sábado, 30 de outubro de 2021

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 72 - Por Luiz Domingues

O esforço para promovermos o grande resgate do nosso velho material de 1976/1977, prosseguiu com entusiasmo. E nessa altura dos acontecimentos, Wilton Rentero e Osvaldo Vicino já haviam me mostrado algumas boas ideias de riffs para músicas novas, ou seja, a possibilidade de que tal trabalho ultrapassasse as fronteiras do resgate, apenas, já se mostrava muito plausível, porquanto, eu gostara bastante do material que me apresentaram a conter uma clara identidade sessenta-setentista, ou seja, seriam músicas novas, mas com total sincronia com o espírito vintage da nossa banda

Da esquerda para a direita: Eu (Luiz Domingues), Wilton Rentero e Osvaldo Vicino, nas dependências do estúdio Lumen, localizado no bairro da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo. 3 de outubro de 2021. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Mara

Dessa forma, a minha percepção pessoal sobre essa questão certamente assumira um duplo viés e em ambas circunstâncias, com satisfação da minha parte, pois além de resgatarmos as raízes da nossa banda, ficara claro que o material inédito criado em 2021, haveria de ter o mesmo comprometimento estético e por conseguinte a demarcar o que todo leitor da minha autobiografia já tomou conhecimento amplamente a respeito da minha formação artística pessoal, anseios e comprometimento com a causa. 

Flagrantes do ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen, de São Paulo em 3 de outubro de 2021. Na primeira foto, eu (Luiz Domingues) a comandar a "selfie" e Wilton Rentero ao fundo, a tocar guitarra. Na segunda, Osvaldo Vicino se prepara para ensaiar. Clicks e acervo: Luiz Domingues 

Sobre as músicas "clássicas" do Boca do Céu, nós trabalhos para dar corpo à maioria, visto que só nos lembrávamos de meros fragmentos das canções originais. Nesse sentido, nos esforçarmos para manter o espírito da época em que as concebemos inicialmente e no quesito das letras, em alguns casos, tirante a genialidade que o Laert já possuía naquela época, as letras que escrevemos guardavam uma dose de ingenuidade infantojuvenil natural bem grande, certamente, portanto, o Osvaldo criou complementos para podermos fechar as canções em 2021, com essa preocupação de manter esse caráter pueril observado nos poucos trechos originais dos quais nos lembramos, quarenta e quatro anos depois. No entanto, tais complementos foram feitos para conferirmos um corpo às canções, mas totalmente passíveis de modificações, principalmente da parte do Laert, a posteriori, essa foi a intenção.  

Na primeira foto, Osvaldo Vicino toca enquanto aguarda o início do trabalho. Na segunda, Wilton Rentero nos leva de volta aos anos setenta, ao evocar a simbologia que nos norteara naquela ocasião e na terceira, eu (Luiz Domingues), Wilton Rentero e Osvaldo Vicino nos confraternizamos no instante pós-ensaio. Ensaio do Boca do Céu no estúdio "Mecanix", localizado no bairro da Vila Sonia, na zona sudoeste de São Paulo, no dia 10 de outubro de 2021. Click e acervo (Luiz Domingues (Fotos 1 e 2). Acervo e cortesia: Wilton Rentero Click: Leandro (3)

E assim, ensaiamos no dia 3 de outubro no estúdio "Lumen", localizado no bairro da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo. Na semana seguinte, dia 10 de outubro de 2021, visitamos o estúdio "Mecanix", este localizado na Vila Sonia, zona sudoeste da cidade e no dia 17 de outubro, voltamos ao estúdio "Armazém", localizado no bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo.

Wilton Rentero prepara a sua guitarra antes do início do trabalho. Osvaldo Vicino a tocar durante o ensaio. Ensaio do Boca do Céu no estúdio "Armazém", localizado no bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo. 17 de outubro de 2021. Clicks e acervo: Luiz Domingues

Nessa altura, já tínhamos seis músicas com um corpo e mapa definidos, linhas melódicas e letras provisórias a conter os fragmentos setentistas com complementos, alguns solos já encaminhados, linhas de baixo em construção e nesse bom embalo, iniciamos o trabalho de resgate da sétima canção, no caso, a emblemática "Revirada", que nos rendera um prêmio em 1977, conforme eu já narrei através dos capítulos iniciais dessa minha história com o Boca do Céu.

