as nossas músicas ao vivo, é bem verdade.

Tínhamos também fãs do trabalho espalhados por todo o país e que respondiam de forma magnífica à nossa formação em específico, para falarmos exclusivamente de nosso material criado nesses cinco anos em que ficamos juntos e também apreciavam muito a maneira pela qual executávamos o repertório clássico da banda em formações que nos precederam.
Entretanto, as dificuldades gerenciais ficaram imensas, pois não tínhamos o suporte de uma gravadora, mesmo que fosse pequena, não tínhamos empresário e todo o nosso esforço gerencial era feito de uma forma desbravadora, mas muito cansativa.

Portanto, na base do voluntarismo, mas sobretudo pela fé no Rock, e no nosso trabalho em específico, entramos com tudo em 1999, na pura obstinação de enfrentarmos os problemas gerenciais de peito aberto, mas os obstáculos foram terríveis e aos poucos, a nossa resiliência foi a ser minada.

Diante dessa perda contínua de energia, fomos a desgastar a relação uns com os outros, e assim, como em qualquer sociedade, os empreendedores perdem o foco. 

Uma banda de Rock não difere em nada de qualquer negócio que se abra. É como se fôssemos quatro sócios que resolveram abrir uma papelaria, loja de roupas, pizzaria, borracharia... ou seja, enquanto empreendimento e a se lidar com o duro cotidiano da sociedade de consumo e a sua inerente pressão, claro que ter que se arcar com despesas e ter que gerar a consequente receita, é um fator que quase anula o foco artístico.  

Aos poucos, os sonhos Rockers foram sendo vencidos pelas obrigações financeiras e quando isso começou a acontecer, o escape de energia começou a nos subtrair o ânimo. 

Muito diferente do início, quando pensávamos apenas nas músicas, nos shows, nos detalhes do cenário, nos incensos que faziam os nossos shows terem o aroma dos shows de Rock de outrora, fomos a abandonar o lado lúdico dessa viagem retrô que tanto sonhamos fazer e consequentemente a perdermos a nossa essência. 

De quem foi a culpa? De nenhum de nós, nem mesmo da sociedade, como os mais afoitos antecipam-se em acusar. O mundo é assim, gostaríamos que não fosse e no sonho aquariano que queríamos resgatar, a mensagem do "Drop out" hippie dos anos sessenta, foi a nossa utopia lúdica a embalar nossa música e os nossos sonhos.

Por isso, apesar de tudo o que construimos e vivemos nesses cinco anos, ficou difícil prosseguir, apesar da banda maravilhosa que formamos. Já não houve mais o foco, a união, a determinação obstinada dos primeiros tempos.  

Da parte dos "meninos", que nessa altura já eram homens maduros, mas ainda bem jovens e não mais garotos como no início das atividades da banda, foi natural que estivessem a focarem em outras determinações. O próprio Marcello já ensaiava e gravava há meses com uma nova banda autoral e em paralelo, por exemplo.

De minha parte, com quarenta e quatro anos de idade recém-completados, não foi o caso de que eu nutrisse ilusões sobre a carreira chegar ao mainstream, pois na somatória, já estava na música há vinte e oito anos naquela ocasião e sabia que não era assim que funcionava.

Tanto que quando eu saí do Pitbulls on Crack, em 1997, e o leitor mais atento há de se recordar pois já leu sobre isso, eu saí da banda e fui montar o projeto Sidharta, completamente cônscio que estava a montar uma banda radicalmente retrô, que nunca teria chance no patamar mainstream da música brasileira, por ser absolutamente antagônica a qualquer valor que os mafiosos que dominam o show business do Brasil, professam.

Portanto, já ao criar o Sidharta, a minha intenção foi fazer o som que acredito, simplesmente, sem preocupar-me em arriscar chegar no mundo mainstream, para mostrar o material para essa gente má intencionada que domina o mercado e dá as cartas do que o povo vai consumir nas emissoras de FM, programas populares e novelas da TV.

