domingo, 30 de novembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 206 - Por Luiz Domingues

Essa matéria no Jornal da Tarde pontuou a nossa posição desconfortável em participar de dois eventos conflitantes entre si... de fato, ficamos na berlinda com essa situação.

E ainda houve um certo mal estar nosso com o produtor, Barbieri, pois ele colocara-nos em uma posição de destaque, como "open act" de um dos sábados do evento, ou seja, destaque do melhor dia, e nós havíamos fechado com a organização do evento, "Praça do Rock", para apresentarmo-nos no mesmo final de semana, ou seja, estávamos indiretamente, a colaborar com um certo desvio de foco do próprio evento. A sorte, é que mesmo chateado, o Barbieri acabou por entender o nosso ponto de vista, que foi legítimo em certos parâmetros (no sentido de que não podíamos desperdiçar nenhuma chance), e portanto deu-nos o devido respaldo ético, ou seja, não podíamos recusar oportunidades boas para a nossa carreira. E de fato, naquela semana, pelo fato de estarmos inseridos em dois eventos que obtiveram ótima repercussão na mídia, capitalizamos muitas matérias, para rechear o nosso portfólio, além de chamadas de Rádio e uma intervenção na TV, direta, fora menções nesse mesmo veículo. 

Só para ilustrar o meu descontentamento pessoal (ainda a repercutir sobre as minhas crises de arrependimento por posicionamentos estéticos assumidos), eis aí, alguns trechos mais críticos e elucidativos, das matérias que foram publicadas na mídia impressa mainstream : 

1) Folha da Tarde - 27 de julho de 1985 :

... "80 roqueiros começaram a descarregar seu raivoso e energético som metal"...

..."Um importante passo, especialmente levando-se em conta que as mais de cinquenta bandas paulistanas de Rock, espalhadas pelos bairros do Jabaquara, Pompeia, Vila Mariana, Santana, Casa Verde e Ipiranga - tradicionais bolsões do movimento "metal"- , só tem suas casas e garagens para ensaiar, e, para se apresentarem, dependem dos festivais colegiais e do interesse e da boa vontade dos donos de clubes noturnos da periferia"...

..."imagem de violência emanada pelo visual agressivo de suas roupas de couro pretas, seus braceletes metálicos e cintos cravejados de tachas"...

..."Precisamos demolir esse folclore de violência, afirma Marco Antonio, de 18 anos, que usa aparelho nos dentes"...

..."Quando falamos em nossas músicas de demônios e bruxas, isso é uma máscara para contarmos o que está acontecendo no mundo"...

..."estudantes, office-boys, comerciários ou simplesmente músicos"...

2) Jornal da Tarde - 27 de julho de 1985 :

..."um fato curioso na formação desses 19 grupos que estarão no "Metal, Rock & Cia.", é que nenhum deles tem deles tem mulheres entre seus integrantes"...

..." número de fãs dos grupos de Rock pesado , do sexo feminino, é bem reduzido se tomarmos como base a presença nos shows que vem acontecendo"...

 

Bem, foram algumas frases extraídas de algumas matérias. Na Folha de São Paulo, a matéria foi ipsis litteris igual à publicada na Folha da Tarde, por serem do mesmo grupo editorial. Já no Estado de São Paulo, a matéria foi bem mais respeitosa, mas preguiçosa, pois praticamente copiou o release da assessoria de imprensa do Sesc. E na Veja, saiu apenas a nota do show, com o seu serviço. No Jornal da Tarde, foi engraçado, pois a matéria sobre o show no Sesc saiu ao lado sobre a "Praça do Rock", mediante um box, e em ambas, estávamos citados. Nesse mesmo dia do show no Sesc, e em meio à essa enxurrada de matérias na imprensa escrita, tivemos menções na TV e chamadas de rádio, mas em relação à "Praça do Rock", que aconteceria no dia seguinte, participamos de uma micro entrevista no programa "SP TV", da Rede Globo. Por volta das onze horas da manhã, comparecemos em peso ao Parque da Aclimação, na zona sul de São Paulo, onde acompanhados de músicos de outras bandas, concedemos uma rápida entrevista nesse jornal televisivo, com a repórter, Monica Puga, que mediante o seu forte sotaque carioca, disse na abertura que : -"roqueiros da pesada vão se apresentar neste palco, neste domingo"...

https://www.youtube.com/watch?v=leJqJbzQ3B8
A Praça do Rock na TV - 1985
Cobertura da Globo, através de seu jornalismo, SPTV, para a edição da Praça do Rock de julho de 1985. Filmado no sábado, dia 27 de julho de 1985, e o show ocorreu no dia seguinte, domingo, 28.