Foi quando eu tive a ideia, dada a oportunidade de estarmos geograficamente a poucos quarteirões da minha antiga residência nesse mesmo bairro, de visitarmos a rua em que ela se localiza e tirarmos algumas fotos na fachada dessa casa em que ali tanto ensaiamos juntos no ano de 1977. Ótima ideia, os colegas aceitaram de imediato a proposta. Saímos do estúdio "Armazém" e em menos de cinco minutos, estacionamos os nossos respectivos carros na porta da habitação.

Na primeira foto, Osvaldo Vicino e eu (Luiz Domingues). Na segunda, eu e Wilton Rentero e na terceira, Wilton Rentero, eu (Luiz Domingues e Osvaldo Vicino. Reunião pós-ensaio do Boca do Céu na fachada da minha antiga residência localizada no bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo na qual o Boca do Céu, mediante o trio retratado acima e mais Laert Sarrumor e Fran Sérpico, ensaiou muito nos idos de 1977. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Clicks: Wilton Rentero (1e 3) e Osvaldo Vicino (2)

Incrível, a aparência do imóvel se apresentava inalterada, a não ser por uma grade de proteção que foi colocada sobre o portão da entrada lateral que direciona à edícula e na qual usávamos como um estúdio improvisado em 1977. Tirante tal modificação naturalmente decorrente da parte do atual morador e de seu vizinho, com o fator da segurança, estava tudo absolutamente igual, tal qual nos anos últimos anos da década de setenta em que ali vivi e que servira de base de ensaios para o Boca do Céu. 

Assim que postamos as fotos no grupo de WhatsApp, Laert Sarrumor se manifestou com muita emoção pelo ocorrido e a lastimar não ter estado conosco para estar registrado conosco nas fotos e claro que eu lhe disse que outras oportunidades ocorreriam nesse sentido.

Continua...

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Autobiografia na Música - Kim Kehl & Os Kurandeiros - Capítulo 155 - Por Luiz Domingues

Eis que chegou o dia do mega evento que a Webradio Stay Rock Brazil programara para homenagear o histórico grupo de Rock, Made in Brazil. E nesse contexto, Os Kurandeiros foram inseridos, não apenas pelo fato da nossa relevância adquirida no meio, a justificar o convite por si só, mas também pela ligação seminal que mantemos com tal banda decana, haja vista que o nosso guitarrista e fundador/aglutinador, Kim Kehl, foi membro durante muitos anos também do Made in Brazil e daí, haver esse elo em termos de árvore genealógica. 

Nesses termos, eu devo acrescentar que se já entrara para a árvore genealógica dos Mutantes por conta da minha participação na formação da Patrulha do Espaço, quando ingressei na formação d'Os Kurandeiros, automaticamente também passei a fazer parte da árvore do Made in Brazil, portanto, se revelou como um motivo de orgulho para a minha trajetória na música, estar marcado na história do Rock paulista e brasileiro, mediante a ligação com duas bandas tão importantes e que influenciaram-me desde os anos setenta, sem dúvida alguma.

Preparamos a nossa participação bem antes, é verdade, para cumprir o cronograma da produção do evento, sob a orientação da produtora musical, Gigi Jardim.

Portanto, foi com muito prazer que nós, Os Kurandeiros, filmamos ao vivo uma leitura da música: "Mickey Mouse, A Gata e Eu", do Made in Brazil para selar a nossa participação no mega evento que homenageou tal histórica banda pela Webradio Stay Rock Brazil, no evento que foi ao ar nos dia 25 e 26 de setembro de 2021. A nossa aparição se deu no dia 25, o primeiro dia do evento.

Tal canção que interpretamos está presente no álbum: "Minha Vida é Rock'n' Roll", lançado em 1981 pelo Made in Brazil e nessa época, o nosso guitarrista, Kim Kehl era componente da formação dessa tradicional banda e a gravou, portanto. Nesta versão que filmamos, o Kim inclusive usou a mesma guitarra Fender Stratocaster que utilizara para gravar tal canção em 1981.
Na prática, essa música é uma releitura que o Made in Brazil gravou da canção composta em 1961 por Allen Toussaint (que usou o pseudônimo "Naomi Neville") e gravada pela primeira vez por Ernie K-Doe no mesmo ano, chamada como: "A Certain Girl". 
A sua versão internacional mais famosa no âmbito do Rock, talvez seja a de 1964, mediante a gravação da banda britânica, "The Yardbirds", ainda com o guitarrista Eric Clapton em sua formação. Em 1980, o cantor Pop Warren Zevon a regravou, a resgatar o seu sabor original mais a pender para o R'n'B e fez sucesso midiático na ocasião. 
 
