sábado, 23 de maio de 2020

Crônicas da Autobiografia - A História do Apelido Mal Compreendido - Por Luiz Domingues

Aconteceu em um momento extenso da carreira entre 1976 e 1999, sob vários trabalhos realizados. Acervo: Luiz Domingues

Eis que por volta de 1974, eu estava inserido em uma informal roda de conversa formada por colegas da sétima série do primeiro grau, que eu cursava na ocasião, quando surgiu uma discussão sobre origens ascendentes, momento em que cada partícipe da reunião, discorreu sobre o seu caso em particular. 

Quando chegou a minha vez, eu esclareci aos demais que a minha origem era lusitana, com avós paternos portugueses e de imediato, os colegas estigmatizaram-me como, "português" e mais rapidamente ainda, corruptelas com intenções satíricas surgiram aos montes, tais como: "Portuga", "Tuga", "Tigues", "Tigueis", "Tiges", "Tiga", entre outros, até que o apelido fixou-se como "Tigueis" e grafado dessa forma, da mesma maneira com a qual é pronunciado.

Pelo lado emocional, não houve problema algum de minha parte em ser apelidado por conta da minha origem e pelo contrário, eu tenho orgulho da minha condição lusófana, da terra dos meus avós, suas tradições forjadas em Cantanhede, distrito de Coimbra, na província da Beira Litoral, caso do meu avô e de alguma remota aldeia medieval, pertencente ao distrito de Bragança, na província de Trás-os-Montes, de onde veio a vovó. Por conta de tais fatores, eu não enxerguei nenhum malefício ao ser chamado pelo apelido.

O  aspecto ruim no entanto logo sobressaiu-se, pois a verdadeira intenção de atribuir-me o apelido, foi uma forma para estigmatizar-me de uma maneira desonrosa, no sentido de que a intenção camuflada foi atribuir-me a pecha de um rapaz dotado de pouca inteligência, a seguir a brincadeira maldosa e paradigmática de que todo português seria uma pessoa a deter pouca ou nenhuma inteligência. Mais do que irritar-me por assim ser considerado pelos demais e ter que ouvir as suas piadas descabidas, irritava-me ouvir tais pilhérias injustas, ao lembrar-me de meus avós, vilipendiados gratuitamente por extensão. 

É óbvio que eu nunca achei graça de piadas maldosas, nesses termos, aliás, nem apenas sobre a suposta falta de inteligência dos portugueses, mas também sobre outras pechas igualmente injustas e impostas à outras colônias tais como: a ingenuidade dos japoneses, a frieza dos alemães, a arrogância dos ingleses, a ganância dos norte-americanos, a cólera dos espanhóis, o caráter bonachão dos italianos, a mesquinharia dos judeus, o mercantilismo exacerbado dos povos árabes, o maquiavelismo dos ciganos, a falta de escrúpulos dos indígenas ou a indolência dos africanos etc. 

Ou seja, estigmas negativos tão somente, como se tais povos fossem marcados por tais características e pior ainda, como se isso fosse uma verdade absoluta e generalizada a dar conta que "todo" cidadão com tal origem em específico, fosse regido por tal atribuição de cunho negativo.

Bem, a pensar no aspecto positivo por ser reconhecido com tal apelido, a revelar a minha origem e não apenas baseado na segunda intenção explícita da parte dos outros colegas que estudavam comigo na mesma sala de aulas, eis que eu deixei que o apelido ganhasse uma proeminência além da alcunha e assim, não incomodei-me em ser assim chamado, a predominar e sobrepujar o meu nome real. Sei que foi por ingenuidade de minha parte, mas o fato é que o apelido marcou-me de uma forma tamanha, que quando eu comecei a tocar, o apelido tornou-se o meu nome artístico, por osmose. 

Ainda nos tempos iniciais do Boca do Céu, em 1976, a tratar-se da minha primeira banda, o apelido deu margem para a confusão, quando uma senhora ao saber do meu apelido, fez menção de que seria uma alusão a uma suposta homossexualidade de minha parte, visto eu ter aparência de Hippie, com o uso de cabelos longos, mas na compreensão dela, muito equivocada por sinal, a longa cabeleira a ser entendida como algo a evocar o aspecto feminino, somado ao apelido que ela interpretara como "Tigresa", deu-lhe essa falsa impressão, e assim, ao cantarolar a melodia da canção homônima do Caetano Veloso, ironizou-me, naqueles dias de 1977.
Foto promocional d'A Chave do Sol, de 1984. Acervo: Luiz Domingues

Foi nos tempos do Língua de Trapo e d'A Chave do Sol que outros problemas advieram. Com a exposição midiática a atingir-me mais fortemente, eis que a questão da fonética e da grafia, se tornaram questões proeminentes. O apelido gerou um sem-número de confusões, ao ser escrito ou falado das mais diversas maneiras e a gerar estupefação, algumas vezes. Além das variantes que eu já citei, outras surgiram, tais como: "Tigu", "Tigez", "Tigis", ou seja, eu percebi que a intenção inicial em torno da origem lusitana estava completamente obscurecida e as pessoas tendiam a pensar ser tal denominação, algum nome ou sobrenome de origem estrangeira, mas de alguma raiz exótica, não latina.