Eu não falei nada nessa entrevista, pois ao seguir o padrão desse tipo de jornalismo, foi uma reportagem que não durou nem dois minutos. Somente o Rubens fez uma rapidíssima intervenção ao representar-nos, e Dalam Jr. falou pela organização do evento. Bem, foi uma semana rica em capitalização de exposição na mídia, mesmo com algumas ressalvas já citadas. Falo a respeito dos shows, agora...
Continua...  

sábado, 29 de novembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 205 - Por Luiz Domingues



Acontece, que apesar de eu ter sido jovem na ocasião (estava às vésperas para completar vinte e cinco anos de idade), o fato que eu já mantinha uma razoável experiência acumulada, e pressentia o lado negativo, inevitável desse tipo de exposição midiática coletiva. Dessa forma, quando os repórteres fotográficos convocaram os componentes das bandas para o registro da coletiva, eu tive um sentimento bem forte em não querer participar da foto. 

Sei que sob uma primeira instância, a minha atitude foi errada, pois se estávamos ali, não participar ou sentir vergonha em fazer parte daquela egrégora, não foi a melhor atitude a ser tomada, por inúmeros motivos. Preciso enumerá-las ? Bem, acho que sim, para não dar margem de dúvida ao leitor. Então, vamos lá :

1) Se a minha banda estava no evento, eu teria mais é que estar na foto;

2) Em respeito ao produtor do evento; produtores associados e ao Sesc, sem dúvida.

3) Não era hora para demonstrar arrependimento por decisões estratégicas equivocadas. Esse tipo de insatisfação deveria ser tratada de uma forma discreta, dentro do âmbito interno da banda, onde seria o lugar correto, não é mesmo ?

4) Arrependido por estar associado àquela cena infantojuvenil ? Ora, que outras opções melhores avistaram-se na década de oitenta, fora dessa dicotomia entre o Pós-Punk e o Hard / Heavy 80's ? 


Seria aquilo, ou procurar um salão de barbearia e providenciar um corte de cabelo curto e bem esquisito, e o pior de tudo, "desaprender" de tocar... 

Claro que exagerei bastante nas ponderações descritas acima, mas todas, tem o seu fundo de verdade, e não necessariamente estão obscurecidas nas entrelinhas. E para amenizar a minha predisposição para não participar da foto coletiva, houve o fato concreto de que muitos outros componentes de outras bandas também não participaram, pois era muita gente para ser enquadrada no click, e no cômputo geral, a falta de alguns rostos não faria diferença para a exposição das bandas. Por exemplo, ainda a falar sobre A Chave do Sol, o próprio Zé Luiz também não foi e ambos, eu e ele, assistimos de longe, ao concordarmos que a nossa participação provara-se desnecessária, visto que Rubens e Fran estavam a representar a nossa banda no registro fotográfico. E de fato, foi constrangedor o momento. E eu tenho total liberdade para descrever essa cena, sem medo de ofender ninguém, mesmo por que, sou amigo de muitos desses músicos presentes na ocasião, até hoje, e o que vou dizer é uma constatação concreta e entre a maioria que participou, realmente dou o desconto generoso de que eram muito jovens naquele momento, portanto... 

Enfim, aquela cena do Heavy-Metal oitentista era formada em sua imensa maioria, por músicos muito jovens, portanto, o grau de imaturidade era enorme. Isso refletia-se nas próprias bandas, mas exacerbava-se acintosamente, nas letras que escreviam; temáticas e com o reflexo direto no seu comportamento pessoal. Sendo assim, ao aglomerarem-se para fotos coletivas, era normal que portassem-se como garotos (que eram), eufóricos no pátio da escola, durante o horário do recreio. Instigados pelos repórteres fotográficos, sempre na sanha por poses ridículas que fossem mais chamativas, é claro que gritaram, a soltar os seus urros de "yeah", "Metal" e outras imaturidades análogas. Pior que tudo isso, quando as matérias foram publicadas, o teor mostrava-se sempre em tom pejorativo, jocoso e explicitamente na intenção em ridicularizar as bandas, ao reduzi-las à condição infantojuvenil. 

