terça-feira, 31 de maio de 2022

A Esperança por uma Linguagem Única - Por Luiz Domingues

Manuelito nasceu em uma cidade de Honduras e teve uma infância pobre como a maioria das crianças que nasciam nesse país centro-americano tão carente de recursos. Com um padrão de vida limitadíssimo, o máximo que os seus pais conseguiram prover para ele e seus irmãos, fora a manutenção básica da vida mediante recursos modestíssimos e a única esperança de mudança nesse panorama, foi a perspectiva de estudar na precária escola local e garantir o ensino primordial mínimo da alfabetização, além da aplicação das quatro operações da aritmética fundamental.

E poder-se-ia afirmar que tudo isso era considerado como um luxo, em face à realidade do país e de seus vizinhos ainda menos afortunados, portanto, em meio a um bolsão de miséria e falta de recursos, realmente se mostrava como utópica a perspectiva de alguém prosperar dentro daquela situação social tão debilitada.

Mas sempre pululam os exemplos de alguma individualidade que se destaca em ambientes tão inóspitos e realiza proezas, a demonstrar talento e/ou força de vontade fora de série e quando descoberto pela imprensa, se torna objeto de exploração mediante a pauta do jornalismo sempre pronta a exaltar a “força do empreendedorismo” para justificar as teorias do liberalismo socioeconômico que eles defendem de forma férrea

No entanto, o caso de Manuelito não foi exatamente de algum feito de sua parte que se destacasse por ter sido alguma atividade notoriamente importante em termos culturais, científicos ou de qualquer outra monta que fosse considerada produtiva para a sociedade.

Enfim, o que ocorrera foi o seguinte: Manuelito depois que se alfabetizara minimamente, teve acesso a um almanaque velho que alguém doara à parca biblioteca da sua escola.

Com marcas do tempo bem proeminentes, incluso algumas páginas soltas a denotar o manuseio em profusão, realizado há décadas, a despeito de ser uma publicação bastante defasada em termos de informações, tal publicação fascinou o pequeno Manuelito ao ponto de lhe proporcionar tomar contato com um mundo inimaginável e do qual ele jamais teria acesso dentro do cotidiano de um menino pobre de uma nação tão carente de infraestrutura e recursos.

Pois foi assim, em meio a uma porção de curiosidades, e cá entre nós, a maioria delas a se configurar como dados irrelevantes a caracterizar como um autêntico exemplo de cultura inútil, ele se tornou um voraz leitor daquele conteúdo.

No entanto, para Manuelito, tudo se mostrava interessante. Dados geográficos e socioeconômicos de países distantes que ele jamais ouvira falar anteriormente, se tornaram objeto de sua atenção, e ele nem levava em conta a natureza volátil de tais registros, portanto, o panorama que ele lia naquelas páginas amareladas refletia apenas a realidade de 1938, ano de publicação do almanaque e claramente estava muito defasado.

Contudo, mesmo que ele tivesse tal consciência, é óbvio que relevaria essa constatação, pois o que lhe interessava ali, fora mesmo o fascínio que sentiu pela absorção de dados e não exatamente a atualidade de tais informações.

E a folhear o almanaque com enorme entusiasmo e nesta altura ele percebera que a cada página virada encontrava algo mais interessante do que acabara de ler na página anterior, eis que se deparou com um artigo a narrar resumidamente a história de um idioma inventado, chamado como: "Esperanto”.   


        Ludwik Lejzer Zamenhof, o inventor da língua "Esperanto"

Nesse artigo muito superficial, Manuelito ficou a saber que essa língua planejada fora concebida com a intenção de se tornar um idioma de compreensão universal, obra de um médico polonês chamado: Ludwik Lejzer Zamenhof, oficialmente ao final da década de oitenta do século dezenove, quando do lançamento da primeira versão publicada da sua gramática.

A misturar o latim clássico com línguas eslavas, ele criou um alfabeto baseado no padrão latino, mas a acrescentar acentos diacríticos para delinear a fonética em certos casos e tratou de simplificar ao máximo a gramática para que houvesse rápida adesão e dessa forma a forjar que tal língua se tornasse uma língua internacional a suplantar os idiomas tradicionais e assim a romper barreiras e unir a humanidade. Bonita a intenção do oftalmologista polonês, embora claramente delirante no seu intuito.