Nota-se a presença do guitarrista, Kim Kehl, no canto esquerdo da foto que ilustra a capa do álbum "Minha Vida é Rock'n' Roll", lançado em 1981 pelo Made in Brazil
 
Um ano depois, 1981, o Made in Brazil fez a sua versão para o português e usou da licença poética para mudar o seu título e adaptar melhor o seu entendimento para a nossa língua e cultura.
 
E agora, 2021, eis que a nossa versão singela foi gravada ao vivo, para prestarmos o merecido tributo ao Made in Brazil, na comemoração pelos seus 54 anos de existência, uma marca impressionante para uma banda de Rock genuína em qualquer lugar do planeta, convenhamos.
 
Filmado no estúdio Mad do bairro da Lapa em São Paulo, no dia 9 de agosto de 2021. Filmagem: Juja Kehl e Lara Pap. Edição final: Kim Kehl. Apoio: Webradio Stay Rock Brazil. Produção geral do evento: Gigi Jardim. No ar em 25 de setembro de 2021.
Eis o link para assistir no YouTube:
 
No mesmo dia em que participamos de tal evento pela Webradio Stay Rock Brazil, por pura coincidência, uma outra música nossa foi veiculada em uma outra emissora coirmã, no caso, a Webradio Crazy Rock, que colocou no ar através do seu programa "Só Brasuca", a música: "Sonhos & Rosquinhas"
Portanto, foi um dia com fortes emoções radiofônicas para a nossa banda e por conta dessa movimentação, nós resolvemos aguardar um momento mais propício para o lançamento do nosso novo álbum, que nessa altura, já havia chegado da fábrica.
Continua...

domingo, 24 de outubro de 2021

Autobiografia na Música - Kim Kehl & Os Kurandeiros - Capítulo 154 - Por Luiz Domingues

Foi então que mais um convite para que participássemos de um evento de rua, surgiu para Os Kurandeiros. Tratou-se de um evento organizado pelo grupo "Muído" e marcado para acontecer as ruas da Vila Pompeia, o tradicional e simpático bairro da zona oeste de São Paulo. 

Flagrantes da apresentação d'Os Kurandeiros sob a lente do grande fotógrafo, Marcos Kishi. Kim Kehl & Os Kurandeiros no Festival Pet Family de São Paulo em 19 de setembro de 2021. Click, acervo e cortesia: Marcos Kishi

Anunciado inicialmente como um festival voltado às causas animais em geral, o "Pet Family" na verdade não foi uma feira montada para atender apenas os produtos oferecidos para atender as necessidades dos animais domésticos, pois, na prática foi uma feira de rua normal, com barracas montadas para ofertar a gastronomia em geral, artesanato e espaço de shows para animar a manhã e tarde do quadrante a envolver a Praça Daniel Berciano VillaSol.

Inevitável que eu não me lembrasse da minha relação pessoal com essa praça, haja vista que nos longínquos anos sessenta os meus avós maternos moraram quase na esquina dessa praça, na rua Ministro Ferreira Alves e nessa época, exatamente nessa mesma praça citada, havia uma feira livre aos sábados, que eu frequentei muitas vezes com o meu avô e ali no cotidiano, falo sobre 1966, havia o ponto inicial da linha de ônibus "Pompeia-Ipiranga", muito tradicional na cidade, a unir bairros muito distantes entre si e naturalmente a ter como trajeto, uma rota muito interessante ao passar por muitas ruas e avenidas importantes, incluso a Avenida Paulista. 