Quando corremos para a banca, para ver o material publicado, ficamos contentes pela exposição maciça e providencial para o evento, mas o lado negativo, aborreceu-nos, é claro. Enfim, eu precisava expor esse tipo de sentimento que sempre envolvia uma certa angústia e arrependimento, para ficar muito claro na minha autobiografia, que tal escolha, não foi a melhor, mas A Chave do Sol estava alojada em uma situação dramática em termos estéticos, para tentar adequar-se ao ambiente oitentista. Foi uma situação delicada, literalmente, onde tivemos que optar entre em estarmos com uma turma ou outra e na prática, não identificávamo-nos com nenhuma delas.

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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Kim Kehl & Os Kurandeiros - 29/11/2014 - Sábado / 21:00 H. - Casa Amarela - Osasco /SP


Kim Kehl & Os Kurandeiros

29 de novembro de 2014

Sábado - 21:00 Horas

Casa Amarela

Rua Dr. Mariano J. Marcondes Ferraz, 96

Centro

Osasco - SP

KK & K :

Kim Kehl - Guitarra e Voz
Carlinhos machado - Bateria e Voz
Luiz Domingues - Baixo

Convidados Especiais : 

Phil Rendeiro - Guitarra
Edu Dias - Gaita e Voz

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 204 - Por Luiz Domingues


O próximo compromisso foi o show do Sesc Pompeia. 
De fato, o produtor, Antonio Celso Barbieri, esmerou-se e teve o respaldo do Sesc, para uma divulgação maciça. Uma entrevista coletiva de imprensa foi convocada nas dependências do Sesc Pompeia, e para ser preciso, na sua famosa chopperia, onde todas as bandas participantes compareceram.

Um cocktail foi servido e jornalistas de vários órgãos compareceram ao evento, onde o Barbieri conduziu a conversação, a explicar os objetivos do festival. Foi de fato, uma grande conquista dele, como produtor, ao atrair uma quantidade substancial de bandas autorais, para um palco nobre como o do Sesc Pompeia, dotado de uma estrutura de som; luz; camarins; e cenografia, profissional, fora a questão da divulgação, e claro, o status em tocar-se em um teatro desse porte, com real possibilidade de visibilidade pública e enriquecimento de portfólio e currículo. O simples fato de estarmos em uma coletiva com tantos jornalistas, já era prova de sucesso do evento, e do Barbieri como um produtor abnegado, que muito rapidamente surgiu no meio e firmava-se como um empreendedor vitorioso. 

Dessa coletiva, tenho a dizer que por questão de ordem, o Barbieri determinou que apenas um representante de cada banda comparecesse à conversação e mesmo assim, poucos falaram, com o próprio Barbieri a centralizar mais o discurso, pois fora o elemento que detinha uma visão mais globalizada do evento, quando cada músico, inevitavelmente, culminaria em falar mais de sua própria banda, e convenhamos, a tendência seria em tornar-se um discurso óbvio, e no tocante à expectativa de cada um sobre o evento, cair-se no lugar  comum, em "estamos contentes por participar" ou pior ainda, "tocaremos com muita garra" etc e tal. No entanto, mesmo com esses cuidados, alguns deslizes ocorreram... 


Continua... 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 203 - Por Luiz Domingues


O outro fato desse mês, antes de falar dos dois shows e comentar o andamento das gravações do novo disco, deu-se em relação à capa do álbum. Como já comentei anteriormente, estávamos muito críticos em relação aos esboços (rafs) que o ilustrador, Líbero, estava a providenciar. Não tínhamos dúvidas de que ele era um bom desenhista, mas não estávamos a aprovar tais desenhos prévios, simplesmente. No entanto, foi o tal negócio : ao ver hoje, vinte e oito anos depois (quando escrevi este trecho em 2013), e com a experiência acumulada, tenho a certeza de que nós tivemos muita culpa nesse processo, senão, culpa total. Nós alimentamos uma ideia para o Líbero, e ele trabalhou o tempo todo nela. Os traços que eram modernosos, portanto oitentistas, foi fruto de nosso próprio pedido, pois queríamos uma imagem coadunada com a época, só que, paradoxo total, a época revelava-se como o supra-sumo do baixo astral estético, sob qualquer ponto-de-vista ! Portanto, como ele poderia trazer um traço diferente, se havíamos pedido contemporaneidade ?

Outro fator preponderante : o mote que pedimos-lhe, fora de um extremo mau gosto. Tremendo de um clichê , essa história de "sensualidade & agressividade", expressas através de uma mulher seminua, e um animal feroz, é vergonhosa, ao meu ver. Não sei o que o Rubens e o Zé Luiz pensam sobre isso hoje em dia, e o Fran Alves não está mais entre nós, mas de minha parte, acho tal conceito, um horror. 

