domingo, 31 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 311 - Por Luiz Domingues

O nossos ensaios eram sistemáticos, feitos com a preocupação de aproveitarmos ao máximo o tempo. Claro que mesmo não tendo a estrutura de um estúdio com vedação e equipamento profissional, o fato de termos um mini P.A. desde o começo, garantiu-nos um mínimo de qualidade sonora para trabalhar, e a falta de vedação foi compensada pela extrema boa vontade da família Gióia, que suportou os nossos ensaios diários e esticados das 15 às 22:00 horas de segunda a sexta, e muitas vezes com a inclusão de sábados e domingos, quando tivemos ocasionalmente uma necessidade premente em torno de um eventual reforço, por conta de um show mais importante, ou a iminência de entrarmos em estúdio para gravar um álbum.
Ainda como trio, a posar em nossa histórica sala de ensaios, na residência da família Gióia, em 1984

Como eu já comentei anteriormente, nos primeiros anos, a nossa determinação nesse sentido foi sempre ferrenha, e essa é a explicação pela qual A Chave do Sol foi uma banda muito afiada ao vivo, e raramente errava, pois ensaiávamos muito, e com dedicação extrema, até exagerada, eu diria. Contudo, isso não quer dizer que não tenhamos tido momentos de descontração em nossa rotina diária de ensaios. Apesar desse caráter quase sistemático, nós mantínhamos um clima leve e aberto a brincadeiras e dessa maneira, tivemos muitas ocorrências divertidas, como por exemplo a constante presença de convidados, como eu descrevi no capítulo anterior. Para ir além, além de recebermos convidados, em tais ocasiões, muitas vezes foram realizadas jam-sessions absolutamente descompromissadas, quando amigos músicos apareciam em nossa sala de ensaio.
Hélcio Aguirra, em foto do início dos anos oitenta, quando ainda era membro do "Harppia"

Nesses termos, um dos que mais costumavam aparecer por lá para conversar e tocar conosco, foi o guitarrista, Hélcio Aguirra, nosso amigo, e que nessa altura, 1986, já estava a atuar com o Golpe de Estado, e essa banda dava os seus primeiros passos mais firmes rumo ao sucesso, que ainda naquela década alcançaria, com méritos.

Nessas visitas, costumávamos tocar clássicos do Rock e temas livres, com o Hélcio a atuar com a sua habitual categoria e muitas jams ficaram alojadas na minha memória, pelo aspecto da química boa que ele tinha conosco, ao proporcionar momentos de grande inspiração musical.
Mas, ao ir além, gostávamos também de tocar outros instrumentos nessas jams descontraídas, e mesmo ao baixar o nível técnico por conta de assumirmos o instrumento, onde não tínhamos o mesmo nível de nossas respectivas especialidades, o importante foi a diversão, é claro.
No meu caso, sempre que surgia uma brecha, eu corria para a bateria e nesta minha autobiografia, mesmo em outros capítulos a enfocar outras bandas, onde atuei, eu já mencionei o fato de que aprecio muito esse instrumento, e sob uma análise fria e isenta de emoção, eu diria até que se pudesse voltar ao passado e mudar o rumo que tomei, tranquilamente teria investido na perspectiva de ter sido um baterista, e não um baixista. No entanto, mesmo ao ter desenvolvido de uma forma técnica e emocional com o baixo e a partir de tal prerrogativa, ter construído um certo afeto por esse instrumento, realmente se eu pudesse ter escolhido melhor, lá atrás, eu teria preferido a bateria.
Enfim, baterista frustrado, no bom sentido, eu sempre gostava de tocar nos ensaios e dessa forma, culminei em desenvolver uma condição mínima como baterista que permitiria-me tocar, ainda que de forma simples, sem nem 10 % da técnica e genialidade do Zé Luiz, o meu colega de banda e de outros bateristas amigos que eu admirava. Sendo assim, uma certa vez que o Hélcio apareceu no ensaio, e o Zé Luiz não estava presente, eis que fui direto para a bateria e deixei o Beto a tocar baixo, para fazermos uma jam-session livre.

Na empolgação, o Rubens colocou uma fita K7 no tape deck, para gravar essa brincadeira e quando a ouvimos, o som ficou tão bom que combinamos realizar outras jams. De fato, essa repetição ocorreu e mesmo que não tenhamos cogitado jamais que esse esforço se tornasse uma banda de verdade, pois eu sabia de meus limites ao instrumento, é claro, e lógico que o foco para todos ali era A Chave do Sol para nós, e Golpe de Estado para o Hélcio. 

Porém, o interessante nessa história, para mim, foi que de uma certa forma eu apreciei muito, não apenas a brincadeira, mas para constatar que se estudasse e me dedicasse, eu creio que poderia ter sido um baterista de fato, pois ali na jam-session, apesar de muito limitado, não deixei o nível cair, ao manter o ritmo da banda, inclusive com várias mudanças de fórmulas de compasso, andamento e pulsação, além de viradas dignas, que me colocavam no patamar de um baterista simples, sem muitos recursos técnicos, mas capaz de tocar em uma banda.
Com o tempo, as oportunidades para tocar um pouco com a bateria dos colegas, rarearam e o pouco de técnica que eu tinha desenvolvido, acabou a dissipar-se. Estou bastante enferrujado e regredi, é claro. Mesmo assim, costumo ajudar no soundcheck de shows ao vivo e em sessões de gravação, ao tocar para o baterista titular ouvir de longe e buscar a melhor equalização de seu instrumento. 

