quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Ruídos que Antecedem Acontecimentos - Por Luiz Domingues



Quando se está a começar a interagir com o mundo, uma fator é ponto pacífico: tudo gera estupefação no pequeno ser que a tudo observa e nada entende. 
 
No entanto, não demora muito para que as associações comecem a serem estabelecidas e assim a dar início à grande aventura semiótica do novo humano que começa a entender a mecânica da vida propriamente dita.
 
E claro que as sensações advindas dos cinco sentidos básicos mantém o fator preponderante nesse aprendizado. Pensando no aspecto da audição, todos os ruídos chamam-nos a atenção e dessa forma, rapidamente passamos a animar ou desanimarmo-nos ante previsões que aprendemos a estabelecer. 
 
Como por exemplo, os ruídos típicos que advém da cozinha, quando pressentimos que rapidamente após ouvirmos tais sons emitidos a partir deste cômodo da cada, eis que alguém, geralmente a mamãe, vai trazer-nos a mamadeira, ou a papinha e isso é bom demais, naturalmente.
Mas as percepções auditivas vão muito além.

Todos os barulhos produzidos pelos adultos na casa são códigos importantíssimos que vamos a absorver com voracidade e engraçado, quando crescemos e observarmos os bebês, a nossa visão como adulto muda e esquecemo-nos de como era essa percepção em sua totalidade, como se apagássemos tais registros e certamente os psicólogos infantis e talvez até os antropólogos tenham teorias bem embasadas para explicar tal fenômeno. 
 
Pois quando olhamos para os bebês, tendemos a imaginar o que passa-lhes pela cabeça naqueles meses iniciais que vivem sob um torpor irracional, movido a instintos e sensações difusas sobre a existência, mas esquecemo-nos completamente de nuances que nos foram enriquecedoras nesse mesmo processo, quando as vivenciamos.
O “ring” do telefone, que logo associamos a algo importante, visto a atenção e muitas vezes preocupação com a qual os adultos expressam em seus semblantes quando falam no tal aparelhinho, mesmo caso de como muitas vezes ficam sérios diante de rádio e TV, e logo associamos que tais máquinas trazem consigo, preocupações, ao verificarmos os adultos com seriedade, a prestarem atenção neles. 
 
E claro, como tais aparelhos também os fazem rir e entoar sons chamativos que em breve saberemos tratar-se de algo conhecido como: música.
E o choro... que para nós enquanto bebês, representa o ato supremo de uma reclamação e pode ser por qualquer motivação, incluso as mais pueris, mas quando vemos um adulto a chorar, parece algo muito mais profundo que uma contrariedade efêmera, sendo contudo algo que denota seriedade e nesse caso, não adianta... são aspectos que só iremos compreender bem mais para a frente.

Há a questão da campainha residencial e quase sempre após esse som súbito e irritante pelo susto proporcionado, vem uma novidade. Pessoas diferentes que chegam, mais barulho, risadas... ou não necessariamente, pois há ocasiões em que nada acontece aparentemente e só daqui a alguns meses você vai entender que o carteiro vem sistematicamente à sua casa para entregar boletos bancários ou o medidor da companhia de energia elétrica precisa fazer o seu trabalho no relógio de consumo da sua casa.
O barulho do chuveiro é algo interessante, mas não mais que o vapor que vemos quando o adulto abre a porta do banheiro e aquilo também é chamativo e de certa forma, engraçado.

Bem, nasci em 1960, não vou citar computadores, celulares, tablets & afins, naturalmente...
Mas não importa a época e os recursos tecnológicos disponíveis no momento, porque todo ruído em volta do bebê, traz uma carga de aprendizado incrível e assim começamos a entender o mundo. 
 
E não se esqueça, ou melhor, tente relembrar de sua própria experiência pessoal como bebê, quando for cuidar do seu filho ou neto: todo ruído interessa-nos, é uma questão de instinto e acaso o seu bebê não reaja a tais estímulos, corra ao seu pediatra e faça a investigação devida, pois ele pode estar com um problema de audição, visto que o normal é ficar atento a todos os barulhos que captar e demonstrar apreciá-los, ou não.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Ambulatório do Ninja - Por Marcelino Rodriguez

Naum nunca tinha passado pelo ambulatório para se aconselhar. Seria sua primeira vez. Já havia presenciado o quanto alunos abatidos saiam de lá parecendo adquirir superpoderes. O ninja apontou a cadeira vazia e pediu que Naum sentasse, enquanto pegava uma folha de caderno escrita.

-- Tá mal, né, Gafanhoto?

-- Como o senhor sabe, mestre?