Bem, de volta à cronologia, o Líbero fora solícito e demonstrava ter uma paciência enorme para conosco, mas chegou-se em um ponto onde não deu para postergar mais, e além do mais, o Luiz Calanca pressionava por uma resolução final desse lay-out, pois já possuía  um prazo definido para entregar a arte-final, à gráfica. 

Naquela época, demorava-se dias para a gráfica preparar um fotolito e daí, mais algum tempo para efetuar-se algumas correções de cores que precisavam ser corrigidas para o cliente dar o seu aval, e só então, a produção ser tocada adiante. Portanto, para conter capa e encarte em mãos, o produtor fonográfico precisava de um bom tempo e muita paciência, com várias visitas ao parque gráfico, para finalmente ter o produto em mãos. Dessa forma, uma reunião foi marcada no atelier do Líbero, e uma cena constrangedora ocorreu. O Líbero era um rapaz solícito e sempre tratou-nos muito bem, apesar de termos sido tão confusos em nossas reivindicações feitas para ele, mas naquele dia em específico, acho que foi o clímax da controvérsia. Ocorreu que ele anunciou que veríamos a capa finalizada, e para tanto, criou um suspense, ao deixar a arte final escondida, encoberta por um pano. Quando entramos, ele desligou a luz do atelier e a deixar apenas algumas luminárias sobre o tablado de trabalho, tirou o pano, ao estabelecer em tal instante, quase um ato de inauguração de uma obra com  alto teor artístico. E o era, afinal de contas, claro que sim, uma oba de arte ! No entanto, a nossa reação foi a pior reação da noite, pois os quatro componentes da banda, em uníssono, observaram uma expressão de decepção, indisfarçável. O clima ficou desolador, e ele só resmungou, algo do tipo : -"é...vocês não gostaram"... de fato, a sensualidade da garota estava ali; a agressividade de um animal feroz, idem; e a música representada pela guitarra, também.

Todavia, os traços oitentistas não deixavam em incomodar-nos. A garota, praticamente a parecer uma "punk de boutique", daquelas que frequentavam templo Pós-Punk, "Madame Satã"; a guitarra modernosa; o bicho "feroz" mais a parecer-se um desenho do "Balão Mágico", francamente... como gostar disso ? E mais uma vez realço : o Líbero não teve culpa alguma nesse processo. Todas as ideias e diretrizes que demos-lhe, foram seguidas à risca. Se os traços foram "modernosos", foi um pedido nosso, sem dúvida. A contracapa, mais razoável pela simplicidade, com as quatro fotos dos membros, amenizou a decepção geral. 
 


Essas três fotos acima são inéditas, e extraídas da sessão de onde escolhemos as fotos de Zé Luiz e Rubens para compor a contracapa do álbum

As fotos de Rubens e Zé Luiz, foram feitas de forma emergencial, em um estúdio fotográfico de bairro, perto da residência do Rubens. Usávamos esse estúdio para mandar revelar fotos de shows e também as promocionais, desde 1983.

A minha foto era ao vivo, de fato, e foi extraída do show que fizéramos no Circo Voador, no Rio de Janeiro, em 1984; e a foto do Fran Alves, foi capturada no show do Buso Palace, muito recente, embora tenhamos tentado uma alternativa de estúdio, como no caso de Rubens e Zé Luiz. Para amenizar o clima constrangedor que cometemos naquela noite, o Líbero convidou-nos a vermos a finalização do encarte, o último item que faltava. 

Com o recorte da ficha técnica impressa em mãos, ele fez a colagem, e foi criativo ao borrifar tinta nanquim, a obter as manchas que perfazem o fundo. 

O texto da ficha técnica foi criado por eu mesmo, Luiz Domingues, e o Luiz Calanca providenciou a sua impressão, pré-Lay-Out. Assim foi a história da criação da capa do EP de 1985...