Muito bem, contada essa história, cabe dizer que esse embalo que ganhamos no segundo trimestre de 1986, principalmente, ganharia ainda mais força com a entrada do segundo semestre. O telefone estava a tocar, como se diz no jargão, ao denotar que a banda ganhava mais e mais oportunidades, e somado aos esforços concentrados em quatro anos de trabalho aproximadamente, nos levou a crer que o grande momento para abrir-se uma porta, possibilitar-nos enfim que chegássemos ao mainstream, estava a chegar. O segundo semestre de 1986, foi o período da história da banda, onde mais nos aproximamos dessa meta, e há muitas histórias para serem contadas, a partir de agora.
Continua...

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 310 - Por Luiz Domingues


Muitas visitas apareciam em nossa sala de ensaios, desde os primórdios da banda, em 1982. Na maior parte do tempo, amigos que gravitavam em nossa órbita, costumeiramente, é claro, mas muita gente que teve envolvimento profissional de ocasião, também circulou pela residência da família Gióia, nos anos em que ali trabalhamos, no famoso quarto da edícula. Contudo, houve também uma terceira via, que foi a de visitas completamente inesperadas que vinham sem avisar e algumas vezes por conta de convites não necessariamente formulados por nós, membros da banda.
Foto de janeiro de 1984, com Rosana Gióia a participar da gravação dos Backing Vocals da música: "Luz". Ela usa camiseta preta com a estampa da capa do LP "Black Sabbath Volume 4"

Nesses termos, muitos amigos, e amigos dos amigos da irmã caçula do Rubens, Rosana Gióia, por exemplo, apareciam inesperadamente, e para nós isso nunca foi problema, por não causar um grande incômodo.

Em uma dessas situações (adolescentes amigos dela, da escola, geralmente), apareceu um rapaz que era amigo de um amigo dela.
Serei sincero: não me lembro dessa situação que vou descrever especificamente, ali no calor dos acontecimentos. A minha lembrança sobre visitas de amigos e agregados da Rosana Gióia, é uma verdadeira "mônada", por misturar-se, portanto, sem que haja alguma ocasião, ou pessoa que se destaque em específico.

Contudo, a citar um fato futuro, no ano de 2002, eu tive uma surpresa incrível, quando um guitarrista conhecido mundialmente, contou-me com emoção, que foi ele o tal garoto amigo do amigo da irmã do guitarrista d'A Chave do Sol, e a experiência de assistir um ensaio da banda que ele admirava pelas apresentações nossas que via pela TV, principalmente, nunca fora esquecida por ele. Ao ir além, ele foi taxativo, ao dizer que tal visita fora a gota d'água em sua vida, pois saíra decidido a se tornar um músico profissional, após ter tido a confirmação de que aquela vida, foi a que desejou ter, ao ver-nos ensaiar. O seu nome... Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura...

Convido os leitores a ler com maiores detalhes esse relato sobre como Andreas Kisser me fez essa revelação, no capítulo mais adequado, que é o da Patrulha do Espaço, onde na cronologia correta, contei com detalhes essa história, ocorrida em janeiro de 2002.  Aqui, o comentário é an passant, pois no calor dos acontecimentos de 1986, eu não poderia imaginar que aquele garotinho imberbe tornar-se-ia um dos mais famosos guitarristas do mundo, aliás, nem ele imaginaria isso naquela época, embora devesse sonhar com isso, naturalmente...

Outro caso de visita exótica e inesperada é muito mais vívido em minha memória, e passarei a relatá-lo agora. Estávamos a  ensaiar um dia, na maior rotina, e sem expectativa para receber ninguém naquele dia em específico, quando ouvimos, em um momento em que não tocávamos, alguém a bater na porta. O Beto estava mais próximo e tomou a iniciativa de abri-la, e imediatamente nos espantamos com o grito que ele deu: -"Ferrugem!"

Foi quando surpreendemo-nos com a presença do famoso ator/ comediante da TV; teatro & cinema, e também muito conhecido pela sua atuação em comerciais de TV. Ficamos atônitos, naturalmente, por que nenhum de nós o conhecia, ou sabia de alguém da nossa relação que o conhecesse. A explicação para a sua presença ali, foi no sentido dele ser um amigo do amigo da irmã do Rubens, como muitas vezes aconteceu em relação a outras visitas.

O próprio Ferrugem ficou muito perplexo também, com a recepção escandalosa que o Beto lhe fez, e a justificativa da parte dele, Beto, foi de que o recebera daquela forma contundente por que ele, Ferrugem, era obviamente famoso e portanto, ficara contente com a sua presença. Bem, isso foi uma verdade.

