Foto promocional d'A Chave do Sol, em maio de 1983. Click de Seiji Ogawa
Aconteceu no
tempo d'A Chave do Sol, no primeiro semestre em 1983...
Estávamos a lutar com muito empenho, a visarmos sair do completo anonimato exercido para qualquer banda
sem recursos a dar os seus primeiros passos na carreira e dentro desses limites
ainda estreitos, a contar, proporcionalmente, com um momento de expansão incrível.
Isso porque, do primeiro show oficial da nossa banda, em setembro de 1982, até esse
ponto entre fevereiro e abril de 1983, havíamos passado de uma série de espetáculos
em casas de menor expressão, para cumprir uma temporada em um espaço de shows dos mais
badalados da noite paulistana, com forte frequência de artistas, produtores
musicais, gente do mundo fonográfico e do jornalismo cultural, fora a presença
massiva da jovem burguesia da pauliceia.
O grande “boom” da nossa banda ocorreria alguns meses depois quando as
portas da TV revelaram-nos ao grande público, é bem verdade, mas esse
“momentum” de fevereiro a abril de 1983, marcou-nos pelo primeiro pico de
euforia ante os sinais de progresso iniciais que experimentávamos.
A Chave do Sol em temporada nas noitadas badaladas do Victoria Pub de São Paulo, entre fevereiro e abril e 1983
Todavia, ao
mesmo tempo em que vivíamos tal euforia por estarmos nessa aura de expansão e
glamour, ao tocarmos nessa casa de espetáculos com contrato fixo e a interagir com
artistas que estavam ou estiveram no mainstream, tivemos também o dissabor de
ver a nossa incrível vocalista estar a se portar com frieza para conosco, a denotar
distanciamento, pois ela emitira sinais de que deixar-nos-ia e de fato foi o que
consumou-se logo que o contrato com a casa expirou.
Sem a nossa
vocalista que fora um achado pela sua inacreditável voz e beleza pessoal, e sem
o contrato com a casa, tivemos um momento de incertezas e amargura, posso
dizer, que foi breve (ainda bem) e quando fomos para a TV, poucos meses depois, tudo mudou e tal
perda ficara tão pequena que não coube mais lamentos pela nossa "Tina Turner
loura" ter ido embora e as noitadas a animarmos festas com atores da Rede Globo a
dançarem na pista, embalados pelo nosso som, não repetirem-se mais.
Entretanto, nesse
breve ínterim, quando vivemos uma curva descendente e angustiante, uma proposta
de reformulação surgira proveniente ainda daquelas tantas ofertas e abordagens
que recebemos aos montes nos bastidores dessa casa e da parte de gente ligada
em produção musical e que vira-nos em ação naquela badalação toda.
Tirante os
lunáticos (a maioria), que formularam propostas irreais e/ou bizarras, uma
surgiu e que poderia ter sido uma solução imediata para suprir a falta de nossa
ex-vocalista. Tratava-se de um artista que não sabíamos se detinha de fato dotes
vocais acentuados, mas de antemão, era reconhecidamente um dançarino
performático consagrado, ator e com potencial para a comédia também, pois
posteriormente este ficou relativamente famoso a atuar em programas de humorismo da
Rede Globo, ao compor personagens ao lado de monstros dessa vertente, tais como
Chico Anysio e Jô Soares.
Dançarino/performer/ator/comediante e ex-Dzi Croquettes, Paulo César Bacellar da Silva, nome artístico: "Paulette"
Segundo o
rapaz que fez a sugestão, tal artista procurava uma banda de Rock com o nosso
“pique”, para buscar um espaço no mundo da música e pelo fato de ser uma figura
performática, seria uma combinação explosiva a junção de sua arte como
dançarino e performer, com o nosso som.
Bem, o rapaz
em questão chamava-se: Paulo César Bacellar da Silva, conhecido pelo nome
artístico de “Paulette”, simplesmente um dos “Dzi Croquettes”.