-- Todo faixa preta tem um pouco de consciência cósmica. Vamos ao ambulatório.
-- Seu caso foi nocaute de mulher, certo, Gafanhoto?

-- Certo, mestre.

-- Você quebrou. Precisa de terapia caseira – toma isso.

-- O que é, senhor?

-- Filmes. Aí tem uns dez pra você se trancar em casa. Comédia, terror, drama, suspense. Ai tem o último Tubarão. Quando você vê aquele bicho majestoso cortar as pernas de uma meia dúzia, teu testosterona vai subir. Ajuda na libido. Tem umas comédias idiotas para oxigenar os neurônios. Veja durante uns três dias e volta pro treino. Temos um campeonato a conquistar.

Naum foi para casa e durante três dias esqueceu do mundo, do governo, do Trump, do ditador da Coreia, da mulher. Ele nunca havia desconfiado do poder que é assistir ao último Tubarão. Ao fim dos três dias, tudo que pensava era em sexo. 

Marcelino Rodriguez é colunista ocasional do Blog Luiz Domingues 2. Escritor com vasta e consagrada obra, apresenta-nos aqui uma crônica leve a questionar a nossa sempre presente preocupação com a libido e as frustrações com as relações não correspondidas.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Crônicas da Autobiografia - Quase um Toque Glitter em 1983 - Por Luiz Domingues



Foto promocional d'A Chave do Sol, em maio de 1983. Click de Seiji Ogawa

Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol, no primeiro semestre em 1983...

Estávamos a lutar com muito empenho, a visarmos sair do completo anonimato exercido para qualquer banda sem recursos a dar os seus primeiros passos na carreira e dentro desses limites ainda estreitos, a contar, proporcionalmente, com um momento de expansão incrível. 
 
Isso porque, do primeiro show oficial da nossa banda, em setembro de 1982, até esse ponto entre fevereiro e abril de 1983, havíamos passado de uma série de espetáculos em casas de menor expressão, para cumprir uma temporada em um espaço de shows dos mais badalados da noite paulistana, com forte frequência de artistas, produtores musicais, gente do mundo fonográfico e do jornalismo cultural, fora a presença massiva da jovem burguesia da pauliceia. 
 
O grande “boom” da nossa banda ocorreria alguns meses depois quando as portas da TV revelaram-nos ao grande público, é bem verdade, mas esse “momentum” de fevereiro a abril de 1983, marcou-nos pelo primeiro pico de euforia ante os sinais de progresso iniciais que experimentávamos.
A Chave do Sol em temporada nas noitadas badaladas do Victoria Pub de São Paulo, entre fevereiro e abril e 1983

Todavia, ao mesmo tempo em que vivíamos tal euforia por estarmos nessa aura de expansão e glamour, ao tocarmos nessa casa de espetáculos com contrato fixo e a interagir com artistas que estavam ou estiveram no mainstream, tivemos também o dissabor de ver a nossa incrível vocalista estar a se portar com frieza para conosco, a denotar distanciamento, pois ela emitira sinais de que deixar-nos-ia e de fato foi o que consumou-se logo que o contrato com a casa expirou. 
 
Sem a nossa vocalista que fora um achado pela sua inacreditável voz e beleza pessoal, e sem o contrato com a casa, tivemos um momento de incertezas e amargura, posso dizer, que foi breve (ainda bem) e quando fomos para a TV, poucos meses depois, tudo mudou e tal perda ficara tão pequena que não coube mais lamentos pela nossa "Tina Turner loura" ter ido embora e as noitadas a animarmos festas com atores da Rede Globo a dançarem na pista, embalados pelo nosso som, não repetirem-se mais. 
 
Entretanto, nesse breve ínterim, quando vivemos uma curva descendente e angustiante, uma proposta de reformulação surgira proveniente ainda daquelas tantas ofertas e abordagens que recebemos aos montes nos bastidores dessa casa e da parte de gente ligada em produção musical e que vira-nos em ação naquela badalação toda. 
 
Tirante os lunáticos (a maioria), que formularam propostas irreais e/ou bizarras, uma surgiu e que poderia ter sido uma solução imediata para suprir a falta de nossa ex-vocalista. Tratava-se de um artista que não sabíamos se detinha de fato dotes vocais acentuados, mas de antemão, era reconhecidamente um dançarino performático consagrado, ator e com potencial para a comédia também, pois posteriormente este ficou relativamente famoso a atuar em programas de humorismo da Rede Globo, ao compor personagens ao lado de monstros dessa vertente, tais como Chico Anysio e Jô Soares.
Dançarino/performer/ator/comediante e ex-Dzi Croquettes, Paulo César Bacellar da Silva, nome artístico: "Paulette"

Segundo o rapaz que fez a sugestão, tal artista procurava uma banda de Rock com o nosso “pique”, para buscar um espaço no mundo da música e pelo fato de ser uma figura performática, seria uma combinação explosiva a junção de sua arte como dançarino e performer, com o nosso som. 
 