O Ferrugem era/é, um sujeito sensacional, e o clima de sua visita foi marcado pela extrema camaradagem, com muitas brincadeiras, risadas, e foi de fato uma tarde e noite das mais agradáveis para todos.

Entretanto, houve uma outra surpresa vinda da parte dele: ao alegar ser baterista e paralela à carreira de ator-comediante e garoto propaganda, manter na época uma banda cover do Whitesnake, tal informação surpreendeu-nos. Eu, particularmente, não imaginava que ele fosse músico e ainda melhor, um Rocker. Portanto, claro que o convidamos a tocar no ensaio, e mais uma vez me surpreendi, pois a sua pegada como baterista era a de um profissional, com peso e técnica. Nos divertimos muito a tocar várias músicas do Deep Purple, Led Zeppelin, Whistesnake, Rainbow etc.

Ao final nos despedimos com a promessa de reencontrarmo-nos em shows, mas por um acaso, isso nunca concretizou-se, infelizmente.
Só fui vê-lo novamente nos anos 2000, mas de forma muito fortuita, pois eis que eu estava a circular por uma rua do bairro da Aclimação, na zona sul de São Paulo, e nos reconhecemos no trânsito, cada um em seu carro, mas a circunstância do tráfego não nos permitiu parar e conversarmos naquele momento, portanto, ficamos só a nos comunicar mediante "buzinadas" e acenos. Bem, contada essa história, falo agora sobre a "banda de quartinho" que montamos, como uma brincadeira, com o Beto Cruz a tocar baixo, e eu na bateria...
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Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 309 - Por Luiz Domingues

Com os três aprovados, lembro-me que mesmo ao se configurar como uma situação irreversível em meu caso, eles ainda falaram bastante que eu havia portado-me como um "turrão", ao extremo, por manter-me firme nos meus princípios, e que dessa forma, seria inevitável amargar a falta do cachê significativo que eles receberiam. ao ir além, na visão deles, mesmo a aparecer como anônimos no comercial, muita gente reconhecer-nos-ia, pois naquela altura, metade de 1986, de tínhamos um público grande, conquistado através de todos os nossos esforços acumulados ao longo de quatro anos de trabalho.

Nesse aspecto, eles tiveram razão, pois realmente a nossa banda houvera alcançado tal visibilidade, até a ultrapassar certos limites do nicho Rocker, por atingir pessoas alheias a esse universo, pois tínhamos aparecido bastante na TV,  e também em revistas, inclusive, fora do mundo especializado da música e do Rock, e assim, após tantos programas de TV sob cunho feminino, éramos conhecidos por donas-de-casa não necessariamente, Rockers.

Nesse caso, mesmo não que eu não tenha ficado arrependido de forma alguma, compreendi a colocação deles como legítima, pois nesses termos, uma exposição, ainda que aleatória, seria mais conveniente com a banda a surgir completa na peça publicitária.

Não caí em um possível sentimento de remorso, no entanto, pois a minha convicção de que esse fator fora algo muito vago, não deixou que a argumentação deles me provocasse nenhum sinal de arrependimento. 

Então, lembro-me que eles foram convocados para posteriores testes de figurinos, e a gravação do comercial consumiu-lhes um dia inteiro de dedicação. Um quarto músico apareceu na peça, e o rapaz foi o Mauro Sanches, baterista da banda centrada no Pós-Punk, chamada: "Nau", que fez relativo sucesso mainstream na metade dos anos oitenta.

De volta ao foco, o comercial foi para promover uma coleção de roupas ditas "jovens", de um magazine famoso, ao estilo das Lojas de Departamentos. Tratara-se da "Mesbla", uma rede que estava espalhada nas principais capitais do Brasil. O comercial foi concebido de uma forma bem simples, com imagens intercaladas de jovens a dançar em meio à banda fictícia. Tais jovens, rapazes e moças, eram logicamente modelos de agências contratados. E uma das garotas fez o papel de crooner da banda, aliás uma bela morena.

Um fato curioso, na hora de filmar-se as tomadas, cismaram em não usar uma bateria tradicional na horrenda dublagem, e o Zé Luiz foi esperto e antes que lhe sugerissem o lastimável uso de caixa e prato (como a seguir o padrão dos programas de TV), ele pediu-me o meu baixo, e no dia da gravação, ele apareceu tocá-lo na propaganda.  

Essa peça teve apoio gráfico significativo, e garotas a usar as tais roupas semelhantes às do comercial, apareceram em muitas revistas, jornais e outdoors de São Paulo e Rio, e creio que em outras capitais e grandes cidades interioranas. A trilha sonora do comercial foi um som Pop bastante insosso, ao estilo do que ouvia em estações FM, bem pobre e com os típicos timbres medíocres oitentistas. A produção musical de tal jingle foi do guitarrista da "Blitz", Ricardo Barreto, e também de Bernardo Vilhena (parceiro do Lobão, e de outros artistas da época), o que explica de certa forma a concepção desse pastiche oitentista. 

Aquele reverber indecente na bateria, guitarra gravada em amplificador Roland Jazz Chorus, teclados horrendos, e demais porcarias inerentes à mentalidade da época, para seguir a cartilha Pop, baseada na estética do Pós-Punk, típica daquela década.