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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 202 - Por Luiz Domingues


Bem, como acontece com qualquer artista, seja de que ramo de arte for, a carreira não depende só de talento. Ter a sorte em encontrar pessoas que somam no cômputo geral, é imprescindível para fazer uma carreira decolar. Seja um empresário dinâmico; seja um produtor; talvez ambos; se possível, melhor ainda. Alguma dúvida sobre o talento dos Beatles ? Mas será que teriam chegado ao estrelato se não tivessem encontrado-se com Brian Epstein ? O mesmo raciocínio vale para Elvis Presley e o "Colonel" Tom Parker; Led Zeppelin e Peter Grant, e tantos outros exemplos análogos. 
Show d'A Chave do Sol no Buso Palace de São Caetano do Sul, junho de 1985. Click : Rodolpho Tedeschi (Barba)

Então, sempre ficamos antenados em pessoas interessantes que agregavam-se à banda (aliás, em todas as bandas em que toquei, não apenas com A Chave do Sol), independente de ser um empresário ou produtor propriamente dito, ou seja, a ideia em contar com qualquer tipo de apoio, é sempre muito importante para qualquer artista. Posto isso, no caso d'A Chave do Sol, objeto desta parte da narrativa de minha autobiografia, não foi diferente, e muita gente aproximou-se de nós, ao sinalizar a vontade em colaborar de alguma forma. Nesses termos, mais ou menos em julho de 1985, ocorreu o caso de um rapaz que abordou-nos, ao afirmar ser nosso fã, e que gostaria em ajudar-nos, ainda que não houvesse nenhuma familiaridade com o mundo artístico. 

Tudo bem, claro que aceitamos qualquer ajuda de bom grado, e abrimos um canal de conversação para que ele expressasse as suas ideias. Tratava-se de um rapaz na faixa dos trinta e poucos anos, bem mais velho do que éramos naquela época, mas ainda jovem, logicamente. Ele era fã de Rock, mas não era músico, e nem acalentara o sonho em tornar-se um. Apenas gostava e acompanhava o Rock; colecionava discos; comparecia aos shows com regularidade, e mantinha um bom conhecimento nessa área, mas apenas como um apreciador, sem entender os meandros do show business. Segundo contou-nos, ele trabalhava em uma empresa familiar, criada e gerida pelo seu pai, e que constituia-se de uma empresa com médio porte, que apresentava um volume de trabalho e recursos muito alto, com diversos funcionários etc. Ele tinha muita vontade em ajudar-nos, mas apesar de ter posses, não prometera uma ajuda financeira direta, em nível de mecenato, e nesse caso, é claro que jamais sonharíamos com uma facilidade dessas, muitíssimo rara em acontecer fora das histórias da carochinha... 

Contudo, o rapaz pareceu-nos realmente imbuído em prestar-nos ajuda, e claro que a aceitamos. Em princípio, ele quis colocar o seu prestígio social em nosso favor. O seu plano inicial foi para apresentar a banda para pessoas de seu rol de amizades, com potencial investidor, e sob uma outra frente, buscar formadores de opinião para visar catapultar-nos a um outro patamar na carreira. Claro que aceitamos a ajuda e de fato, revelara-se desinteressada, pois não houve nenhuma possibilidade de nós imaginarmos alguma má fé da parte dele, e também não existiu nenhum indício de interesse escuso de sua parte em querer ludibriar-nos ou tirar algum proveito de nós, e antes que o leitor especule, não, o rapaz não era homossexual, portanto, o seu interesse foi mesmo no sentido em ajudar a nossa banda. Enfim, não tínhamos nada a perder, e dessa forma, cedemos-lhe um material básico de divulgação, na base de release; histórico, portfólio e fotos. Logicamente também os compactos que providenciamos para efeito de divulgação, mas que ele fez questão de pagar, e assim não causar-nos nenhum prejuízo, ainda que tais discos tiveram o propósito em auxiliar-nos em outros parâmetros. 

Não revelarei o seu nome, não que houvesse algum problema em revelá-lo, mas tal personagem entrou e saiu da vida da banda sob uma velocidade tão grande, que não sei se a menção ao seu nome valeria a pena, com tantos anos depois do ocorrido. Enfim, nesse plano de ajuda que ele estabeleceu, só uma ação de fato ocorreu, e não surtiu em absolutamente nada, ao fazer-me crer que talvez tenha sido por isso, que ele tenha desanimado e sumido de nossa vida. Foi o seguinte : ele animou-se com a perspectiva de que tocaríamos no Sesc Pompeia em breve, e disse-nos que levaria um amigo seu pessoal, que era ator de teatro / cinema e TV, que provavelmente interessar-se-ia pelo nosso som e possivelmente abriria muitas portas nesse meio, graças ao seu conhecimento nessa área. Se tudo desse certo, poderíamos ter mais oportunidades na TV; convites para criar trilhas de cinema; comerciais, e até espetáculos teatrais. 