O famoso baixista e luthier, Antonio Carlos Lopes, popularmente conhecido como "Tiguez". Acervo: Internet

Eis que um problema extra surgiu, quando eu tomei conhecimento que um outro baixista, muito bom por sinal e que tornara-se um luthier famoso no meio musical paulistano, também usava o mesmo apelido e eu passei, por conseguinte, a ser constantemente confundido com ele e vice-versa. 

Diversos músicos, alguns bem famosos do mainstream da música profissional, inclusive, passaram a abordar-me para falar sobre reparos em seus respectivos instrumentos, exatamente por confundirem-me com esse colega a usar o mesmo apelido, mesmo que no caso dele, a grafia por ele mesmo sugerida para designá-lo, fosse outra. 

Eu optara por seguir a fonética ao grafar como: "Tigueis", literalmente como se pronunciava, inclusive a usar a letra "i", intermediária como uma elevação coloquial do fonema verbalizado e ele, grafou como "Tiguez", com o uso da letra "Z", talvez a demarcar a origem espanhola, mas não tenho essa confirmação, apenas deduzo. Nunca perguntei-lhe diretamente, pois o conheço e o considero um grande músico e Luthier.

China Lee, vocalista da pesada, do grupo, Salário Mínimo, um luso-descendente com muito orgulho. Acervo: Internet

Houve até uma situação inusitada, nos anos oitenta, quando um famoso vocalista de uma banda pesada daquele cena e descendente de portugueses, perguntou-me com entusiasmo se eu também o seria. Surpreendido, achei que fora uma tentativa de brincadeira da parte dele e desconversei, ao não confirmar a minha origem. Entretanto, não foi essa a intenção dele e muito pelo contrário, ele estava animado com tal perspectiva e queria regozijar-se comigo, por termos a mesma origem lusitana. Arrependi-me muito por não ter compreendido a situação e fugido da verdade, por um temor que nem caberia mais, em plena idade adulta. Sim, sou descendente, com muito orgulho!
A Chave do Sol em ação em um show realizado em 1985. Acervo: Baratos Afins

Já bem aborrecido pelas confusões geradas pelo apelido, eis que eu tentei reduzir a sua estranheza ao assinar como: "Luiz Tigueis" ou "Luiz "Tigueis" Antonio, mas tal tentativa de indução não surtiu um grande efeito e assim, os aborrecimentos prosseguiram.
Isso sem deixar de mencionar que até no cotidiano, a questão do apelido causou-me constrangimentos, pois ao telefone, foram muitas as ocorrências desagradáveis com interlocutores, -"ti...o que"?
A minha foto para o encarte do álbum "Chronophagia", da Patrulha do Espaço, lançado em 2000, e a tratar-se do meu primeiro álbum a demarcar o meu nome verdadeiro e não o antigo apelido que eu usara anteriormente. Click de Moa Sitibaldi

Foi em 1999 que enfim, eu tomei a resolução de dar um basta à todas as confusões, mal-entendidos e assim, demarquei o fim do apelido. Adotei o nome duplo, típico de meio artístico, a usar o meu nome verdadeiro. Abreviado, como "Luiz Domingues", ficou objetivo, portanto, dentro do padrão de um típico nome artístico, embora custasse a supressão do meu segundo nome, Antonio, que particularmente eu gosto bastante e que foi o nome do meu avô português, querido e saudoso. 

Por força das circunstâncias, "Antonio" tornou-se desde sempre uma denominação bastante intimista, usado por poucos familiares, que me chamam como Luiz Antonio, daí a opção em privilegiar o "Luiz" e o sobrenome, "Domingues", embora eu reafirme, gosto de chamar-me "Antonio", pela sonoridade da palavra e origem, além da homenagem ao meu vovô e também por ser um nome internacional, usado em várias línguas, a constar: Antonio para o português, espanhol e italiano, Anthony para os ingleses e norte-americanos, Antoine, para os franceses e cuja origem mais remota seria o Anton, que antecedera o Antonius, no latim clássico do Império Romano. Enfim, tive que abrir mão de um nome que gosto bastante, por uma questão de praticidade.