Eu (Luiz Domingues), na primeira foto e Carlinhos Machado, na segunda). Kim Kehl & Os Kurandeiros no Festival Pet Family de São Paulo em 19 de setembro de 2021. Clicks, acervo e cortesia: Léo Cabrera

Eu já havia comentado sobre a sensação boa de tocar perto da casa dos meus avós, em outros capítulos a envolver Os Kurandeiros e também com trabalhos avulsos, quando de participações minhas em festivais de rua, mas desta vez, a praça em si me aproximou ainda mais do velho sobrado dos meus velhos e intensificou esse sentimento bom de estar ali, quase sessenta anos depois a tocar Rock'n' Roll, bem nas barbas do meu querido avó, que me dizia detestar os cabeludos em 1966, quando íamos juntos à feira, contrariado por ouvir o som de tantas bandas que ensaiavam aos sábados pelas imediações. 

Pois então, respeitosamente a contrariar o meu saudoso e querido vovô, lá estive eu em 19 de setembro de 2021, bem grisalho, com quase a idade que ele mesmo tinha quando ali caminhávamos juntos e por ironia do destino, a me apresentar como um Rocker cabeludo como ele tanto se sentia contrariado em conviver nos anos sessenta.

Na primeira foto, uma panorâmica da banda em ação e na segunda, Kim Kehl em destaque. Kim Kehl & Os Kurandeiros no Festival Pet Family de São Paulo em 19 de setembro de 2021. Clicks, acervo e cortesia: Léo Cabrera

Bem, tarde quente de fim de inverno, a se parecer com um tórrido dia de verão, marcava quase 36º nos relógios de rua quando eu cheguei ao local. Praça cheia, as pessoas estavam bastante empolgadas com a possibilidade de afrouxamento das regras sanitárias, ao se sentirem mais seguras, haja vista que grande parte já estava vacinada com duas doses contra a Covid-19. 

Claro, mesmo assim, eu particularmente ainda não me sentia à vontade em 100% com a situação. O máximo da transgressão que eu cometi foi tirar a máscara pois achei que fosse cantar, entretanto, com a presença de apenas três microfones disponíveis para a apresentação, eu resolvi abortar a missão ao ceder o meu microfone ao Carlinhos, que de fato, cantava em muito mais músicas do que eu, normalmente ao seguir o set list proposto. 

Tocamos muitas músicas novas do disco que ainda não estava nem pronto para a venda na ocasião, ainda a estar no seu processo de fabricação. Algumas dessas novas canções, como: "São Paulo" e "Viagem Muito Louca" tem arranjos mais sofisticados e talvez não soassem a contento em um equipamento mais simples de PA, mas nós arriscamos e ficou bem razoável a performance e boa a receptividade do público.

Os Kurandeiros ao vivo no Festival Pet Family de São Paulo. 19 de setembro de 2021. Filmagem: Lara Pap

Eis o link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=Oggy7_La2WY

Tocamos também uma homenagem ao veterano grupo de Rock, Made in Brazil, com a nossa versão da música: "Mickey Mouse, a Gata e Eu",cuja versão sobre a nossa interpretação também estava para ser lançada oficialmente pela Webradio Stay Rock Brazil.

Continua...

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Ele Seguiu, Simplesmente... - Por Luiz Domingues

 

Astrófilo Birafa tinha desde pequeno um incômodo natural por conta do seu nome e sobrenome, ambos bastante exóticos, que certamente lhe causara constrangimentos por conta da estranheza sonora e ortográfica. Para tentar neutralizar tais reações tão negativas ele costumava usar o apelido de "Astro" para amenizar o impacto. Infelizmente, esta alcunha também gerava especulações desagradáveis que o incomodavam, portanto, nesse quesito da sua identificação pessoal no âmbito social, ele jamais foi feliz.

Para piorar o seu infortúnio, ele perdera os pais muito cedo, foi criado por avós que também já haviam partido e era filho único, portanto, tirante alguns poucos tios e primos com os quais ele nunca teve amizade, era um solitário contumaz.

Resignado também com a falta de estudos e consequente impossibilidade de arregimentar uma melhor condição de vida, trabalhava em uma corretora de seguros em um cargo baixo e no caso, o seu serviço era o do atendimento telefônico direto com os segurados, no período de 16 às 2 horas da manhã. 