Enfim, Manuelito ficou tão fascinado com essa história que foi além da vontade de aprender o “esperanto”, mas sob um impulso infantil, porém megalomaníaco e completamente fora da realidade, alimentou a utópica decisão de criar ele mesmo um novo idioma, completamente baseado na sua concepção infantil e logicamente sem base linguística alguma.

E assim, ele passou meses a rabiscar sobre o papel de embrulho de pães, porquanto não poderia gastar as folhas de seu único caderno de anotações escolares, palavras a esmo que inventava e cujo único critério para tal, fora avaliar o aspecto sonoro da fonética que verbalizava a esmo, e a seguir, lhes atribuir um significado sem padrão algum que não fosse a livre escolha da sua parte.

E assim, ele se divertia ao pronunciar palavras inexistentes e forçar os seus irmãos a associarem aquelas palavras inventadas pela sua imaginação com objetos, sentimentos, e situações as mais diversas, a estabelecer uma gramática rudimentar e ilógica sob qualquer parâmetro.

No início, essa ação tão improvável chamou a atenção dos familiares, no entanto, não gerou nenhuma animosidade, e pelo contrário, todos riam a considerar aquelas palavras com fonética estranha, como uma brincadeira infantil inocente e que se mostrava engraçada na medida em que quase todas as palavras inventadas possuíam uma sonoridade tão exótica que lhes soavam engraçadas.

Mas a brincadeira extrapolou o ambiente familiar e quando chegou à vizinhança, e dessa forma se espalhou além desse limite tão prosaico.

Em certo dia, um repórter de um jornal da capital bateu na porta da família, a fim de conhecer o garoto que inventara uma língua inteiramente nova, fruto da sua imaginação e sem suporte algum de algum professor para lhe orientar sob o ponto de vista da linguística.  

Quando começou a entrevistar o garoto e examinar as suas anotações, no entanto, o repórter não precisou de mais de trinta segundos para perceber que o seu esforço e gasto para ter se deslocado da capital à cidade do garoto, fora um equívoco sem igual.

A conversa simplória do menino, reforçada por aquela anotação de cunho infantil, que continha a solidez de um punhado de areia úmida em suas mãos, deixara claro não haver base nem para se montar um artigo para o suplemento infantil do seu jornal, pois não passava de uma brincadeira sem importância alguma, portanto, não havia nenhum feito ali perpetrado que pudesse se caracterizar como algo extraordinário.

E sobretudo, não servia para uma matéria a enaltecer o talento pinçado em meio ao bolsão de pobreza ali predominante, para reforçar aquela ideia sobre o jovem empreendedor que tira forças internas inimagináveis de dentro de si e se mostra útil ao sistema.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Um Reles Consumidor - Por Luiz Domingues

Um jovem apaixonado pelo futebol desde criança, torcia alucinadamente por um dos clubes da sua cidade. E não satisfeito em acompanhar todos os jogos, senão in loco, na arquibancada dos estádios, mas pelos meios de comunicação, ele consumira tudo o que se relacionasse ao seu time de coração, ao praticamente ter o distintivo e as cores amarelo e marrom, oficiais desse clube, a ornar praticamente todo o seu quarto e depois que cresceu e se tornou independente, da sua casa inteira.

Foi quando o seu clube lançou uma revista no mercado, para atrair a atenção dos seus torcedores e a conter como pauta, diversas informações sobre as atividades da atualidade, curiosidades, feitos do passado, entrevistas com jogadores, membros da comissão técnica e dirigentes e assim, a se revelar bastante rentável, naturalmente ao explorar a paixão de seus torcedores.

Tempos depois, a direção da revista resolveu lançar uma promoção. Mediante o envio de um cupom publicado em suas páginas com uma pequena ficha cadastral, haveria o sorteio e o leitor escolhido seria recebido na redação da revista para fazer uma entrevista com o treinador do time, ao fazer uso de suas próprias perguntas.