Inacreditável, a minha decisão provocou reações não muito favoráveis da parte de algumas pessoas, por conta de motivações diferentes. 

Tal resolução de minha parte, teve por exemplo, a reação contrária da parte do Rolando Castello Junior, com o qual eu estava a trabalhar na ocasião, com a Patrulha do Espaço. A sua argumentação em desacordo, no entanto, teve fundamento, pois ele alegou que o nome artístico anterior que eu usava estava sedimentado e portanto, seria contraproducente eu eliminá-lo, apesar de ser um incômodo sob vários aspectos.

Contudo, houveram também reações sem fundamento algum. Com pessoas a reclamar pela mudança, a alegar que não reconhecer-me-iam mais com um "novo" nome e engraçado, eu apenas quis ser chamado pelo meu próprio nome verdadeiro. 

Eu também observei outras reações piores, com pessoas a afirmarem que seria tal determinação de minha parte, como algo a denotar um ato de "arrogância" de minha parte, o que causou-me espanto pelo fator inusitado e completamente fora de propósito como uma hipótese plausível, ou seja, fiquei até curioso para entender a razão pela qual tais pessoas chegaram a estabelecer tal linha de raciocínio tão absurda, mas enfim, eis que aconteceu a bizarra reação da parte de algumas delas.
Eu, Luiz Domingues, a atuar ao vivo em um estúdio de São Paulo (V8), com Os Kurandeiros, em 2020. Click de Fausto Lopes

Essa é a história do apelido que eu adquiri na adolescência, adotei indevidamente como o meu nome artístico a gerar-me dissabores, cortei veementemente em um ponto adiante (tardiamente até, eu reconheço), e que hoje em dia está erradicado, embora por conta do material fonográfico de trabalhos antigos e portfólio referente à tais ocorrências, tal velho apelido ficará marcado para sempre, como um pedaço da minha história na música, eu quero crer.

domingo, 17 de maio de 2020

Autobiografia na Música - Kim Kehl & Os Kurandeiros - Capítulo 127 - Por Luiz Domingues

Então a pandemia ficou realmente assustadora e respeitar a quarentena, tornou-se a única medida cabível para lidar com a proliferação vertiginosa da doença, ou seja, em uma época onde a ciência ainda estudava a mutação do coronavírus, Covid-19, portanto ainda longe de descobrir um remédio eficaz para eliminá-lo e tampouco uma vacina para preveni-lo, não contrair a doença foi a medida mais segura. 

Com toda a vida social paralisada e sem perspectiva de retomada dos shows ao vivo e nem mesmo chance para consolidar o início das gravações do novo disco, que já estavam acertadas para o final de março, eis que tivemos um bom alento para comemorar: o clip que fizéramos ao vivo, no Estúdio V8, ao início de março. 

"Último Blues" (Kim Kehl) - Kim Kehl & Os Kurandeiros ao vivo no estúdio V8 de São Paulo, em 15 de março de 2020. Filmagem: Captura e edição final: Fausto Lopes. Captura: Vanderlei Bávaro, João Bueno e Dalam Junior. Áudio, captura e mixagem: Denis Gomes

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=sAI3m_3KKE4

Versão do Facebook:
https://www.facebook.com/estudiov8/videos/167727777888047/ 

Com uma captura de áudio e vídeo, excelente, ficamos contentes em ter esse material, ainda mais com uma música nova em voga. E dessa forma, tal peça ajudou-nos bastante a manter a banda em evidência no mundo virtual, enquanto a pandemia não deu sinal de arrefecimento ou mesmo perspectivas de médio prazo para que sinalizasse com uma retomada sustentável da vida social normal, ou seja, foram tempos bem difíceis para todos.
Continua

sábado, 9 de maio de 2020

Discernimento - Por Telma Jábali Barretto


Dizia um ditado antigo, muito usado pelos também mais idosos desde então: “separar o joio do trigo”, que de forma mais simples que essa palavra grandona teria um sentido bem similar... Exercício bem difícil e cada vez mais necessário, possivelmente, trabalho sério a lapidação compulsória aguarda-nos a partir dessa bem-vindíssima explosão de comunicação, já vindo em curso há tempos, mais evidente agora... Como não saber escolher, decidir ao menos para autocondução diante de tudo que nos chega pelos sentidos básicos de informações que poderão ou não... ser estimuladas para melhoria, crescimento e desenvolvimento humano. Que espécie de critério alimentamos, com quanto de isenção de ânimos, guiados por que forma de instintos, faros: os viscerais de sobrevivência ou... já conseguimos acessar patamares além destes, sutilizando percepções, carregando chamados mais equânimes, olhando para a Vida além vida... 