Humilde por natureza e sem nenhum prestígio, ele se acostumara a aceitar o que lhe impunham e dessa forma, sem poder barganhar com a chefia a possibilidade de poder cumprir um horário mais adequado à sua humilde condição social, ele aceitou a imposição e se acostumou com a ideia de ter que voltar para a sua casa durante a alta madrugada e a depender de condução pública, certamente precária, mediante tal horário insalubre. 

Tirante os perigos noturnos óbvios, ele aprendeu a se esquivar de certas situações e assim, quando percebia alguma aproximação suspeita perto do ponto de ônibus, descobrira um esconderijo improvisado em um espaço sob recuo de um residência próxima e ali se escondia até a rua ficar deserta novamente.

Noite após noite, ali ele passou por frio & calor, sono & cansaço, fome & sede, crises de dores as mais diversas, se esquivou de chuvas torrenciais, se acostumou com a presença de gatos e cachorros de rua, também dos pássaros específicos de cada estação do ano ali a emitirem os seus cantos característicos, eventuais brigas familiares a irromperem nas residências do entorno, carros em manobras perigosas sob altíssima velocidade e pilotados por garotos bem-nascidos e malcriados, eventuais sirenes com carros de polícia, bombeiros ou ambulâncias sob frenesi etc. 

No entanto, o que mais lhe marcou nessas centenas de madrugadas em que ele amargara a dura espera pela condução redentora que o levaria enfim sob uma relativa segurança até a sua residência, foi o fato de que o ônibus funcionava com bastante pontualidade, ainda bem, ao passar ali naquele ponto, todo dia às 3 horas da manhã. Tanto era assim, que por volta de 2:55 horas, já era possível ouvir o ronco do seu motor a se deslocar na mesma rua, mesmo sob uma razoável distância a demarcar diversos quarteirões anteriores.

Tal ruído do motor era sempre motivo de alento e quando já se mostrava visível a cerca de 50 metros, Astrófilo fazia o clássico sinal gestual a solicitar a entrada no veículo. Noite após noite, era sempre o mesmo motorista que o dirigia e assim que entrava no ônibus, ele o cumprimentava, embora o condutor jamais tenha lhe respondido a saudação respeitosa. Tudo bem, cidade grande, as pessoas tendem a se portarem de forma fria, sem gentileza alguma no trato pessoal. Mesmo assim, ele repetia esse ritual todo dia, talvez como uma forma de expressar o seu agradecimento ao motorista, pois, pelo menos em sua percepção pessoal, esse senhor representava alguém importante na sua vida, ainda que de uma forma completamente aleatória.

Tanto foi assim, que Astrófilo elucubrou que após tantos anos a repetir essa rotina, mesmo que o motorista jamais tenha respondido o seu cumprimento, seria algo óbvio que este o conhecia também e sabia muito bem que ele, "Astro", dependia muito daquela condução por estar regularmente ali naquele ponto a aguardá-lo em tal horário tão desconfortável por pura necessidade e não por uma escolha a esmo.

Entretanto, eis que um dia o imponderável aconteceu. No mesmo horário de sempre, dentro da mais regular rotina, a faltar cinco minutos para as três horas da manhã, Astrófilo ouviu o ruído do motor ao longe. Ele levantou-se assim que enxergou os faróis do veículo na esquina anterior e a faltar os mesmos cinquenta metros de sempre, sinalizou com o seu braço, para que o veterano motorista parasse e o deixasse embarcar no coletivo. Contudo, eis que o condutor não reduziu a velocidade do seu bólido e simplesmente não freou para que Astrófilo pudesse nele embarcar.  

Assim que passou incólume, o motorista olhou de uma forma fria para Astrófilo e simplesmente seguiu adiante. Alegar que não vira ninguém no ponto a sinalizar para ele, teria sido uma inverdade, portanto, o que teria justificado a atitude tão despropositada da sua parte? E ainda mais pela condição que havia, ainda que muito velada, sobre ambos serem "conhecidos" entre si, há tantos anos.

Talvez se fosse um outro motorista, Astrófilo teria perdido a cabeça e esboçado correr atrás do ônibus, gritado e até xingado, mas ele se limitou a permanecer atônito, a mirar o ônibus que seguiu a sua viagem. E se aquele ônibus das três da manhã era cansativo para ele, o que dizer sobre ter que amargar mais duas horas de espera, pelo próximo, que só passava às cinco? 