Foi engraçado ver a propaganda a ser exibida na TV, com os companheiros naquela micagem tão falsa...

Ele foi veiculado com bastante repetição nos primeiros quinze dias e depois pôs-se a diminuir a sua frequência, paulatinamente, até desaparecer por completo. Passou em horário nobre, pois era conta peso-pesado de um cliente forte, e de fato, muita gente reconheceu os três e o Sanches, mas a despeito de qualquer argumentação em contrário, nada acrescentou para a carreira d'A Chave do Sol, tampouco do Nau.

No frigir dos ovos, acho que a vantagem alardeada pelos meus companheiros, ficou só pelo cachê mesmo (de quem participou, logicamente), e sem ressentimentos, apesar de ter sido uma boa quantia, até hoje não me arrependo de minha atitude de recusa em participar.

Eis o link para ver tal comercial no You Tube.

https://www.youtube.com/watch?v=Umh7l_AeHoE&feature=youtu.be 

Foi filmado no teatro do Sesc Pompeia, de São Paulo, e dá para ver bem o Zé Luiz, bem no início, com o meu baixo em suas mãos.

Quando a atriz principal (que de fato era uma cantora também, e chamada: Karla Sabah), começa a "rasgar" as embalagens de papel que envolvem as pessoas, o Rubens passa a correr por ela, com a sua guitarra Jackson, em mãos. Beto, e Rubens podem ser vistos novamente, quando entram em um ônibus, com os demais modelos.

A Karla Sabah fez o tipo: "Punk de Boutique", com visual inspirado em cantoras espalhafatosas da cena Pós-Punk oitentista, tais como Cindy Lauper, e principalmente Nina Hagen. Claro que existia a referência à personagem de Daryl Hannah, em sua personagem do filme: "Blade Runner", também... ah... os replicantes tão cultuados naquela década...

As suas caras & bocas em alguns momentos são constrangedoras, mas talvez tenha sido a ideia "brilhante" do diretor e não culpa dela, no afã de imprimir "irreverência jovem". E a marca da coleção dita "jovem" que a Mesbla estava a lançar, chamava-se: "Alternativa".

A seguir, falo de algumas visitas muito inesperadas em nossa sala de ensaio, em 1986.

Continua...

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 308 - Por Luiz Domingues


Conforme eu já havia mencionado anteriormente, o Rubens havia participado de uma peça publicitária para a TV, em 1986, graças a um contato que surgira através da Loja & gravadora Baratos Afins.
E algum tempo depois, mais ou menos em junho de 1986, surgiu uma outra oportunidade para outra campanha publicitária de roupas, onde os publicitários queriam trabalhar com o mote da "juventude", e procuravam por músicos reais que soubessem empunhar instrumentos corretamente, e não por modelos desajeitados, sem familiaridade com o universo musical e Rocker, sobretudo.

Claro, foi imprescindível ter cabelos longos, mais a imprimir uma aparência com ambientação Hard-Rock ou Heavy-Metal, em detrimento da corrente majoritária na década de oitenta, ou seja, a dos seguidores da estética do Pós-Punk.

Nesses termos, o telefone tocou na residência do Rubens, portanto, e o convite foi para a nossa banda comparecer em peso em um teste de câmera a ser realizado pela produtora de vídeos contratada pela agência de publicidade, que faria a tal campanha.

Todos aceitaram, mas eu criei um mal-estar interno na banda, pois recusei-me terminantemente a participar dessa ação, e cabe uma boa explicação para justificar a minha atitude antipática:

1) Não foi um convite para a banda apresentar-se a usar da sua imagem. Se o fosse, eu participaria, mesmo que a peça publicitária não representasse um produto digno, e a sua estética fosse de gosto duvidoso, pois eu jamais deixaria de estar presente em uma ação oficial da banda. Nesse caso, cabe salientar que se fosse um produto do qual eu não gostasse de estar pessoalmente vinculado (cigarros e bebidas alcoólicas, por exemplo), eu ainda assim colocaria a questão em discussão interna, mas se perdesse em uma eventual votação, acataria a decisão da maioria, democraticamente.

Não sentir-me-ia nada confortável em estar a fazer uma propaganda de maço de cigarro ou bebida alcoólica, pois nunca fiz uso de tais produtos, e tenho inúmeras restrições à eles, enquanto convicções pessoais que tenho sobre a sua existência na sociedade, mas se a banda achasse que a oportunidade de exposição midiática ou o cachêt oferecido fizesse isso valer a pena, mesmo sob protesto, eu participaria, ainda que sob constrangimento pessoal intenso, pois tais produtos atentariam contra as minhas convicções pessoais.

Posso incluir nesse rol a questão da alimentação carnívora, pois se detesto militância vegetariana, que muitas vezes atua com truculência nazi-fascista ao meu ver, sendo eu um vegetariano respeitoso ao extremo com pessoas que são carnívoras, mesmo assim me sentiria ridiculamente falso ao estar inserido em uma propaganda de uma churrascaria ou indústria frigorífica, a rir e compactuar com a ideia de que aqueles produtos ou serviços fossem de meu agrado.