O rapaz se animou muito com a perspectiva e preencheu a ficha com esperança de ser agraciado com tal oportunidade.

Duas emanas depois, eis que o telefone tocou e se tratou de uma moça que se identificou como secretária da redação da tal revista, e então o comunicou que ele fora o feliz sorteado. Perguntou a seguir se ele poderia estar na redação no horário de dez horas da manhã de um determinado dia a ser combinado, quando então entrevistaria o treinador do time, mediante as suas perguntas.

Eufórico, porém a se controlar para não parecer estar deslumbrado, o torcedor apenas perguntou sobre a quantidade de perguntas que teria direito de formular e a moça se mostrou lacônica ao afirmar: -"quantas ele quisesse". 

Bem animado com tal oportunidade, ele preparou um questionário com mais de cinquenta questões, a envolver aspectos das táticas de jogo, métodos de treinamento, perguntas sobre a preparação física e psicológica dos atletas e outras nuances sobre os bastidores da preparação de um time de futebol.

Quando chegou na sede da redação da revista, munido de seu extenso questionário em mãos, foi recebido pela secretária que se mostrou educada, porém bem mais formal do que aparentara ser pelo teor do telefonema com o qual haviam conversado, dias antes.    

Foi quando ela abriu uma gaveta e entregou um papel sulfite impresso para o rapaz. Nele, haviam cinco perguntas pré-formuladas pela própria redação da revista e então ela simplesmente afirmou que ele deveria formular tais perguntas ao treinador, assim que ele chegasse. Ora, não fora esse o combinado previamente. E mais do que isso, ela afirmara que não haveria limite, daí ele ter elaborado um questionário vasto. 

Todavia, o pior estava por vir, pois ao ler o questionário sugerido pela revista, o teor das perguntas o constrangeu completamente. O nível das perguntas se mostrava mais raso do que o texto de revistas de fofocas sobre atores e atrizes de novelas da TV. Perguntas tais como: -“ treinador, qual marca de perfume o senhor usa”, ou, -“Qual é o seu signo?” –“Qual a sua fruta predileta?”  e: –“Qual tipo de bebida o senhor prefere?” lhe causou espécie de imediato.

Indignado, o torcedor simplesmente afirmou para a moça que não faria essas perguntas ridículas e que insistia em fazer uso de seu questionário a abordar questões técnicas sobre o futebol. A moça arregalou os olhos ante a insatisfação expressa pelo rapaz e apenas respondeu com certo ar de estupefação que outros torcedores que haviam sido sorteados em ocasiões passadas, jamais haviam reclamado e teriam feito as perguntas sem causar problemas.

O rapaz foi então mais enfático ao dizer que se não pudesse fazer as suas perguntas, exclusivamente sobre futebol, abriria mão da oportunidade e partiria dali imediatamente.

Talvez a recear por levar uma bronca de seu chefe de redação acaso o rapaz se ausentasse, ela acatou a reivindicação e visivelmente contrariada apenas respondeu; -“ tudo bem, tudo bem, faça as suas perguntas então”.

Eis então que o treinador chegou acompanhado do assessor de imprensa do clube. Simpático com o torcedor, começou a responder as perguntas. E ele demonstrou gostar do teor das questões, pois afinal de contas, a conversa tangenciou para o que realmente interessava dentro daquele universo, que era o meandro do futebol.

No entanto, quando chegou na quinta pergunta, o assessor foi grosso ao extremo ao prover um corte brusco e bastante descortês, ao dizer com certa truculência: -“última pergunta, torcedor, o treinador tem treino marcado para daqui a pouco e esse questionário aí está a parecer prova de vestibular de quatro horas de duração”.

Bem, o constrangimento foi instaurado na saleta de reuniões, mas o torcedor não teve como evitar a interrupção abrupta.


Encerrada bem rapidamente a entrevista, o assessor comunicou ao torcedor que ele e o treinador seriam fotografados juntos e que este deveria sorrir e fazer um sinal manual típico de quando se expressa positividade, ou seja, o clássico dedão para cima, o sinal de “joia”.