Para os mais
jovens, é bom explicar que “Dzi Croquettes” foi um grupo de dança & teatro,
formado no início dos anos setenta e que detinha uma forte identidade
contracultural, isso é uma verdade, além de chocar a sociedade pela montagem de
seus espetáculos fortemente erotizados e sob a bandeira do homossexualismo, ou
seja, se hoje em dia tal postura não chega a escandalizar com o mesmo ímpeto,
ali nos anos setenta, com ditadura militar a pegar fogo (ou chumbo, como
queiram), ao lado dos Secos & Molhados e Edy Star, a turma liderada pelo bailarino/cantor & coreógrafo, Lennie Dale, foi o que houve de mais transgressor
nesse sentido.
Capa do DVD do documentário premiado sobre a trajetória dos Dzi Croquettes, com um dos seus componentes em destaque, no caso, o/a próprio(a) Paulette
A nossa reação
com a sugestão não foi com preconceito, de forma alguma, mas questionamos o que
essa associação e direcionamento a ser adotado com um vocalista tão fortemente
identificado com tal mote, poderia agregar ou até atrapalhar a nossa
trajetória.
Discutimos isso com ênfase no âmbito interno da nossa banda, logicamente.
Ao analisarmos friamente, houveram aspectos pró e contra acentuados nessa possível
entrada de Paulette para a nossa banda.
Pelo lado bom, um artista tarimbado na
dança e no teatro, absolutamente performático e “desbundado”, sob qualquer
aspecto (fora ter seu prestígio pessoal muito maior do que a nossa banda reunia
naquele instante), poderia ter sido um fator de expansão para nós. Portas
poder-se-iam abrir na mídia, angariar simpatias imediatas, formação de opinião
etc.
Pelo lado negativo, pairava a dúvida, pois se Paulette era um artista
experiente e consagrado pela sua atuação com os Dzi Croquettes, como “cantor”,
foi uma incógnita.
Paulette em três momentos de sua carreira: na primeira foto com os Dzi Croquettes e a ter a presença da sua madrinha na foto, a superstar norte-americana, atriz e cantora, Liza Minelli a prestigiá-los (Paulette está na parte superior da foto, sendo o mais alto). Na segunda foto, Paulette com protagonismo na novela "Dancin' Days" da Rede Globo, em 1977, a causar furor ao dançar com a personagem interpretada por Sonia Braga e na terceira, já no avançar dos anos oitenta para os noventa, a atuar nos programas humorísticos da Rede Globo
Sim os Dzi Croquettes
cantavam em suas montagens teatrais. Os espetáculos eram essencialmente
musicais pela obviedade da dança ser o mote maior dessa trupe, mas daí a ser
vocalista de uma banda de Rock e ainda mais com os propósitos que regiam-nos,
baseados na estética sessenta-setentista, requer-se-ia muito mais que alguém que
cantasse afinado e dentro da pulsação & andamento, mas precisávamos de uma voz
portentosa, em nível dos padrões que seguíamos em nossas influências.
Ícones do Glitter Rock britânico setentista, nas duas primeiras fotos (David Bowie & Spiders From Mars ao vivo, e Marc Bolan & T.Rex, também ao vivo, na segunda), e na mesma época, na terceira foto, artistas com a mesma proposta no Brasil, ao se mostrar uma montagem com dois atores do Dzi Croquettes + Secos & Molhados + Edy Star
Mais um outro
aspecto a ser salientado, estávamos nos anos oitenta e não nos setenta. Se fosse em 1973, com a
corrente do Glitter-Rock britânico a viver o seu momento de ouro e com o reflexo
tupiniquim expresso nos Secos & Molhados e com Edy Star, sobretudo, teria sido uma
oportunidade de ouro, sem dúvida alguma.
Mas no ambiente oitentista hostil,
dominado pela arrogância blasé da estética Pós-Punk, não teria sido a melhor
estratégia a ser adotada. Se havia uma pequena seara simpática ao velho Glitter
setentista, tal minúscula brecha residia no então em voga, “New Romantic", uma variante da "New Wave”, esta por sua vez, uma
vertente mais amena do Pós-Punk, menos robótica e presunçosa, com mais colorido
e bom humor, pensemos assim, apesar da fragilidade musical gritante.