Outra situação limítrofe seria estar a atuar em uma campanha política, para fazer propaganda acintosa e assumida a um partido ou candidatos que ideologicamente a falar, ferissem os meus princípios democráticos. Seria terrível para mim, estar vinculado a radicais, seja lá de que lado da polarização entre direita e esquerda.

Mesmo assim, se a banda batesse o martelo de que seria uma ação benéfica para a nossa carreira, mesmo em conflito ideológico gritante, a questão de não abrir mão de meus princípios seria suplantada pela ética de estar fechado com a minha banda, acima de tudo.

2) O outro ponto crucial para mim, foi o fato da agência publicitária não estar a convidar a nossa banda, especificamente para a campanha e isso incomodara-me de uma maneira muito incisiva. O leitor pode interpretar essa minha reação como um arroubo de "orgulho" de minha parte, mas acho que posso justificar tal sentimento. Eu achava que seria ofensivo à nossa banda, participar de um comercial, só pelo fato de sermos "cabeludos", a portar instrumentos musicais na mão, como se fôssemos anônimos ou simplesmente modelos (sem nenhum demérito à esses profissionais, mas só a exprimir que esse tipo de atuação para eles era/é normal, ao encenar ocorrências falsas, quase como a interpretar situações, portanto, a atuaro como atores, praticamente).

Na minha ótica, se chamassem a nossa banda para fazer um comercial de TV, não haveria problema algum, se na peça publicitária ficasse claro quem éramos, e também sem problemas por colocarmos a nossa face a bater por vender um produto. Muitos artistas fazem isso exaustivamente, incluso medalhões. E não só atores de cinema e TV, mas muitos músicos, cantores e compositores famosos.

Porém, da forma como o convite chegou, foi algo vago, e na minha opinião, até ofensivo, pois denotou que não interessou-lhes na realidade, saber quem éramos, mas simplesmente se éramos "cabeludos", e se sabíamos segurar instrumentos musicais de uma maneira mais convincente do que modelos sem nenhuma intimidade com o universo musical.

E o maior agravante, ao constatar-se que o que realmente interessou-lhes foi a aparência física das pessoas. O teste foi para avaliar a desenvoltura em frente à câmera, mas sobretudo para avaliar a "beleza física" dos candidatos. Nada contra essa expectativa da parte deles, pois isso é norma nesse métier, mas ao partir do princípio de que não éramos modelos, mas sim artistas genuínos, essa perspectiva para submetermo-nos a esse tipo de avaliação, foi ao meu ver, uma indignidade.

Acha exagerado, leitor? Mas foi o que eu senti à época e dessa forma, ponderei isso com os meus colegas, ao argumentar fartamente. Contudo, eles não se importavam em serem tratados como anônimos, e só lhes interessara a perspectiva do cachê oferecido.

Eles insistiram muito comigo, para que eu mudasse o meu posicionamento, mas em nenhum momento acharam que a banda seria prejudicada pela minha recusa em participar, e pelo contrário, não consideraram que aquilo prejudicaria a imagem da banda, em algum aspecto. Sendo assim, lá foram os três para o tal teste, em uma agência de publicidade, acho que nas imediações da avenida Faria Lima, não recordo-me ao certo.

Ao chegar lá, estavam presentes no salão, outros músicos conhecidos, a maioria da cena do Heavy-Metal, logicamente pela questão das cabeleiras, mas haviam outros de outras vertentes, também. Todos se submeteram aos testes individuais e alguns dias depois, o telefone tocou e os três, Rubens, Zé Luiz e Beto, haviam sido aprovados.
Continua...

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 307 - Por Luiz Domingues



Nessa segunda visita, Rubens e Beto interagiram. O Beto sempre foi bastante extrovertido, era de seu temperamento, normalmente e assim, representara teoricamente, o melhor entre nós quatro, para socializar. Eu tendo a ser formal e discreto, sempre. Dificilmente estabeleço uma amizade instantânea, a não ser que as pessoas com as quais eu esteja a interagir, tenham enorme compatibilidade de ideias & ideais, quando, aí sim, costumo interagir com entusiasmo e desenvoltura.

O Rubens também era circunspecto, mas não tão fechado quanto eu. Ele detinha uma característica pessoal por um fator de educação familiar, ao exercer o extremo cavalheirismo em situações sociais, e até exagerava um pouco, ao chamar a atenção pelo excesso de palavras não coloquiais nos cumprimentos, todavia, claro que não estou a reclamar, pois quem me conhece, sabe que aprecio valores de boa educação & cidadania, e nesse quesito, ele portava-se como um diplomata em meio à cerimônias oficiais.

Já o Zé Luiz, era educado, mas bastante despojado. A sua maneira de se colocar, era sempre coloquial, sem afetações, mesmo quando estávamos em alguma situação de glamour, em meio à  fãs e/ou jornalistas, portanto, jamais se sentia inibido em tomar uma atitude em público, coisa que para mim que sou muito mais retraído, sempre foi bastante complicado (a não ser no palco, onde com exceção dos primeiríssimos shows da vida, no longínquo ano de 1977, nunca tive problema algum em falar ao microfone, e não importa o número de pessoas que estivessem a fitar-me).