Feitas as despedidas o assessor falou para o torcedor: -“Está dispensado, torcedor, retire-se por favor”.

Constrangido com o comportamento rude do assessor, o treinador tentou consertar o mal-estar ali gerado ao chamar o “torcedor” pelo nome e lhe convidar para que ele assistisse um treino. A seguir anotou o nome do rapaz em um papel, guardou no bolso do seu paletó e disse que deixaria a ordem expressa na portaria do centro de treinamento para que a sua entrada fosse autorizada sob o seu convite.

O rapaz já não havia engolido a história do questionário ridículo que tentaram lhe impor e depois ficou ainda mais contrariado com o tratamento dispensado pelo assessor de imprensa que o interrompera sem que nem dez por cento das suas perguntas houvessem sido formuladas ao treinador, mas o que lhe indignara mesmo foi se sentir um objeto ali, quando o tal prepotente assessor o dispensou e lhe chamou apenas de ‘torcedor”.

Sim, ele torcia por aquele clube, desde a tenra infância, mas aquela forma de tratamento o atingira de uma forma aviltante, com a qual ele jamais esperaria da parte de um funcionário do clube que tanto amava e além do mais, gastara uma fortuna ao comprar ingressos para assistir os seus jogos e adquirira uma quantidade absurda de quinquilharias com o seu distintivo e cores, obviamente a lhe dar muito dinheiro.

Ele foi ao treino de fato, entrou sem problemas com o seu nome devidamente anotado na lista de convidados do dia, mas não teve acesso ao campo, naturalmente e tampouco ao treinador. No entanto, sentado na arquibancada do centro de treinamentos, foi notado pelo treinador que assim que o avistou, ergueu o seu braço e o cumprimentou com simpatia.

Quando o treino se encerrou e ele já estava de partida, eis que avistou a figura do assessor de imprensa que o destratara dias atrás. Quando estavam muito próximos um do outro, o rapaz se preparou para cumprimentar, mas o tal assessor passou a olhar para o infinito, com a nítida intenção de ignorar a sua presença e assim evitar o contato visual direto.

Nesse momento ele confirmou que não exatamente para todos os envolvidos, mas para grande parte das pessoas que trabalhavam na estrutura do futebol, ele, assim como qualquer um, era apenas um “torcedor”, e pior, alguém que só lhes servia para gerar receita, advinda da exploração da sua paixão pelo futebol e que na prática, tais pessoas que faziam parte dessa estrutura interna, nem gostavam desse universo.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

Desestímulo por Nada - Por Luiz Domingues

Desde muito pequena, Felipa, uma garotinha nascida na bela cidade de Aveiro, Portugal, mostrara forte interesse pela culinária.

Ao contrário de seus irmãos e primos, que preferiam as brincadeiras típicas da infância, Felipa foi aquele tipo de criança que mostrara a sua paixão por uma atividade em específico desde a tenra infância e não se tratou do fato de ser diferente e não gostar de brincar, mas definitivamente, ela preferia ficar na cozinha e observar todos os movimentos de sua mãe, avó e tias, nas atividades culinárias ali desenvolvidas.

Ela foi aquele rostinho que aparecia na pontinha da mesa, a fazer uso de um esforço grande para se equilibrar na ponta dos seus pezinhos, para poder olhar e os adultos se encantavam com a sua força de vontade para desejar ver tudo.

Bem, o inevitável ocorreu quando ela ficou maior, pois de observadora infantil se tornou um aprendiz muito aplicada e logo, mostrou que mais do que vontade de aprender, ela demonstrara possuir talento nato, e isso encantava os seus familiares mais velhos, que não se cansavam de elogiar os seus dotes, mesmo que ainda fosse apenas uma menina pré-adolescente nessa altura dos acontecimentos.

E à medida em que ela crescia, a sua paixão pela culinária sob diversas nuances cresceu ainda mais e com tal vontade que ela tinha para ser uma cozinheira e também confeiteira, o seu esforço tão apaixonado pela atividade a qualificava para vir a se tornar uma grande profissional, se bem que, na prática, ele já tinha essa condição, tamanha a sua desenvoltura.