Claro que animamo-nos e quisemos saber quem era esse ator famoso, mas ele quis fazer surpresa e somente no dia do show, o vimos no camarim do Sesc Pompeia. Tratou-se de Lineu Dias, ator, e ex-marido da atriz, Lilian Lemmertz, além de ser pai da também atriz, Júlia Lemmertz. Infelizmente, o Lineu não apreciou o nosso show, e realmente, foi uma lástima, por um motivo : talvez ele tivesse entendido melhor o trabalho d'A Chave do Sol de tempos atrás, com bem menos peso, e sem aquele ranço Heavy-Metal, que adquirimos no pós-1985. Durante o show no Sesc Pompeia, por muitas vezes vi o seu semblante a mirar-nos, com um profundo desinteresse estampado, que chegou a incomodar-me. Depois desse show, o fã-colaborador sumiu de nossa vida. Não saberia dizer se ele mesmo desestimulara-se, ou foi por conta das ponderações negativas que o ator, Lineu Dias deve ter feito ao nosso respeito, para ele em particular. Todavia, o fato foi que o rapaz sumiu, sem deixar vestígios. Outros personagens  agregar-se-iam doravante, e sempre existe esse tipo de apoio na órbita de qualquer banda. Antes de falar sobre os shows de julho de 1985, devo contar mais um evento importante ocorrido ainda nesse mês, relativo a produção da capa do nosso novo álbum...


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domingo, 23 de novembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 201 - Por Luiz Domingues


Após esses três compromissos de junho, os esforços estavam voltados para as gravações do novo álbum; a produção da capa e encarte; e os preparativos para o show que faríamos no Sesc Pompeia, em breve. Foi bastante excitante para nós, estarmos inseridos nesse festival organizado pelo produtor, Antonio Celso Barbieri, pois soava como uma alavanca que ele mesmo estava a ter, como produtor independente. 

Sim, pois não fazia muito tempo que ele havia embrenhado-se nesse campo da produção de espetáculos musicais, e rapidamente, ganhara a confiança de todos, com produções honestas, no sentido amplo da palavra, e não a referir-me apenas aos acertos financeiros decorrentes. O simples fato dele ter engatado várias produções no Teatro Lira Paulistana, já o teria credenciado a esse ganho de credibilidade no meio, mas ao sinalizar com um festival com um mês de duração, em um teatro do porte do Sesc Pompeia, tornou-se óbvio o seu crescimento no mercado. Enfim, foi muito animador por isso, e por tudo o que envolvera tal produção, e para nós, especificamente, ainda mais, por termos sido escalados para ser o grupo headliner de um sábado, com status de uma banda com grande porte... 

Teríamos a companhia agradável de uma banda que apreciávamos, talvez não pelo som, pois praticavam o Heavy-Metal, mas pela amizade que estabelecemos com os seus membros, todos muito jovens, mas muito cordiais. Tratava-se de uma banda formada por  garotos imberbes, mas imbuídos de muita animação; vontade; e gana em subir na carreira, chamada : "Viper". Falo mais sobre como os conheci pessoalmente, e tornei-me amigo desses meninos, oportunamente. 

Antes de avançar sobre esse show do Sesc Pompeia, devo dizer que havíamos recebido um convite irrecusável da parte dos organizadores do evento, "Praça do Rock", para participar de mais uma edição. Digo irrecusável, pois segundo os amigos, Dalam Junior e Orlando Lui, a Praça do Rock fechara um patrocínio grande, com uma empresa de refrigerantes de grande porte, e vitaminada por essa verba, o evento contaria com um equipamento de som e luz, com alto nível, e um bom incremento na divulgação, com assessoria de imprensa profissional à disposição. Portanto, teríamos uma exposição muito grande na mídia, tirante a perspectiva de um público muito maior do que o habitual daquele evento. 

O grande empecilho, foi que coincidia com o festival do Barbieri no Sesc, e poderia dividir a atenção, ao afugentar um pouco do público que pensaria duas vezes em pagar um ingresso no sábado, para assistir-nos, e no domingo, haver um show grátis no Parque da Aclimação. Claro que configurou um conflito de interesses, e tivemos que administrar essa situação, pois não podíamos deixar de ter mais essa oportunidade naquele momento. Porém, antes de falar sobre isso, tenho mais duas ocorrências a relatar sobre esse período de julho de 1985.