Bem, o rapaz em questão chamava-se: Paulo César Bacellar da Silva, conhecido pelo nome artístico de “Paulette”, simplesmente um dos “Dzi Croquettes”. 
 
Para os mais jovens, é bom explicar que “Dzi Croquettes” foi um grupo de dança & teatro, formado no início dos anos setenta e que detinha uma forte identidade contracultural, isso é uma verdade, além de chocar a sociedade pela montagem de seus espetáculos fortemente erotizados e sob a bandeira do homossexualismo, ou seja, se hoje em dia tal postura não chega a escandalizar com o mesmo ímpeto, ali nos anos setenta, com ditadura militar a pegar fogo (ou chumbo, como queiram), ao lado dos Secos & Molhados e Edy Star, a turma liderada pelo bailarino/cantor & coreógrafo, Lennie Dale, foi o que houve de mais transgressor nesse sentido.
Capa do DVD do documentário premiado sobre a trajetória dos Dzi Croquettes, com um dos seus componentes em destaque, no caso, o/a próprio(a) Paulette

A nossa reação com a sugestão não foi com preconceito, de forma alguma, mas questionamos o que essa associação e direcionamento a ser adotado com um vocalista tão fortemente identificado com tal mote, poderia agregar ou até atrapalhar a nossa trajetória. 
 
Discutimos isso com ênfase no âmbito interno da nossa banda, logicamente. Ao analisarmos friamente, houveram aspectos pró e contra acentuados nessa possível entrada de Paulette para a nossa banda. 
 
Pelo lado bom, um artista tarimbado na dança e no teatro, absolutamente performático e “desbundado”, sob qualquer aspecto (fora ter seu prestígio pessoal muito maior do que a nossa banda reunia naquele instante), poderia ter sido um fator de expansão para nós. Portas poder-se-iam abrir na mídia, angariar simpatias imediatas, formação de opinião etc. 
 
Pelo lado negativo, pairava a dúvida, pois se Paulette era um artista experiente e consagrado pela sua atuação com os Dzi Croquettes, como “cantor”, foi uma incógnita. 
Paulette em três momentos de sua carreira: na primeira foto com os Dzi Croquettes e a ter a presença da sua madrinha na foto, a superstar norte-americana, atriz e cantora, Liza Minelli a prestigiá-los (Paulette está na parte superior da foto, sendo o mais alto). Na segunda foto, Paulette com protagonismo na novela "Dancin' Days" da Rede Globo, em 1977, a causar furor ao dançar com a personagem interpretada por Sonia Braga e na terceira, já no avançar dos anos oitenta para os noventa, a atuar nos programas humorísticos da Rede Globo

Sim os Dzi Croquettes cantavam em suas montagens teatrais. Os espetáculos eram essencialmente musicais pela obviedade da dança ser o mote maior dessa trupe, mas daí a ser vocalista de uma banda de Rock e ainda mais com os propósitos que regiam-nos, baseados na estética sessenta-setentista, requer-se-ia muito mais que alguém que cantasse afinado e dentro da pulsação & andamento, mas precisávamos de uma voz portentosa, em nível dos padrões que seguíamos em nossas influências.

Ícones do Glitter Rock britânico setentista, nas duas primeiras fotos (David Bowie & Spiders From Mars ao vivo, e Marc Bolan & T.Rex, também ao vivo, na segunda), e na mesma época, na terceira foto, artistas com a mesma proposta no Brasil, ao se mostrar uma montagem com dois atores do Dzi Croquettes + Secos & Molhados + Edy Star

Mais um outro aspecto a ser salientado, estávamos nos anos oitenta e não nos setenta. Se fosse em 1973, com a corrente do Glitter-Rock britânico a viver o seu momento de ouro e com o reflexo tupiniquim expresso nos Secos & Molhados e com Edy Star, sobretudo, teria sido uma oportunidade de ouro, sem dúvida alguma. 
 
Mas no ambiente oitentista hostil, dominado pela arrogância blasé da estética Pós-Punk, não teria sido a melhor estratégia a ser adotada. Se havia uma pequena seara simpática ao velho Glitter setentista, tal minúscula brecha residia no então em voga, “New Romantic", uma variante da "New Wave”, esta por sua vez, uma vertente mais amena do Pós-Punk, menos robótica e presunçosa, com mais colorido e bom humor, pensemos assim, apesar da fragilidade musical gritante. 
 