Bem, a despeito da sua nítida aptidão, nem todo mundo da sua família levava em consideração o talento de Felipa. Um de seus primos, na verdade, nunca falou abertamente, mas na sua concepção, o fato dela ter se tornado uma boa cozinheira, não significava exatamente que fosse bem-sucedida na vida mediante tal atividade.

Isso por que a sua régua de medição era a mesma adotada pelos entusiastas das ditas “leis do mercado”, ou seja, ser ótima na culinária, pela sua ótica, só teria validade se ela fosse trabalhar em um restaurante renomado e remunerada por um salário de alto padrão, ou melhor ainda, se fosse a proprietária de um estabelecimento desse porte e com sucesso financeiro e social a olhos vistos.

Bem, esse tipo de pensamento norteia a sociedade ocidental de uma maneira geral, não resta dúvida e neste caso, são poucas as pessoas que rechaçam tal linha de pensamento e geralmente são consideradas como “outsiders” por não pensarem dessa forma.

Não foi exatamente a linha de pensamento de Felipa, que não era nenhuma idealista contra o sistema, mas também não era totalmente pautada por ele, ou a trocar em miúdos: ela sonhava, sim, em trabalhar na cozinha de um grande estabelecimento ou gerir o seu próprio negócio, todavia, motivada pela sua paixão pela culinária e não exatamente pela sanha de ganhar dinheiro e a nutrir o desejo da ascensão social, por conseguinte.

Esse choque de mentalidade entre ela e seu primo, nunca foi algo frontal e nem mesmo havia da parte dele, qualquer intenção de diminuí-la em relação ao seu talento, no entanto, com o passar do tempo e ao observar que Felipa recebia elogios cada vez maiores por seus dotes, mas na prática a trabalhar em um pequeno restaurante sem nenhuma perspectiva de crescimento, ele passou a adotar uma tática sutil de desestímulo sempre podia, no intuito de fazê-la enxergar que estava a perder tempo na vida,

Dessa forma, a sua intenção foi a melhor possível ao aspirar “abrir os olhos” da sua prima, no entanto, a forma com a qual montou a sua estratégia de alerta, foi um desastre completo.  

Convicto de que ela nunca daria certo na vida como cozinheira, ele simplesmente adotou uma postura que aos olhos dela parecia muito estranha, pois se abstinha de tecer elogios aos pequenos progressos que ela obtinha, ao contrário de seus outros primos, que se entusiasmavam com cada pequeno feito, como por exemplo ao vencer concursos de culinária de pequena monta ou a receber uma nota no jornal local por ter preparado um prato elogiado de sua criação, no pequeno restaurante no qual trabalhava.

E para demarcar a sua estratégia, por outro lado, ele exagerava nos elogios para todo acontecimento que envolvia Felipa, desde que nada tivesse conexão com a culinária, certamente na esperança de que ela despertasse de seu sonho por ele considerado utópico e assim, se arrumasse melhor na vida, mediante um caminho mais realista.

Por exemplo, quando ela se envolvera com uma ação de voluntariado gerido pela paróquia católica que frequentava. Quando Felipa comentou em família que estava a dedicar algumas horas semanais para empreender tal tipo de trabalho social em prol de pessoas carentes, ele deu um pulo da poltrona e com exagerada ênfase, exclamou: -“você se achou, finalmente!”

Uma tia de ambos retrucou com bom humor que ele estava a exagerar, pois isso se constituía apenas de uma ação secundária na vida de Felipa e que ela era acima de tudo uma excelente cozinheira e confeiteira.

Ao perceber que chamara a atenção em demasiado com uma reação tão efusiva, o primo consertou a situação ao disfarçar a sua real intenção, ao acrescentar que apenas achara bonito o gesto altruísta da sua prima e claro que isso nada tinha a ver com a sua atividade na culinária.