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Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 200 - Por Luiz Domingues


O show no Buso Palace ocorreu no dia 29 de junho de 1985. Participaram também as bandas : "Mammouth"; "Performance's"; "Karisma" e "Korzus", ou seja, éramos entre os demais os "peso-pena", em uma noitada marcada pelo "pugilismo peso-pesado". Sob o ponto de vista da organização e estrutura, deu tudo certo, com um equipamento de som e luz de qualidade, contratado pelo produtor, Beto Peninha. A organização foi muito boa, sem maiores contratempos, apesar dele ser completamente inexperiente nesse tipo de produção. 
Cartaz Lambe-Lambe colado nos tapumes das cidades do ABC paulista. Acervo e cortesia de Beto Peninha

E o resultado em termos de público, muito bom, com cerca de duas mil pessoas presentes no local do show. Apesar do público ser radical, pelo teor do trabalho das outras bandas escaladas para o evento, o nosso show despertou a atenção e foi bastante aplaudido, ao deixar-nos satisfeitos pela participação. 
 
Ao falar especificamente da nossa performance, as evoluções cênicas que havíamos ensaiado, deram muito certo. Realmente impressionamos o público com tais medidas cênicas. As explosões também causaram um tremendo impacto, e ficamos contentes pelo efeito obtido. Somente um fator não deu certo, e foi digno de uma cena do filme "This is Spinal Tap"... 

Todas as explosões tinham marcações bem delineadas e ensaiadas previamente com a responsabilidade para apertar o interruptor que  detonava-as, na incumbência de Eliane Daic, que era namorada do Zé Luiz, desde o início de 1984, e que tornar-se-ia como uma produtora, nos meses subsequentes, de fato. Ela aprendeu e decorou perfeitamente o momento certo em cada música, e o efeito gerado foi muito positivo. Porém, em uma dessas explosões, algo deu errado, por minha culpa exclusivamente. Estava empolgado pela performance, e em uma dessas marcações, esqueci-me em manter uma distância física segura de uma das caixas de explosão, e dessa maneira, quando percebi que ia explodir, e eu estava muito perto, nada pude fazer para evitar o impacto. 

Eu apenas lembro-me da expressão de pavor que o Zé Luiz fez ao olhar-me com uma mecha de meu cabelo a pegar fogo, e as marcas da chamuscada pelo meu rosto. Por sorte, nesse momento eu estava de costas para o público, ao fazer uma mise-en-scené de frente para ele, Zé Luiz, portanto, o público não notou. Deu tempo para apagar a chama rapidamente e continuar a tocar, praticamente sem prejudicar a performance musical, e como consequência, eu apenas lembro-me mesmo do cheiro de pólvora queimada que ficou forte, e as marcas da chamuscada que só pude extrair no camarim, após o término do show. Tive então o meu dia de "This is Spinal Tap", enfim...

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Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 199 - Por Luiz Domingues


Chegamos ao show bem preparados musicalmente, como era a praxe d'A Chave do Sol, uma banda que teve na disciplina de ensaios, o seu ponto forte, e isso refletia-se nas apresentações ao vivo, com raríssimos casos de desajustes, e quando ocorreram, além de surpreendentes, geralmente tiveram motivações alheias à nossa vontade. Enfim, estávamos muito bem preparados e vindo de uma sequência de shows, portanto, seguros na parte musical. Porém, tivemos duas novidades para esse show : havíamos ensaiado coreografias para alguns momentos estratégicos do show; e usaríamos alguns efeitos pirotécnicos, aliás, pela primeira vez. Explico...

Em reunião, chegamos à conclusão de que precisaríamos incrementar o nosso show com mais atrativos visuais, para chamar a atenção de um público diferente, que era necessariamente constituído por aficionados do Hard / Heavy oitentista, que estavam habituados a assistir shows de bandas com forte apelo visual. Claro, dentro de nossa realidade financeira e logística, mas a tentar sermos criativos ao máximo. Nesses termos, resolvemos dar uma incrementada no visual, tanto no quesito do figurino, quanto no mise-en-scené. 

Desde o início das atividades da banda, as respectivas personalidades do trio original, imprimiam as suas características acentuadas, de uma forma natural. O Rubens tocava praticamente estático, circunspecto em sua atenção ao instrumento, e só chamava mais a atenção, verdadeiramente, quando evocava Jimi Hendrix, ao estabelecer ousadas evoluções performáticas, como tocar com a guitarra colocada na nuca, ou a usar os seus dentes. Queríamos que ele realizasse uma performance mais efusiva, no entanto, demorou muito para que ele começasse a soltar-se mais no palco, fato que só começou a ocorrer bem depois, ainda que aquém do que eu e Zé Luiz pedíamos à ele. No caso do Zé Luiz, pelo fato de ser baterista, certamente que ele tinha muito menor possibilidade em incrementar a sua mise-en-scené, entretanto, mesmo com essa dificuldade motora óbvia, ele mantinha uma tremenda performance ao meu ver, além da conta do que um baterista geralmente fazia, e claro que isso foi ótimo para a banda. 