Quais fomes precisam ser aplacadas dentro de cada um de nós!? ... Sabemos e entendemos que essa mais objetiva que faz perecer corpos físicos levando-os a inanição e até a morte (e dolorido saber que existam!!!...). Talvez tenham sua raiz profunda, ancestral, sabe-se lá?!... adormecida debaixo do mesmo instinto animal movido pela agressão e defesa, essa que, mesmo entre animais ditos irracionais, obedecem uma certa evolução entre aqueles que defendam a própria, simplesmente, aqueles que já pensam na prole e linhagem próxima e... aqueles que avançam pensando mais que estas, já incluindo contextos mais amplos, dando margem a irem mais que pessoal, individual ou nutridor não somente da história que somos parte integrantes (DNA, conceito aceitos ou percepções diferentes...), mas enxergando e já computando o outro, alteridade! 

Começa a surgir, então, sentimento abrangendo fraternidade, rompendo o ciclo de competitividade, primeiros lampejos de cooperativismo trazendo abertura para perceber a teia de conexões da unidade que somos parte! Quanto conforto podemos ter com algo usufruído sós, com próximos queridos, satisfazendo... quanto produtor da fluidez entre meu/seu......entrar/sair, nutrir/ser nutrido que é corrente natural da Vida, talvez pouca observada...mas, que Inexorável, vem e vai, seguindo seu perene fluxo de oferecer e recolher, nada discriminando ou elegendo, permanecendo justa, eterna e solene em Sua Plenitude abundante, não premiando ou punindo, trazendo permanente harmonia àqueles que se servem de seu banquete, tendo aprendido a perceber Sua Exuberância sempre disposta, inspirando a todos a seguir, oferecendo seus links, endereços, caminhos e atalhos através daqueles aprendizes atentos para quem Suas Leis já vieram sendo desvendadas, reconhecidas e respeitadas para, assim, experimentarem dessa Unidade Fonte! 

Que nossos sentidos sejam purificados... clareando o pensar criando o atuar que possibilite viver mais consciente, iluminado por Verdades Maiores e possamos florescer, cada num de nós contribuindo, oferecendo, cooperando nessa ciranda mágica do viver... Fraterno e sempre ... ... ... Na mas tê!





Telma Jábali Barretto é colunista fixa do Blog Luiz Domingues 2. Engenheira civil, é também uma experiente astróloga, consultora para a harmonização de ambientes e instrutora de Suddha Raja Yoga. Nesta reflexão, a colunista Telma nos fala sobre a questão do discernimento, que vem a ser aquele ponto além, onde uma pessoa busca a visão mais aguçada de qualquer questão.



sábado, 2 de maio de 2020

Livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" ( Três Volumes) - Por Luiz Domingues

O livro, “Luz; Câmera & Rock’n’ Roll”, traz, através de seus três volumes, um apanhado de resenhas sobre filmes produzidos desde a década de cinquenta do século passado, a investir no mote do Rock, direta ou indiretamente. Dessa combinação explosiva entre dois ícones fortíssimos e apaixonantes, o cinema e o Rock, nasceu a vertente que muitos críticos e historiadores batizaram como “Rock Movies”.
Luiz Domingues é músico e um entusiasta declarado dessa tendência cinematográfica, desde a tenra infância. Como músico, dedicou a sua carreira a atuar em vários grupos musicais significativos, em sua maioria comprometidos com a estética do Rock, entre os quais: Boca do Céu, Língua de Trapo, Terra no Asfalto, A Chave do Sol, The Key, Pitbulls on Crack, Sidharta, Patrulha do Espaço, Pedra, Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, Magnólia Blues Band e atualmente a trabalhar com Kim Kehl & Os Kurandeiros. No cômputo geral, soma mais de vinte discos lançados no mercado brasileiro. 

O autor sabe que não é pioneiro na abordagem desse tema, entretanto deseja somar, ao colocar mais um olhar sobre o assunto, como uma colaboração da parte de quem sabe bem o valor dessa produção cultural.
Serviço:
Luz; Câmera & Rock’n’ Roll
(obra dividida em três volumes)
Autor: Luiz Domingues
Editora: Matilda Produções
Apoio gráfico: Clube de Autores
Editor: Cristiano Rocha Affonso da Costa
Revisão / diagramação / ficha catalográfica: Alynne Cavalcante
Capa (criação e lay-out): Victoria Costa
Foto do autor: Lincoln Baraccat


Vendas pelo site do Clube do Autor:
https://bit.ly/2YeYIa9