Dessa forma, o Beto fora realmente o mais adequado para estabelecer uma relação imediata de simpatia e os demais poderiam conduzir conversas posteriores com uma outra desenvoltura.

No entanto, houve um dado bastante óbvio nessas visitas: ali não era um lugar ideal para empreender visitas sociais, e pelo contrário, a nossa presença haveria de ser basicamente um estorvo. Sinceramente, hoje em dia eu valorizo ainda mais a predisposição d'Os Inocentes em ajudar-nos, pois foi muito inadequado convidar pessoas que nada tinham a ver com a sessão de gravação em si, para tumultuar o ambiente.

Ali era um ambiente de extrema concentração, foco e ainda mais com a agravante de ser um estúdio terceirizado e bastante caro, mesmo ao considerar-se que naquela época, as gravadoras majors trabalhavam com bastante fartura financeira, para dar as melhores condições possíveis para os seus artistas. Eu, particularmente, quando vou gravar um álbum, quero o máximo de privacidade e tirante os companheiros da banda e os técnicos envolvidos, não acho conveniente a presença de mais ninguém.
O baixista/guitarrista d-Os Inocentes, Ronaldo Passos, um rapaz extremamente gentil e solidário

Entretanto, Clemente e Ronaldo estavam realmente empenhados em nos ajudar, e deixo aqui o meu agradecimento público, embora tenha externado isso à época, para ambos, naturalmente. Porém, foi na terceira visita que algo muito emblemático ocorreu e nesse dia, a percepção foi toda do Zé Luiz, que foi muito perspicaz...

Nesse dia, eu não fui ao estúdio, mas o Zé Luiz esteve lá com o Rubens. Nessa altura, o clima estava mais descontraído com a produção e dentro daquele caráter comedido e básico para não tumultuar, já houveram pequenos diálogos e momentos de descontração, com brincadeiras e piadas, a denotar uma maior proximidade. Todavia, se houve um contato maior, não posso afirmar de forma alguma que tenha sido o suficiente para estabelecermos amizade, propriamente dita, com Peninha e Liminha.  O fato de rirmos das piadas, e eventualmente nos sentirmos aptos para tecer comentários nesses momentos lúdicos, não caracterizara de forma alguma que "estávamos inseridos na turma", enfim.


A realidade era muito adversa e ao ver hoje em dia, percebo que ali a confraria era 100% fechada naquela estética versada pelos seguidores do Pós-Punkl, e fim de conversa. Apenas olhar-nos e  verem as nossas cabeleiras setentistas, estávamos estigmatizados como antiquados, e simplesmente fora de qualquer possibilidade de sonhar em fazer parte do mundo mainstream oitentista.

Então, quando decidiram encerrar aquela sessão, o Zé Luiz ouviu o Liminha a comentar que precisava sair rápido para o aeroporto de Congonhas, pois detinha um compromisso no Rio de Janeiro, ainda parta aquela noite. Rápido na perspicácia, o Zé Luiz afirmou que estava de saída para ir à casa de sua irmã, na zona sul, perto do aeroporto, e que oferecia uma carona com prazer para ele, Liminha. Pura mentira, pois a Elizabeth Dinola, irmã do Zé Luiz que morava em São Paulo, na verdade residia em Pinheiros, na zona oeste da cidade, mas a manobra do Zé Luiz foi genial, em promover uma ação de camaradagem e mais que isso, quem sabe aproveitar para  falar mais incisivamente sobre a nossa banda.

Então, lá foi o incensado Liminha, ex-baixista dos Mutantes nos anos setenta, e celebrado produtor musical nos anos oitenta, a bordo da famosa Kombi de propriedade do João Dinola, irmão do Zé Luiz, e veículo esse que tantas vezes auxiliou a nossa banda, desde o início de nossas atividades, em 1982. A falta de glamour em andar em uma Kombi com carroceria aberta, não causou nenhum constrangimento ao celebrado produtor, que era sem dúvida, o maior do Brasil na ocasião.

No caminho, ao tentar usar da estratégia de despojamento, o Zé Luiz, no início do caminho, só falou amenidades sobre o trânsito, meteorologia e esperou um tempo para comentar sobre as sessões de gravação d'Os Inocentes, que presenciara. Quando a conversa  fixou-se em música, o Zé Luiz sacou do porta-luvas da Kombi, uma cópia da nossa demo-tape e a colocou sutilmente para tocar, mas sem forçar nenhuma conversa, inicialmente. O assunto fluiu e o Liminha perguntou se aquele som era de nossa banda, e limitou-se a falar muito timidamente que era "bacana".

Pura balela, pois é evidente que aquele som não lhe dizia absolutamente nada. Naquela altura dos acontecimentos, a sua mentalidade como produtor estava cristalizada há tempos, em termos de uma estética 100% calcada na estética Pós-Punk e os seus derivados, e nesses termos, pelo contrário, uma banda a soar setentista, com solos de guitarra e cozinha sofisticada, devia incomodá-lo muito.