O senhor grisalho, condutor do ônibus das três, não sabia disso?

domingo, 17 de outubro de 2021

Autobiografia na Música - Kim Kehl & Os Kurandeiros - Capítulo 153 - Por Luiz Domingues

Enquanto esperávamos pelo novo disco ficar pronto na fábrica, eis que tivemos muitas inserções midiáticas interessantes entre agosto e setembro de 2021.

Por exemplo, a rádio Nova Cultura FM de Botucatu-SP, programou  uma reprise do especial com Os Kurandeiros e que foi ao ar em 29 de agosto de 2021. Foi muito bom recebermos a notícia que essa reprise fora motivada por pedidos de ouvintes, certamente.

Dois dias depois, em 31 de agosto de 2021, o programa que eu estava a apresentar na Webradio Orra Meu, "Eu Recomendo com Luiz Domingues" seguiu em sua terceira edição e desta vez eu incluí uma canção d'Os Kurandeiros, "Faz Frio", com direito a uma breve explanação sobre como eu enxergava essa canção em termos de estilo e estética.

Em mais dois dias, 2 de setembro de 2021, um outro programa do qual eu estava a elaborar a sua playlist, chamado: "Quinta Rock Brasil" (Rádio Clube do Rock FM 87.9 de Colatina-ES), também tocou a música,"Faz Frio", por sugestão minha. 

Em 4 de setembro de 2021, a Webradio "Rock in Love" anunciou que várias músicas d'Os Kurandeiros entraram na sua programação regular, ou seja, foi mais uma surpresa boa e desta feita, ao se comparar com as que eu elenquei acima, absolutamente espontâneas.

E eis que o produtor do programa, "Quinta Rock Brasil" (Abdalla Kilsam), cuja playlist estava a ser elaborada por eu mesmo (Luiz Domingues), estabeleceu um acordo (e foi por pura coincidência) com a webradio Orra Meu, em que eu também estava com um programa e assim, duas reprises do "Quinta Rock Brasil" passaram a ser veiculadas nessa outra emissora e assim, "Faz Frio" tocou nos dias 9 e 16 de setembro de 2021, para fecharmos o inverno desse ano em grande estilo!

Continua...

sábado, 9 de outubro de 2021

O Complexo e o Simples - Por Telma Jábali Barretto

Olhando rápido e de pronto parecem somente opostos ... e ... como não perceber suas similaridades e igualdades, por isso mesmo como não encantar e parar para entender sua beleza tão absolutamente natural e aí está a complexidade simples ou...simplicidade complexa. Não, não é puro jogo de palavras... Não do nosso sentir mas, sendo, talvez, um certo deslumbramento diante das subjetivações, das entrelinhas realçadas... 

É possível ver, constatar na própria natureza, no curso dos fatos comuns ou mesmo complexos como no trânsito, na observação de nossos processos de assimilação indo do aprendizado, já mais difícil, até com a realidade experimentada no corpo físico quando reage, responde, regenera e cura e mesmo se pouco atentamos, quantos milagres deixamos de presenciar, reverenciar e agradecer!!!

Verdadeiros fluxos num alinhar que, em meio a diferenciações das lapidações, quase sempre doloridas, assim como como no burburinho colorido e agradável entre iguais, tomam forma num avolumar e minguar muitas vezes fazendo pouco sentido que, criam, acalmam, agitam, levantando ondas ou serenando num apaziguar de se desfazer na praia, num fecho, deixando marcas forjadas pelos movimentos alternados entre aquietares e badalares num curso que teve sua duração em meio a dores e festejos que o tempo respeitou, acalentou e permitiu para que os ganhos e perdas relativos imprimissem passagem que, essa sim! Indelével!!! 

De uma a outra estação, no florescer de um botão, no despertar de uma alma, no transitar da infância até à velhice, segue, seguiu e seguirá como e igual entre o adoecer e o restabelecer (mesmo que o restabelecer, ainda que pareça estranho, seja num outro plano da existência...?!...) toda uma trajetória, etapas e etapas fizeram história nas respectivas batalhas, esforços e pausas e assim, viemos transpondo entre a complexidade dos desafios sempre recheados, impregnados de germinares, brotares e despontares espontâneos acontecendo nesse fluir proposto muito além nossa mais fértil imaginação conduzidos, inseridos e acontecidos nesse Maha Lila, cenário grandioso e natural desse vir a ser da própria Vida. 