Mas apesar disso, tal oportunidade se mostrara temerária pela sua menor força no mercado mainstream do emergente BR-Rock em questão e sendo assim, creio que não valeria a pena o risco de ficarmos estigmatizados por um erro de estratégia, em caso de fracasso.
                  Os Dzi Croquettes em ação nos anos setenta

Mesmo assim, nós aceitamos conversar com Paulette e ouvirmos os  seus planos, é claro. No entanto, um fato novo ocorreu e não tivemos a chance de conviver com Paulette, pois a reunião foi desmarcada por ele mesmo, ao alegar um impedimento momentâneo e posteriormente nunca mais tivemos notícias suas, a não ser por vê-lo a atuar nos programas humorísticos de TV que eu citei acima. 
 
Teria sido interessante ou não A Chave do Sol ter tido Paulette do Dzi Croquettes como seu vocalista ali naquele ínterim entre o nosso ponto inicial de anonimato total e o começo da proeminência através de nossas aparições no programa “A Fábrica do Som”, da TV Cultura de São Paulo? 
 
Certamente teria sido um caminho muito diferente, para tirar-nos daquela imagem que forjamos ao grande público, ao atuarmos como trio, e a fazermos um som na linha do Jazz-Rock setentista e anacrônico aos tempos oitentistas, certamente.

Bem, eu tenho um enorme respeito pelo trabalho dos Dzi Croquettes, e diante disso, só pela cogitação, já foi honrosa ter tal hipótese de um artista com essa bagagem pessoal em nosso caminho. 

Paulette faleceu em 1993, infelizmente. 

Para encerrar o relato, esta é uma passagem obscura da história d'A Chave do Sol, que tenho certeza, nenhum fã da banda nunca imaginou ter existido, até ter lido esta crônica...

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Autobiografia na Música - Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada - Capítulo 41 - Por Luiz Domingues

Conforme eu especifiquei anteriormente, a situação da nossa formação do "Nudes" ficara em uma espécie de suspensão "sine die". 

Na verdade, o panorama que desenhou-se à nossa frente, foi mais de suspeição do que suspensão, quando notamos, ao observarmos o desenrolar dos fatos, via redes sociais da Internet, que o Ciro estava a todo vapor a empreender todos os seus esforços em prol da criação de sua nova banda, denominada: "Flying Chair". 

Falo isso no bom sentido, certamente, pois nem eu, tampouco os meus colegas, Kim e Carlinhos, nem por um segundo sequer sentimo-nos preteridos, desprestigiados ou a nutrirmos qualquer tipo de ressentimento, mesmo por que se o houvesse, seria descabido. 

Isso por que o Ciro não recrutou novos músicos para formatar o Nudes à nossa revelia, mas simplesmente optou por formar uma banda em paralelo, com outra sonoridade e outro nome, portanto, nós que éramos Os Kurandeiros e tínhamos a nossa própria banda em paralelo, igualmente, jamais poderíamos reclamar de tal predisposição semelhante, adotada por ele. 

Mesmo por que, os próprios Kurandeiros desdobraram-se em "Magnólia Blues Band" por mais de dois anos, e além disso, a nossa banda fora grupo de apoio para artistas como Edy Star e Big Chico, além de ter criado a identidade secreta de: "Os Koveiros" e o próprio 'Nudes", portanto, ver o Ciro a montar o "Flying Chair" tornou-se algo muito natural para a nossa percepção e ao irmos além, gostávamos (gostamos) dos guitarristas, Chico Marques e Claudio "Moco" Costa, com os quais interagimos algumas vezes (com o "Moco", muitas vezes ele fora nosso convidado da Magnólia Blues Band e dos próprios Kurandeiros, por ocasião do Projeto: "Sunday Blues", realizado no "Templo Club" no início de 2016).

Ótimos guitarristas e pessoas gentis, eram componentes da banda Pop-Rock, "8080", cujo primeiro álbum eu tive o prazer de resenhar no meu Blog 1. Veja a resenha, através do Link abaixo:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/search?q=8080

Em suma, estávamos a par de toda a movimentação de Ciro, Chico & Claudio e a comunicação do Ciro via E-mail, nesse ínterim, dizia sobre o Nudes entrar em descanso temporário etc. e tal, conforme já expliquei em capítulo anterior, inclusive. 