Ao ignorar retumbantemente a audição que o Zé Luiz estava a promover veladamente no toca-fitas da velha Kombi, na reta final da viagem até o aeroporto, Liminha jogou a pá de cal sobre as nossas parcas esperanças, ao iniciar um discurso inflamado sobre a banda que ele mais adorava naquele "momentum 1986": "Camisa de Vênus"...

Praticamente uma banda Punk, bem tosca, ainda que o seu líder, Marcelo Nova fosse influenciado pelo Rock'n' Roll cinquentista (e claro que isso em tese amenizaria bastante a tosquice dos rapazes, mas que na prática não ocorria), realmente não houve como convencê-lo de que o nosso som detinha possibilidades comerciais, que nos davam elementos para pleitear o mainstream. Nem vou elucubrar sobre o caráter "Pop" da demo que graváramos em abril, e com nítido teor mais comercial, pelo menos em nossa ingênua ótica. 

Claro que algumas canções poderiam tocar na programação das rádios, claro que algumas poderiam figurar em trilhas de novelas da Globo, é evidente que poderíamos aparecer no "Chacrinha", a dublar as nossas canções: "Saudade" ou "Solange"... mas na concepção do formador de opinião padrão dos anos 1980, não haveria espaço para tal hipótese, e a rudeza Punk daquela década, norteara a sua percepção de mercado.

Então, o Zé Luiz deixou o famoso produtor no aeroporto, e apesar de encerrar essa etapa com a sensação do dever cumprido, manteve-se frustrado com o rumo da conversa, é claro.

Ainda tentaríamos mais duas abordagens com a gravadora Warner, nesse ano de 1986. Éramos tenazes, não posso negar. Mais que tenacidade e/ou teimosia, acreditávamos no trabalho e apesar de estar nítido que produtores de gravadoras majors estavam fechados com uma estética avessa à nossa, achávamos que poderíamos dissuadi-los a nos enxergar com outros olhos, ao descobrir o lado Pop, que supostamente achávamos que detínhamos, em meio àquela seara árida, que mais parecia o set de filmagens do filme Mad Max.


E certamente que tivemos, mas infelizmente não éramos uma banda norte-americana, e São Paulo não era Los Angeles, portanto, não houve meios de uma sonoridade Hard-Rock emplacar comercialmente, ainda que fosse moderna, com roupagem oitentista. O Brasil era e de certa forma continua a ser, a nação que mais ama o Punk-Rock e os seus derivados.

Costumo brincar, a dizer que na minha opinião, a "Revolução Punk de 1977" não passa de um movimento pusilâmine, ou seja, detém esse apoio maciço dos brasileiros, por que a preguiça aqui impera, como dizia, Mário de Andrade.

Uma estética que tem como "pilar", a máxima de que saber tocar um instrumento não é algo necessário para ingressar-se em uma carreira musical, cai como uma luva para os preguiçosos, não é mesmo ?

Quanto aos Inocentes, tal gravou o seu disco (o EP, "Pânico em SP"), com uma qualidade de timbres bem interessante, graças ao empréstimo de meu baixo, e da guitarra do Rubens, e em contrapartida, além desse esforço em tentar nos "introduzir" na seara de uma gravadora major, nos proporcionou um bom dinheiro em título de aluguel dos instrumentos citados, pago regiamente pela gravadora.

Tal disco é considerado pelos críticos, como o melhor trabalho da carreira da banda, opinião compartilhada pelo próprio, Clemente. Portanto, fico contente por ter contribuído, mesmo de forma modesta, para esse êxito dos amigos Clemente e Ronaldo, com quem mais interagíamos. E sob um breve futuro, ambos ainda tentariam nos ajudar em outras circunstâncias, conforme eu relatarei no momento oportuno da cronologia. Mais para frente, falo também sobre outras investidas que fizemos na gravadora Warner, mais uma vez. 

Continua...

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 306 - Por Luiz Domingues


Sem dúvida que o esforço que Clemente Nascimento e Ronaldo Passos, d'Os Inocentes, fizeram para nos ajudar foi muito salutar. Assim como Charles Gavin, dos Titãs, que também esforçou-se para nos dar uma ajuda, ambos foram muito solícitos nessa ocasião, e logo mais eu relatarei outros desdobramentos, também nessa prerrogativa deles terem nos auxiliado bastante nesse ano de 1986.

Enfim, de volta ao foco da narrativa, seguimos a orientação do Clemente, e paulatinamente colocamo-nos a visitar o estúdio Mosh, com o objetivo de aproximarmo-nos dos produtores Peninha e Liminha, que foram os nomes fortes da Warner na época e junto ao diretor da casa, André Midani, determinavam as contratações e estratégia de ação para o elenco da gravadora. Quem mais participou de tais visitas foi o Rubens, Beto e o Zé Luiz, no entanto. 

Eu fui apenas uma vez ao estúdio, e houve uma estratégia explícita de nossa parte, pois combinamos de nunca estarmos os quatro membros da banda juntos, para não caracterizar uma ação predatória de nossa parte. Pelo contrário, queríamos transparecer despojamento em nossas visitas, ao máximo, e tentar dessa maneira, uma aproximação "natural" ao buscar enturmarmo-nos com os formadores de opinião. Nesses termos, posso falar de uma visita em que estive presente, onde algo hilário aconteceu.