O Fran Alves apresentava uma presença de palco muito boa, ainda que muitas críticas eram desferidas à ele, pelo excesso de dramaticidade. Particularmente, eu reconheço que ele poderia dosar com um pouco menos de ímpeto, todavia, mesmo assim, eu considerava bonita essa entrega cênica dele, que agia como se cada show fosse um evento épico, a revelar-se como uma verdadeira encenação digna de um filme épico de Cecil B.De Mille. Não quero passar uma imagem de soberba, mas creio que a minha performance de palco dentro d'A Chave do Sol, era a mais frenética, normalmente e por tal fator que tornou-se visível, eu criei uma fama entre certos agentes da mídia e também entre os fãs da nossa banda, que eu seria um suposto "seguidor" do baixista do grupo de Heavy-Metal, Iron Maiden, um rapaz chamado, Steve Harris. Eu entendia quando esses comentários surgiam, e chegou-se em um ponto onde na mídia escrita, essa referência fora comentada como uma verdade absoluta, mas internamente, eu sabia que tais comentários referiam-se ao fato de que eu mantinha uma performance muito frenética no palco, por exagerar muito na mise-en-scené, e nesse caso, como consequência, associarem-me ao baixista britânico, que também era reconhecido como um artista que apresentava tal tipo de performance no palco. Todavia, na prática, era um absurdo tal comparação, pois eu jamais gostei de Iron Maiden, nem ao menos do Heavy-Metal como um todo, e toda a minha formação Rocker, fora baseada em estéticas oriundas dos anos sessenta e setenta. Tive inclusive, problemas com esse tipo de autoafirmação pessoal, que comentarei no momento oportuno. Todavia, de volta ao tema, apesar de agitar muito no palco, eu concordava que a banda precisava de um ajuste, para buscar algum elemento novo em termos coreográficos, para chamar a atenção ainda mais, quiçá a traçar uma diferenciação em relação à outras bandas.
Então, decidimos criar algumas coreografias específicas para alguns momentos do show. Sem dinheiro para contratar um coreógrafo profissional ou cursar aulas de dança, reunimo-nos e criamos alguns movimentos básicos, que gerou um efeito visual chamativo em pontos especiais observados em algumas músicas, e concomitantemente a isso, programamos explosões com pólvora para sincronizar tais movimentos. A criação de tais coreografias, foi coletiva. Apenas o Zé Luiz detinha uma certa supremacia no assunto, ainda que muito indiretamente, pois ele houvera iniciado e interrompido a seguir, o curso de educação física em uma faculdade, antes de entrar n'A Chave do Sol, em 1982. O que teve a ver ? Ao menos, ele comandava uma sessão prévia de aquecimento e alongamento antes dos ensaios, para não contundirmo-nos... 

Enfim, a criação das coreografias foi inteiramente coletiva e livre, mas chegamos, por incrível que pareça, a um resultado interessante, ao considerar-se termos sido completamente leigos nesse assunto. Tratou-se de evoluções simples, baseadas em marcações dentro de momentos estratégicos e por nós escolhidos das músicas, onde cruzaríamos o palco, cada um para um lado, com a certeza de que não trombaríamos uns com os outros, e o Zé Luiz usaria movimentos de braços, ao cruzar as baquetas (efeito que ele já realizava muito bem, como malabares), para acompanhar os outros três. E, sob um segundo movimento, dávamos piruetas sincronizadas, em um determinado momento energético da música, "Ufos", um de cada vez e sincronizadamente, para causar um efeito visual bastante instigante. Na questão da pirotecnia, o próprio Zé Luiz (quem mais poderia colocar a mão na massa, a não ser o "professor Pardal" da banda ? ) criou o sistema, que era bastante mambembe sob o aspecto da simplicidade, mas funcionou perfeitamente ! 

Mediante latas de achocolatados; fios elétricos e plugs, as explosões eram provocadas com o advento de pólvora, e o curto circuito provocado pela inversão das polaridades nos fios condutores, acionado por um interruptor, idêntico ao de luminárias caseiras. Ao ver-se o aparato, parecia uma brincadeira de criança, ou experiência escolar de uma "Feira de Ciências", mas na hora dos shows, funcionava perfeitamente. Dessa maneira, fomos ao Buso Palace munidos dessas novidades, que contarei a seguir, com maiores detalhes.

Continua...