Mas o tempo foi a passar e a cada dia, o entusiasmo do Ciro com o seu novo projeto, fez-nos enxergar que sua energia estava 100% baseada nesse novo projeto e mesmo que houvesse intenção de sua parte de fazer algum show específico do "Nudes", como por exemplo um contratante esporádico a aparecer com a proposta de uma boa produção mediante cachê robusto que fosse, dificilmente o Ciro, empolgado que estava com a sua nova banda, pensaria em recrutar-nos para tal tarefa e o mais lógico seria usar a sua nova banda, entrosado e empolgado que estava com seus novos companheiros de trabalho.

Portanto, ficou patente que a nossa formação do "Nudes" esteve encerrada e cabe-me fazer agora, o balanço final dessa etapa pessoal da minha carreira e os agradecimentos finais, como de praxe no meu texto autobiográfico, conforme assim procedi em relação à todas as bandas por onde atuei no passado. 

Ao retroagir ao ano de 2011, quando eu recebi o telefonema do guitarrista, Kim Kehl, em um dia qualquer de julho daquele ano, a sua proposta detinha dupla intenção. Ele convidou-me a integrar a sua banda, Os Kurandeiros, e ao mesmo tempo ofereceu-me vaga na banda de apoio de Ciro Pessoa, denominada, "Nu Descendo a Escada", ou "Nudes" como carinhosamente a chamamos, e na qual ele estava recém-ingresso igualmente, em meio a uma reformulação total do time que o acompanhava o famoso Ciro Pessoa. 

Claro que eu aceitei a dupla jornada, de imediato, mas não sem elucubrar muitas dúvidas a respeito do trabalho do Nudes, ao basear-me na carreira pregressa do Ciro, com a sua atuação em trabalhos fortemente mergulhados no mundo do Pós-Punk da década de oitenta, portanto, a antever um possível conflito motivado por interesses antagônicos, que preocupou-me.

O Pink Floyd em foto entre 1966 e 1967, aproximadamente
 
Todavia, assim que o conheci (Ciro), de sua fala, eu ouvi a expressão: -"o futuro é Pink Floyd", e dessa forma, ele assim demoliu-se por inteiro de qualquer tipo de receio que eu pudesse ter sobre a nossa convivência, ideias & ideais na música, apreço à contracultura & afins e a visão macro da história do Rock, com aberta simpatia à psicodelia sessentista clássica. 

Em síntese, senti-me inteiramente a vontade para integrar-me nesse trabalho e mais que isso, apreciar muito fazer parte dele e dar a minha contribuição, grande admirador da estética sessentista em geral que sou, e mais detidamente ao universo do Rock psicodélico daquela década.

Foto do primeiro show do Nudes na formação em que fiz parte. 9 de dezembro de 2011. Click de Lara Pap

E assim foi, ao realizarmos os primeiros ensaios, com o Kim e os músicos, Paulo Pires (bateria), Caleb Luporini (teclados) e a bela e competente vocalista, Luciana Andrade. 

Vieram os primeiros shows, sob condições modestas de produção, mas relevei, pois o trabalho se mostrara tão interessante e a companhia dessa turma tão boa, que eu nunca incomodei-me com esse início "franciscano". Mas ao mesmo tempo, causava-me espanto como um membro egresso do mundo Pós-Punk que sempre teve o apoio da "intelligentsia" e o beneplácito da mídia mainstream, não tivesse caminho aberto para produções maiores e com direito à agenda sustentável. 

No entanto, eu logo fui a perceber que o Ciro também sofria com barreiras intransponíveis, assim como todo artista que sempre militou na contramão da formação de opinião, meu caso e do Kim, igualmente. Nesse aspecto, o Ciro, apesar de ter sido um ex-"Titãs" e um ex-"Cabine C", fora ter sido parceiro de gente incensada como Edgard Scandurra e Julio Barroso, por exemplo, na verdade estava no limbo da carreira tanto quanto nós, que nunca tivemos tais oportunidades. 

Uma pena, mas essa foi a realidade e não o que imaginei no início, com o autor de "Sonífera Ilha" a fazer muitos shows sob agenda lotada e abertura em uma mídia, senão a mainstream, pois os tempos foram outros, ao menos sob um padrão intermediário entre isso e o mundo abissal da obscuridade underground.

Nesses termos, um novo show só foi ocorrer oito meses depois em uma cidade paulista interiorana, já em agosto de 2012, e foi muito interessante conforme o descrevi com detalhes em capítulo anterior. 

Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada em São Carlos-SP. 11 de agosto de 2012. Click, acervo e cortesia de Pedro Paulo Machado

Com direito a trem de carga a passar durante o show realizado em uma plataforma ferroviária e a fazendo com que a banda flutuasse em alguns instantes, trata-se de uma lembrança das mais queridas. E foi a última vez que essa formação contou com Paulo Pires e Caleb Luporini e já o fizemos sem Luciana Andrade, portanto, muitas modificações ocorreram na formação.