Creio que posso contar isso de uma forma tranquila, pois a despeito da trapalhada que configurou-se, não se trata de algo ofensivo para o seu artífice, o meu amigo José LuiZ Dinola. Como eu já falei várias vezes em toda a narrativa, inclusive em capítulos concernentes à outras bandas, o Zé Luiz é um extraordinário ser humano. A sua capacidade inventiva, também em aspectos extra-musicais é inacreditável, e as suas qualidades musicais são indiscutíveis. Não obstante tantos predicados que ele carrega consigo, ele é extremamente distraído, e não foram poucas as vezes que ele protagonizou situações engraçadas por conta de sua conhecida e costumeira distração contumaz. 

No capítulo do Sidharta, trabalho que fizemos juntos entre 1998 e 1999, eu já contei a incrível história dele com o ex-estilista, Clodovil Hernandes (está nos últimos capítulos daquela narrativa).
Mas neste caso das gravações do álbum d'Os Inocentes, em 1986, algo incrível ocorreu, e eu fui testemunha ocular dessa pérola...

Fomos ao Mosh em uma tarde de terça ou quarta, não me recordo ao certo. Chegamos ao velho sobrado localizado em uma tradicional rua do bairro da Vila Pompeia, e ao invés de um funcionário do estúdio nos receber, eis que atendeu-nos a porta um dos vocalistas dos Titãs, Branco Melo.

Os Titãs estavam na crista da onda, e com aquela fisionomia típica dele, com olhos esbugalhados e corte de cabelo a la "New Wave", seria impossível não reconhecê-lo, imediatamente. Ao agir com uma certa formalidade, como se fosse um funcionário do estúdio, quando ele abriu a porta falou: -"Pois não?"

Claro que eu reconheci o Branco, imediatamente, mas o Zé Luiz tomou a dianteira, e de pronto, pôs-se a falar que estávamos ali a convite d'Os Inocentes etc.  O Branco foi solícito ao nos deixar adentrar a casa, e falou-nos ser: "Branco Melo dos Titãs", ao formalizar uma auto-apresentação, mas mesmo assim, o Zé não entendeu, e continuou a tratá-lo como a um rapaz desconhecido, com educação certamente, mas sem reconhecê-lo, como um artista famoso já bem solidificado no mundo mainstream.

O Branco percebeu que o Zé Luiz não o reconhecera e sorriu para mim, como se buscasse a minha cumplicidade nesse episódio, que se não chegou a ser constrangedor, foi no mínimo, um ato atrapalhado. Então ele pediu para esperarmos um pouco na recepção, e foi falar com o Clemente. Quando ele, Branco, afastou-se do recinto, eu falei para o Zé Luiz que ele dera um fora, pois não percebera que o rapaz era o Branco Melo, dos Titãs. 

Aí ele surpreendeu-se, e ao estabelecer aquela típica expressão facial de espanto, riu da situação, pois não acreditara que não pudesse ter reconhecido o Branco, mesmo sendo ele, visualmente a observar-se, talvez o Titã mais marcante, justamente por conta de sua fisionomia, com os olhos proeminentes e geralmente realçados por recursos de maquiagem para forjar uma imagem artística agressiva, ao seguindo o modismo do Pós-Punk etc. e tal. Enfim, não surpreendi-me com a distração do Zé LuiZ pois já o conhecia de longa data, mas que foi engraçado, isso foi...

Nesse dia, conversamos com o pessoal, em meio a um clima bastante amistoso, e o Clemente falou-me que o meu baixo fora bastante elogiado pelo Liminha, que o testou e o aprovou para a gravação do disco. Nessa altura, eu o vi com cordas novas, de marca "Rotosound", justamente a que eu mais costumava usar (gostava/gosto, da GHS também), e ao ir além, ele falou-me também, que um jogo de cordas novo seria usado a cada dia de gravação, um requinte que um pobre mortal artista independente e descapitalizado como eu, nem sonhava, pois um encordoamento novo em folha para mim, era algo bastante sazonal, infelizmente, por questões monetárias proibitivas. 

Os produtores Liminha e Peninha haviam saído para um lanche em algum lugar do bairro, demos azar nesse aspecto, e a nossa determinação foi obviamente forjar uma aproximação com ambos, ao seguir a estratégia planejada pelo próprio, Clemente.

Então, tive a ideia de sair, mas ao deixar o Zé Luiz ali presente para forjar uma suposta naturalidade, a dissimular a nossa real intenção, porém sabedor de que o Rubens apareceria ali, posteriormente. Ficara excessivo ficarmos os três, e o Beto já havia dito que pretendia comparecer em outra ocasião.

E foi assim, de forma estratégica, eu me despedi de todos e aleguei um compromisso, para deixar o Mosh, para que o Rubens pudesse chegar a seguir, e junto com o Zé Luiz, tentar essa aproximação velada. Uma segunda visita ocorreria no dia seguinte, conforme relatarei a seguir.
Continua...