Mas apesar
disso, tal oportunidade se mostrara temerária pela sua menor força no mercado
mainstream do emergente BR-Rock em questão e sendo assim, creio que não valeria a
pena o risco de ficarmos estigmatizados por um erro de estratégia, em caso de
fracasso.
Os Dzi Croquettes em ação nos anos setenta
Mesmo assim,
nós aceitamos conversar com Paulette e ouvirmos os seus planos, é claro. No entanto, um fato novo ocorreu e não
tivemos a chance de conviver com Paulette, pois a reunião foi desmarcada por
ele mesmo, ao alegar um impedimento momentâneo e posteriormente nunca mais tivemos
notícias suas, a não ser por vê-lo a atuar nos programas humorísticos de TV que
eu citei acima.
Teria sido
interessante ou não A Chave do Sol ter tido Paulette do Dzi Croquettes como seu
vocalista ali naquele ínterim entre o nosso ponto inicial de anonimato total e
o começo da proeminência através de nossas aparições no programa “A Fábrica do
Som”, da TV Cultura de São Paulo?
Certamente teria sido um caminho muito
diferente, para tirar-nos daquela imagem que forjamos ao grande público, ao atuarmos
como trio, e a fazermos um som na linha do Jazz-Rock setentista e anacrônico aos tempos
oitentistas, certamente.
Bem, eu tenho um enorme respeito pelo trabalho dos
Dzi Croquettes, e diante disso, só pela cogitação, já foi honrosa ter tal
hipótese de um artista com essa bagagem pessoal em nosso caminho.
Paulette
faleceu em 1993, infelizmente.
Para encerrar o relato, esta é uma passagem obscura da
história d'A Chave do Sol, que tenho certeza, nenhum fã da banda nunca imaginou
ter existido, até ter lido esta crônica...
Conhecia ele da TV mesmo. Que surpresa!
ResponderExcluirNa minha opinião de fã, acho que vcs fizeram certo. A chave do Sol fez minha cabeça e a de tantos outros fãs pelo que vocês fizeram, com a formação que tiveram. Irrepreensíveis.
Alô amigo Antonio !
ExcluirDe fato, essa história surpreendeu à todos, pois tirante eu; Rubens & Zé Luiz Dinola, ninguém sabia dessa curiosa história a respeito dessa passagem da trajetória da nossa banda.
Sua opinião é bem prudente e bate com a nossa na época, ou seja, foi melhor mesmo não ter ocorrido tal associação e a imagem que forjamos ao grande público foi a que garantiu a nossa credibilidade artística. Nada contra o(a)Paulette, mas foi melhor mesmo termos seguido em frente em trio e fazendo o som que acreditávamos.
Super grato pela sua visita e comentário sempre bem vindo !!
Abração !!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirDesculpe, erro de digitação! Eu disse que Dzi Croquettes não era prá qualquer um não!
ExcluirSem problemas, amiga ! Sobre o Dzi Croquettes, concordo inteiramente. Tratou-se de uma trupe de dança & teatro, muito ousada e rica artisticamente. Tenho respeito e admiração pelo legado que eles deixaram.
ExcluirAdorei estas reminiscências roqueiras, Tigueis!
ResponderExcluirNão existem coincidências, acho que vocês foram "salvos pela sincronicidade" e mantiveram a proposta da banda. Nada contra o glitter rock, mas não seria este brilho que tiraria a banda da "fase obscura".
Alô, Mônica !
ExcluirQue prazer ter sua presença aqui. Sobre suas impressões, sim, nada é por acaso, creio que a movimentação energética levou-nos para o caminho que deveríamos trilhar, onde alcançamos a nossa credibilidade artística e construímos um legado.
Particularmente adoro o Glitter Rock setentista, mas não era o caso, pois Paulette nem tinha veia Rock'n Roll, e pelo contrário, sua orientação devia ser mesmo a dos musicais, espetáculos com Drag Queens em cabarés etc. Acho que o melhor processou-se com o caminho que trilhamos, portanto.
Convido-a a procurar no arquivo deste Blog mais crônicas da Autobio, e também os capítulos sobre a minha completa autobiografia, contanto toda a minha trajetória pessoal na música, desde a primeira banda que formei, em 1976.
Volte sempre !
Grande abraço !!