Então, quando o Sidharta se fundiu à Patrulha do Espaço, a proposta prosseguiu e com o acréscimo de que incorporamos a história de uma banda histórica e tradicionalmente marginalizada no mainstream. Sendo assim, além do material novo se configurar como intragável para esses malditos "formadores de opinião", nós "vestimos" o Karma de uma banda rejeitada sumariamente por essa gente, desde os anos setenta.  

Para sintetizar, em 2004, aos quarenta e quatro anos de idade, eu já não tinha ilusões sobre isso, há muitos anos, mas, mesmo resignado em sobreviver no patamar do underground da música, achava que por formarmos uma banda de porte e qualidade artística como a nossa e isso foi inquestionável, nós merecíamos contarmos com uma situação de estabilidade que ao menos nos mantivesse sob um patamar de artista que se apresenta regularmente nas unidades do Sesc e não havíamos conseguido dar esse passo, infelizmente. 

Se tocamos várias vezes em unidades do Sesc, conforme eu relatei caso a caso, foram na verdade ocasiões sazonais e não caracterizaram uma entrada nesse circuito, de forma regular. 

Não vou citar nomes, pois é desagradável estabelecer comparação, mas muitos artistas com história nem tão grande como a nossa, tinham tal estabilidade mediana, desse patamar que eu citei e isso seria o mínimo para uma banda de nossa tradição e qualidade. 

Dessa maneira, com a escassez de oportunidades e sem dar esse salto para se alcançar ao menos essa estabilidade mediana no show business, o desgaste foi inevitável.  

Então, em 6 de setembro de 2004, encontrei-me com o Rolando Castello Junior em um café perto de nossas casas e lhe comuniquei que havia tomado a decisão de sair da banda, ao alegar o desgaste e de fato, eu estava muito cansado da pressão extra-musical que a banda enfrentava normalmente e já desde o final de 2003, isso estava a ficar a cada dia, mais estafante para mim. 

Claro que ele se chateou e eu também, mas não houve uma outra solução plausível nesse caso e ao ir além, eu estava já há meses a pensar seriamente em aposentar-me da música para voltar a ministrar aulas para sobreviver, e não mais me dedicar a uma carreira artística, a ser componente de uma banda etc. 

Alguns dias depois, ele mesmo, Junior, convocou uma reunião com todos, para saber a posição do Rodrigo e do Marcello. Nos encontramos em uma padaria do nosso bairro e os rapazes também falaram que estavam de saída do nosso grupo e cada um a pensar em novos projetos. 

O Marcello já estava com a sua energia voltada para essa nova banda, chamada: "Carro Bomba", cujo som eu não fazia nem ideia do que se tratava e na minha inocência, imaginei ser algo parecido com o que fazíamos na Patrulha do Espaço em termos de Rock Vintage, retrô. Mas não era. 

Quanto ao Rodrigo, ele falava que o seu foco seria um disco solo e que já estava a ensaiar com dois músicos da banda: "Quarto Elétrico": Thiago Fratuce no baixo (meu ex-aluno), e Ivan Scartezini (bateria). Segundo nos disse, ele já estava a promover ensaios regulares em sua residência, nesse sentido. 

O Junior lamentou, mas experiente ao extremo, sabia que o desgaste foi irreversível e para atenuar o clima de velório que essa reunião deveria se investir, mostrou-se resignado e nos comunicou que já estava a empreender esforços para ter uma agenda melhor em 2005, e que remontaria a banda com novos membros. 

Salientou ainda que tínhamos um compromisso para outubro, a ser realizado em São Carlos-SP e que não haveria meio dele montar uma banda com novos integrantes e colocá-la em condições de tocar ao vivo sob um tempo exíguo, portanto, consultou-nos e claro que atendemos o seu pedido. 

E assim, fomos fazer esse último show da nossa formação, em outubro, naquela cidade interiorana com forte vocação Rocker e onde já havíamos nos apresentado várias vezes anteriormente. Último voo da nossa Nave Ave...

Continua...

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