Uma lástima, daí em diante seguiu-se um longo período de inatividade só quebrado em 2014, quando dois shows muito estimulantes foram realizados, um no interior do estado e o outro na capital, e aí sim, ambos em teatros, com uma infraestrutura mais condizente com a psicodelia proposta. 

O amigo, Carlinhos Machado entrou para a banda e então o Nudes definitivamente tornou-se mais mais um braço d'Os Kurandeiros. E a ótima e bela cantora, Isabela Johansen também ingressou. Casada com Ciro na ocasião, Isabela era na verdade uma boa cantora, guitarrista e compositora, portanto, a despeito da relação conjugal com Ciro, Isabela foi uma artista que agregou valor para a banda.

Apesar desses ótimos shows realizados com essa nova formação, e maior interatividade, pois eu (Luiz), Kim e Carlinhos contribuímos com ideias de novas canções para o trabalho. 

O show sofisticou-se ainda mais, com a inserção de mais textos surrealistas, baseados no livro que Ciro preparava para lançar e isso animou-nos ainda mais.

Mas as oportunidades rapidamente escassearam e mais um período de limbo sobreveio. Muito desse hiato foi por conta do furor político forjado sorrateiramente que cresceu ao longo do ano de 2015, e nessa circunstância, Ciro havia empolgado-se com a militância política via "hang outs" de internet e aliado a artistas como Lobão e Roger Moreira, mergulhou com ênfase nessas ações e assim, o trabalho prejudicou-se bastante. 

Tirante um show motivado exatamente por essa militância política da sua parte e da qual participamos a fazermos uma aparição de choque apenas, uma nova ação só foi aparecer no mês de outubro, quando o Ciro propôs um show para coroar a noite de autógrafos de seu livro, enfim lançado.

Noite de autógrafos e show dos Nudes, no Café Delirium de São Paulo. Na foto, momento pré show e durante a sessão de autógrafos da obra "Relatos da Existência Caótica", seu autor, Ciro Pessoa e Luiz Domingues em foto de Lara Pap. 23 de outubro de 2015.
 
Foi muito agradável e honroso para nós, e chegamos a tocar músicas novas compostas especialmente para a ocasião, baseadas em textos do próprio livro. 

No entanto, apesar da noite profícua, pouco tempo depois, a vocalista, Isabela Johansen deixou a banda e desfalcou-nos doravante. Um novo show foi marcado logo a seguir, no mesmo espaço, uma casa noturna de São Paulo, e na formação de um quarteto, o Nudes com a minha presença (Luiz), além de Kim e Carlinhos, apresentou-se pela derradeira vez, no início de 2016. 

Logo a seguir, Ciro começou a empreender esforços em prol de sua nova banda e o Nudes ficou engavetado. Portanto, neste momento que escrevo este trecho e encerro a minha história nesse trabalho, não houve mesmo a possibilidade de mudança de tal panorama, mas como a vida é mutável e / ou volátil, se houver uma continuidade ao menos em termos de resgate de material da nossa fase com a banda, nada impede-me de abrir novo capítulo e relatar tal continuidade, ou sobrevida, como queira o leitor.

Agora, vou agradecer aos personagens que gravitaram em torno do Nudes, nesse período pelo qual eu fui componente, entre 2011 e 2016:

1) Kico Stone 

O grande, Kico Stone (a usar óculos), na foto acima, em companhia do guitarrista superb, Tony Babalu. Acervo e cortesia de Tony Babalu. Click: Karen Holtz
 
Agitador cultural, ator, grande conhecedor da história do Rock e um film-maker de primeira linha, Kico acompanhou os shows do Nudes desde o início de minha entrada na banda, sempre a prestigiá-los com entusiasmo e a filmá-los. Sou-lhe grato por esse apoio e pela amizade expressa, nesse e em outros trabalhos onde estive e estou, quando sempre conto com a sua companhia, conversa inteligente, amizade e filmagens de categoria. Sempre brinco com ele, ao chama-lo como o "D.A. Pennebacker" da pauliceia.

2) Gustavo Johansen
      Gustavo Johansen, irmão da vocalista, Isabela Johansen

Irmão de Isabela Johansen, sou-lhe grato pela filmagem do show no Teatro Parlapatões de São Paulo, em 2014

3) Lara Pap
                        Produtora d'Os Kurandeiros, Lara Pap

Produtora d'Os Kurandeiros, Lara Pap emprestou um pouco de sua força de trabalho para o Nudes e claro que os seus esforços foram muito providenciais e bem-vindos. Agradeço-lhe por ter ajudado-nos tanto.