Como não reconhecer e reverenciar essa inteligência, esse pulsar?!... Grata pela percepção acessada ininterruptamente, gratidão por ser parte... ... ... Na mas tê!!!

Telma Jábali Barretto é colunista fixa do Blog Luiz Domingues 2. Engenheira civil, é também uma experiente astróloga, consultora para a harmonização de ambientes e instrutora de Suddha Raja Yoga. Nesta reflexão, ela nos fala sobre a questão ambivalente em torno do dos aspectos em torno dos conceitos sobre o complexo e o simples.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 71 - Por Luiz Domingues

Tivemos um hiato de ensaios por algumas semanas, decorrente do conflito de agendas que os membros do trio das cordas da nossa banda tiveram entre si, mas eis que nos reencontramos em 22 de agosto de 2021, para um ensaio realizado no estúdio "Mecanix", com este espaço a estar localizado no bairro da Vila Sônia, na zona sudoeste de São Paulo. 

Nessa altura, já tínhamos um número de músicas resgatadas com uma estrutura de mapa, a caracterizar o esqueleto para seguirmos em frente com uma eventual fase de arranjos mais delineados no sentido do acabamento de fina sintonia. 

Algumas letras foram acrescidas de novas estrofes, principalmente pelo Osvaldo Vicino, exatamente para completarem os poucos fragmentos dos quais nos lembrávamos vagamente e assim a viabilizar o fechamento das canções, 45 ou 44 anos depois de escritas originariamente, a depender de cada peça.

Eu (Luiz Domingues), em uma "selfie involuntária", quando preparava a câmera do telefone para filmar uma execução de música durante o ensaio, mas que culminou em foto, mesmo. Ensaio do Boca do Céu no estúdio "Mecanix" da Vila Sônia, zona sudoeste de São Paulo. 22 de agosto de 2021. Click (Selfie) e acervo: Luiz Domingues

Nesse sentido, já tínhamos as seguintes músicas bem encaminhadas dentro do resgate: "Serena", "O Mundo de Hoje", "Centro de Loucos", "Diva" e "Mina de Escola".

Na primeira foto, Wilton Rentero se prepara para iniciar o ensaio. Na segunda, Wilton Rentero e Osvaldo Vicino na preparação das guitarras e eu (Luiz Domingues), a comandar a "selfie". Ensaio do Boca do Céu no estúdio "Armazém", do bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo, em 5 de setembro de 2021. Clicks e acervo: Luiz Domingues 

O próximo ensaio ocorreu novamente no estúdio "Armazém", localizado no bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo, a demarcar a volta do rodízio bem estruturado para beneficiar um membro a cada vez e assim, em 5 de setembro de 2021, avançamos mais um pouco.

Na primeira foto, Wilton Rentero a mexer no seu amplificador. Na segunda, Osvaldo Vicino a se preparar para o ensaio e na terceira, a confraternização final pós-ensaio, com a minha presença (Luiz Domingues, com camisa azul), Wilton Rentero e Osvaldo Vicino. Ensaio do Boca do Céu no estúdio "Mecanix" do bairro da Vila Sônia, na zona sudoeste de São Paulo. 12 de setembro de 2021. Fotos 1 e 2 com clicks e acervo de Luiz Domingues. Foto 3: Acervo e cortesia de Wilton Rentero e click de Leandro, proprietário do estúdio

E na semana subsequente, em 12 de setembro de 2021, voltamos ao estúdio "Mecanix" da Vila Sônia e além das canções anteriormente citadas, trabalhamos e avançamos também com a balada, "O Que Resta é a Canção", que de fato, ganhou um contorno muito interessante, que certamente nós não conseguiríamos elaborar em 1977, mas dada a nossa condição bem mais avantajada de 2021, ficou absolutamente viável e eu, Luiz, fiquei impressionado com a feição que a canção alcançou, com ares setentistas com os quais sonhávamos executar, mas que devido às parcas condições técnicas que tínhamos naquela década, não conseguimos empreender na ocasião. Portanto, foi mais uma alegria para todos nós que, 44 anos depois, pudemos nos reunir para colocar em prática tal resgate.

Continua...