Algum tempo depois, eis que Felipa foi convidada para fazer parte de corpo de jurados de um concurso literário patrocinado pela escola local. Quando soube do convite, o primo, sempre com aquela boa intenção de apontar outras vocações para Felipa, mais uma vez se exaltou ao dizer para ela que o mais acertado seria considerar a hipótese de se candidatar a se tornar uma funcionária fixa da escola, pois as crianças e adolescentes demonstravam gostar dela.

Felipa percebia que ele a desestimulava em relação à culinária e sempre forçava emitir opiniões fora de propósito para que ela investisse tempo e energia para se dedicar a outras funções profissionais e em princípio, ela não entendera a real motivação dessa campanha velada de desestímulo pela qual ele se empenhava tanto e pelo contrário, começou a se magoar com a falta de reconhecimento de sua parte em relação ao fato cabal de que ela sempre fora uma ótima cozinheira e que acima de tudo, amava a culinária.

Passado mais um tempo, eis que ela foi convidada a comandar a cozinha de um restaurante de um nível melhor, acostumado a atender a burguesia da cidade e ele foi prestigia-la. Casa lotada, quando o jantar foi servido, a satisfação dos clientes foi tão grande que em dado momento, o maitre a chamou para comparecer ao salão para que fosse homenageada pelos clientes e ali, Felipa foi saudada com uma salva de palmas.

O primo, ao contrário, estava com uma expressão facial de profundo tédio, como se reprovasse a situação. Em conversa reservada dias depois, ela simplesmente nem tocou no assunto sobre esse jantar e tampouco da manifestação da clientela ao reconhecer o seu bom trabalho como a exímia cozinheira que o era. Mas o primo não se conteve e com um ar deveras azedo, disse que a comida estava saborosa, certamente, mas ela deveria preparar pratos mais populares em uma outra oportunidade, pois muita gente ali aplaudira por educação, mas achara a comida inadequada, na verdade.  

Chateada, Felipa retrucou com certa veemência, pois já não aguentava mais suportar essa má vontade de seu primo para com os feitos dela no campo da culinária. Nessa predisposição em contrário, ela simplesmente disse que ali a ideia foi buscar algo mais sofisticado e não apelar para os pratos mais populares. 

Demorou muito, mas finalmente ela percebeu que não havia maldade da parte de seu primo, porém, apenas uma descrença de sua parte pela atividade que ela escolhera exercer e muito pelo contrário, ele gostava dela e se insistia em manter essa estratégia desagradável, fora motivado pelo fato de se sentir convicto de que ela estava iludida com tal escolha e dessa forma, ao desejar o seu bem, a desestimulava “sutilmente” no afã de que ela despertasse para a “realidade”.

Faltara apenas ao primo bem-intencionado, mas péssimo avaliador da situação como um todo, entender que ela era plenamente feliz ao praticar a culinária, mesmo que não fosse proprietária de um restaurante e nem mesmo estivesse empregada em um estabelecimento renomado.

Em suma, faltou ao seu primo entender que o esforço de Felipa lograra pleno êxito, mesmo que isso não tenha se refletido com um ganho significativo em termos monetários.

sábado, 21 de maio de 2022

Os Kurandeiros & Medusa Trio - Projeto Fábrica Rock - Fábrica de Cultura Parque Belém/SP - Domingo - 22/5/2022/15 Horas

Os Kurandeiros + Medusa Trio

Projeto Fábrica Rock

Domingo  -  22 de maio de 2022  -  15 horas

 

Fábrica de Cultura Parque Belém

Avenida Celso Garcia, 2231

Bairro do Belém

Estação Belém do Metrô

São Paulo  -  SP

Entrada gratuita


Medusa Trio: 15 horas

Milton Medusa: Guitarra

Fernando Tavares: Baixo

Luiz Pagoto: Bateria

Os Kurandeiros: 16 horas

Kim Kehl: Guitarra e voz

Carlinhos Machado: Bateria e voz

Nelson Ferraresso: Teclados

Phill Rendeiro: Guitarra e voz

Luiz Domingues: Baixo e voz

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Os Sabores Diferenciados do Desprezo - Por Luiz Domingues

No ambiente de uma típica cidade pequena do interior de São Paulo, havia dois fatores dados como certos: o calor tórrido que era forte o ano inteiro naquele local, incluso no inverno e a outra questão considerada como uma norma ali, dava conta de que mais até que os serviços básicos, abrir uma sorveteria era a melhor escolha para se ganhar dinheiro em tal municipalidade, por motivo óbvio.