Hora de falar dos membros da primeira formação do Nudes, onde eu fiz parte:

1) Paulo Pires

Nessa foto promocional da banda: "Lavoura", Paulo Pires é o rapaz na parte de baixo, à esquerda e Caleb Luporini está ao seu lado, com cabelos mais longos
 
Baterista da formação assim que ingressei no trabalho, Paulo era (é) um bom baterista, muito firme e como pessoa, mostrou-se sempre sério na maior parte do tempo. Somente no terceiro show que fizemos juntos, pudemos enfim conhecermo-nos melhor e aí eu verifiquei que ele era (é) um grande conhecedor de música em geral e do Rock em específico, além de colecionador de discos. 

O nosso convívio foi pequeno, com apenas três shows, apesar desses eventos terem espalhado-se por muitos meses entre uns e outros. Sujeito de boa índole e bom músico, fiquei com uma boa impressão ao seu respeito. 

Tempos depois vi notícias suas com um outro trabalho, uma banda com ares experimentais, quiçá, "industriais", chamada: "Lavoura". Torço para que esteja bem e feliz em seus projetos.

2) Caleb Luporini

             O tecladista, baixista e compositor, Caleb Luporini

Simpatizei com a pessoa de Caleb Luporini desde o primeiro ensaio que realizamos juntos em 2011 e de fato, Caleb mostrava-se super simpático, expressivo e gentil. 

Bom tecladista, disse-me ser baixista, também e demonstrava pela conversa, ter boas influências musicais do passado, embora claramente fosse um músico ligado também em sonoridades modernas de cunho "indie", experimentalismos etc. 

Também componente do "Lavoura", vejo o seu nome sempre citado em eventos de música eletrônica e demais modernidades etc. e tal. Estarei sempre a torcer por ele, pessoa boa que o é, para ser bem sucedido e feliz.

3) Luciana Andrade

A cantora, instrumentista e compositora, Luciana Andrade. Foto: Leonardo Pereira
 
Eu tenho a tendência de simpatizar de imediato com pessoas que mesmo ao adquirir proeminência na sociedade, seja lá por qual motivação, mantêm-se humildes, sem que o sucesso altere o seu comportamento social e sobretudo, pessoal. 

É o caso de Luciana Andrade, uma artista que fez sucesso mega popular através da banda: "Rouge", ao frequentar o mundo das celebridades da esfera da TV aberta, revistas de fofocas & afins, mas mesmo assim, ela não mudou o seu comportamento diante dessa fama e não só isso, ao demonstrar amor a arte, pois ela esteve conosco imbuída de cantar as canções surrealistas do Ciro, com o mesmo empenho que teria em cantar os seus hits radiofônicos no programa da Hebe Camargo ou similares. 

Dona de uma linda voz e que coloria sobremaneira o som do Nudes, além disso era (é) muito afinada, tem talento de sobra e é uma mulher muito bonita, portanto sem soar piegas, Lu canta e encanta. 

Assim que saiu do Nudes, logo no começo de 2012, ela colocou os seus esforços em prol de uma carreira solo que teve um começo promissor, muito embalada pela sua fama popular pregressa, portanto eu a vi em muitas ocasiões em programas de TV aberta e afins, o que naturalmente deveria aproveitar ao máximo, vide o caráter efêmero com as quais, essas oportunidades surgem e desaparecem. 

Falei com ela por algumas vezes pelas Redes Sociais e a sua simpatia é muito grande. Torço para que faça muito sucesso e seja feliz!

Hora de falar dos membros da formação mais recente:


1) Isabela Johansen

       Isabela Johansen: cantora, instrumentista e compositora
 
Com uma juventude a flor da pele, Isabela trouxe muita vitalidade à banda, com sua verve Rock'n' Roll bem acentuada. Guitarrista e vocalista de bandas com proposta "Indie-Rock", em um passado próximo, Isabela revelou-se uma boa cantora e com performance bastante interessante no palco, ao mostrar desenvoltura, poder de improviso, uma boa dose de loucura cênica e muito carisma. 

Jovem, muito bonita e vivaz, claro que chamava bastante a atenção nos shows, mas Isabela era mais que um rostinho bonito, pois mostrou-nos ser boa cantora, instrumentista e compositora. 

Infelizmente, o desgaste de seu casamento com Ciro, respingou na banda, pois tornou-se impossível a sua permanência no trabalho, após a separação do casal. Atualmente, Isabela integra uma banda de Rock chamada: "Taberna Escandinava" que tem feito uma boa escalada inicial de carreira, apesar de militar no mundo underground com as suas dificuldades inerentes. Torço pelo sucesso dela, sempre. 