Mas não era uma missão tão fácil assim, haja vista que já existiam duas sorveterias bem tradicionais ali instaladas e assim, montar um novo estabelecimento nesse mesmo ramo, exigiria investimento e inovação no seu formato, ao se levar em conta que atrair a freguesia das concorrentes, ali sedimentadas há décadas, seria muito difícil e por conseguinte, a se revelar como um risco muito grande.

Foi quando quatro amigos de infância, assim que encerraram os seus estudos do ensino médio, adotaram uma postura diferente da maioria dos jovens da cidade, que geralmente buscavam o ensino superior em cidades maiores da região ou mesmo na capital e dessa forma, eles resolveram permanecer na pequena cidade natal e investirem em um negócio.

Com apoio de seus respectivos pais que eram abonados, a dificuldade financeira para dar impulso inicial ao comércio, não foi problema, porém, o desafio maior se deu com a questão da estratégia, pois em uma pequena cidade e com predomínio de população idosa, pelo motivo de que os jovens se mudavam para buscar oportunidades de estudo em cidades maiores e poucos voltavam depois de formados, a questão foi: como atrair os mais veteranos, com a tendência ao conservadorismo e assim não deixar de frequentar a concorrência ali sedimentada há décadas?

A estratégia foi então direcionar a propaganda a atingir o público infantojuvenil e dos jovens em geral de cidades vizinhas, ao oferecer sabores diferenciados, conexão com a modernidade tecnológica e interatividade nas promoções. 

Ótima opção, isso iria na direção oposta ao tradicionalismo ali tão impregnado, portanto, seria um diferencial e tanto. Daí a conseguir quebrar paradigmas e sedimentar-se naquele mercado tão insípido, havia um abismo, naturalmente. Aliás, é muito normal em uma cidade interiorana de pequeno porte que as pessoas visitem um novo estabelecimento em peso quando da sua inauguração e rapidamente voltem a frequentar os concorrentes tradicionais, logo a seguir.

Dessa forma a intenção foi não esmorecer na propaganda e sempre buscar interagir com a juventude da região ao falar a linguagem dela e em seus meios, certamente.

Nesses termos, vivia-se uma euforia em torno dos "podcastings" e das "webradios" nesse tempo e os jovens proprietários dessa sorveteria toda moldada para a modernidade, foram incisivos ao investir na propaganda feita nesses meios  

Naturalmente que foram convidados a conceder entrevistas em diversos programas para explicar o funcionamento da sua sorveteria, também sobre a questão da interatividade na internet e sobretudo sobre os sabores diferenciados que ofereciam no menu da sua sorveteria.

Um dia, dois desses jovens sócios foram agendados para conceder entrevista em um programa de uma webradio dessas que atuavam na região. Um dos rapazes concedeu a entrevista e o outro ficou marcado para intervir mais tarde.

Quando chegou ao escritório da sorveteria, o rapaz que já havia concedido entrevista, falou para o colega aguardar por um instante que ele buscaria um papel a conter a anotação do nome da emissora, a sua sintonia e o nome do comunicador, para que ele não se perdesse com tais detalhes.

Pois assim que a conexão foi estabelecida, eis que o sócio já devidamente no ar, saudou efusivamente o entrevistador e o seu público ao falar em alto e bom som o nome de uma webradio concorrente.

Atônito, o entrevistador riu sem graça e corrigiu de pronto o entrevistado, e este reagiu com profundo constrangimento por conta de uma gafe tão grande. No entanto, no papel que o colega lhe dera, estava escrito em letras garrafais o nome da emissora concorrente.

Concomitantemente, uma sonora gargalhada eclodira de um outro cômodo do escritório e ficara claro para ele, se tratar do seu sócio que lhe entregara a anotação com os dados básicos. Ele fora a única outra pessoa presente na casa naquele instante e certamente fora ouvir a entrevista através de um outro computador.