2) Carlinhos Machado

Baterista com currículo gigantesco, Carlinhos Machado somou mais um trabalho à sua enorme lista, ao ter tocado no Nudes, também

Não há muito o que acrescentar sobre Carlinhos Machado, visto que estamos a trabalhar juntos desde 2011 n'Os Kurandeiros, e ele esteve junto nos demais desdobramentos que essa banda teve (tem), incluso o Nudes. 

Portanto, só posso dizer que é um amigo de longa data, leal colega que muito ajudou-me em muitas circunstâncias, grande companheiro de conversas, lembranças & "causos" e um ótimo baterista, com o qual entrosei-me inteiramente, e é sempre bom saber que eu contarei com as suas baquetas a favor de meu baixo, a cada show.

3) Kim Kehl

Kim Kehl, guitarrista de muitas bandas e histórias acumuladas, a serviço dos Nudes, na foto acima
 
O mesmo raciocínio em relação ao Carlinhos, eu e Kim Kehl interagimos em muitos desdobramentos d'Os Kurandeiros, igualmente no caso do Nudes. 

Sou-lhe grato por ter telefonado-me em um dia de julho de 2011, ao fazer-me proposta dupla de trabalho, sendo um dos empreendimentos, o Nudes de Ciro Pessoa. 

Sou-lhe grato também pelo companheirismo dentro do Nudes e por sua capacidade como guitarrista, ao trazer-nos formulações harmônicas e coloridos melódicos para esse trabalho, ao honrar as tradições da psicodelia sessentista. 

Tais momentos deram-me o prazer de atuar ao vivo dentro de uma vertente do Rock que eu aprecio sobremaneira, portanto, apesar da escassez de oportunidades que essa banda obteve, infelizmente, nas poucas vezes em que atuamos nos palcos, a psicodelia fez-se presente com galhardia. 

Estamos a trabalhar juntos n'Os Kurandeiros normalmente e assim espero, por muito tempo.

4) Ciro Pessoa

Cantor, instrumentista, compositor e poeta & escritor, Ciro Pessoa, é um baluarte do surrealismo & psicodelia, no Brasil
 
O protagonista-mor desse trabalho, Ciro Pessoa surpreendeu-me positivamente, quando enfim conhecemo-nos na gelada noite de 24 de agosto de 2011, e ao proferir uma frase de efeito, cativou-me em torno de seus reais propósitos para com esse trabalho: -"o futuro é Pink Floyd". 

Para quem enxerga a verdade expressa em uma frase que para todos os efeitos revela o retrocesso, se interpretada cartesianamente, eis aí o porto seguro que tranquilizou-me a interagir artisticamente com um artista que eu pensava deter ideais antagônicos aos meus.  

Ciro tem grande capacidade criativa, é performático ao extremo e exerce tal loucura no palco, sem parcimônia. Com ele em cena, tudo é possível e eu adorava ter tal elemento ao meu lado como trunfo do trabalho. 

Sentia-me a atuar em uma banda psicodélica ao tocar no auditório Fillmore West, em pleno 1967, com a loucura a dominar todas as ações. 

Como eu já explanei amplamente, Ciro mostra-se empolgado e empenhado com seu novo trabalho através da banda: "Flying Chair". Espero que seja muito feliz nessa nova empreitada e atesto que a banda tem alta qualidade, visto que já resenhei o seu álbum de estreia em meu Blog 1. 

Veja abaixo, o Link para saber de tal impressão que tive desse trabalho:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2017/08/flying-chair-1-album-por-luiz-domingues.html

             Luiz Domingues em ação com o Nudes, em 2014

A encerrar, eu agradeço ao Ciro Pessoa a oportunidade de tocar ao seu lado, e poder exercer a psicodelia, que é uma das vertentes que eu mais aprecio no Rock sessentista, e se tive lampejos dessa escola em alguns trabalhos pregressos que realizei, com outras bandas onde fui componente (bem sutilmente no "Pitbulls on Crack" e mais incisivamente no "Sidharta" e na "Patrulha do Espaço"), creio que através do Nudes, eu pude exercer isso mais substancial e integralmente.

Está encerrada portanto a minha história com o "Nudes" (Nu Descendo a Escada), banda de apoio do cantor, compositor e poeta, Ciro Pessoa.

Daqui em diante, as atualizações seguem com minha banda atual, Kim Kehl & Os Kurandeiros e sazonais novidades com trabalhos avulsos e/ou reencontros com bandas do passado e/ou campo aberto para trabalhos novos que possam surgir.

Grato por ler a história dessa etapa da minha carreira!

Até logo...