No entanto, mais do que rir de um lapso, ficara clara para o sócio constrangido que a gargalhada tivera uma conotação de escárnio, como se a falha cometida o divertisse muito, por alguma motivação obscura.

Quando a entrevista se encerrou, ambos se encontraram na cozinha da sorveteria e o rapaz que entregara a ficha, riu mais uma vez, mas desta vez a querer denotar uma aura de compreensão pela falha e logo tratou de se desculpar, ao dizer que a falha fora sua ao escrever o nome da concorrente por um engano fortuito de sua parte.

Ora, se tratou de uma boa desculpa e ficou por isso mesmo, pois não haveria meio de se provar uma outra intenção da parte do colega. No entanto, aquela gargalhada espalhafatosa, corroída por escárnio e um indisfarçável prazer de flagrar o colega a cometer um erro crasso, não saíra da percepção do rapaz humilhado.

Bem, a sorveteria foi inaugurada, elogiada e tudo mais, no entanto, não prosperou como esperavam os quatro sócios. Muitos fatores contribuíram para tal, o conservadorismo local provavelmente como o principal fator, é claro, porém, a quebra da confiança por conta de um episódio tão remoto, também pode ter entrado nessa somatória, pois o rapaz ultrajado nunca engoliu a desculpa do colega e assim, internamente ele notou desde de tal acontecimento, que a união ali nunca existiria.

E ao chegar nessa conclusão, deduziu o óbvio, ou seja, como poderia prosperar uma sociedade na qual um sócio achava engraçado que o colega se expusesse ao ridículo e pior, contribuíra decisivamente para esse desfecho ao promover um pequeno ato de sabotagem deliberada?

Neste caso, ao conceder a entrevista em nome da sorveteria e proferir uma fala equivocada, automaticamente não depôs contra o estabelecimento? Pois é, se não pensara nesse aspecto, o possível sabotador deixara claro que o sucesso do empreendimento era menor ante a sua vontade de provocar o constrangimento do colega.

Portanto, nada que fizessem em termos de investimentos, inovações e propaganda e nem mesmo o dinheiro investido haveria de evitar o fracasso, pois o elo que os unia já estava quebrado antes mesmo do negócio abrir as portas.

domingo, 15 de maio de 2022

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 75 - Por Luiz Domingues

Bem, assim que o ano de 2022, entrou, nós voltamos a nos organizar para enfim acelerarmos o trabalho para fecharmos o corpo inicial das seis primeiras músicas resgatadas. Claro, a agenda de início de ano a conter viagens familiares e afins, contribuiu um pouco para a postergação inevitável.

E mais um problema ocorreu, quando enfim marcamos ensaio apenas com o trio de cordas, como uma preparação para posteriormente ensaiarmos novamente com o baterista Nelson Laranjeira. Aconteceu que marcamos data no estúdio Armazém do bairro do Tatuapé, mas na antevéspera desse encontro, eu (Luiz Domingues), fui procurado pelo dono do estúdio, o simpático jovem Henrique Polak, a dar conta de que um funcionário seu (este rapaz chamado, Sérgio), havia testado positivo para a Covid e assim, ele também se colocara em quarentena e fecharia o estúdio por segurança.

Osvaldo Vicino e Wil Rentero a estudar o solo em duo que prepararam na introdução da música: "Mina de Escola". Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen, localizado no bairro da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo em 30 de janeiro de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

Dessa forma, marcamos o apontamento para estúdio Lumen da Vila Mariana e assim, em 30 de janeiro de 2022, preparamos filmagens para estudo interno das músicas: "Mina de Escola" e "Diva", além de repassarmos as quatro anteriores ("Serena", "E o que Resta é a Canção", "Centro de Loucos" e "O Mundo de Hoje"), que havíamos passado e filmado com o baterista, Nelson Laranjeira, no último ensaio realizado em dezembro de 2021.

Wilton Rentero e Osvaldo Vicino, no início dos trabalhos do dia 6 de fevereiro de 2022, no mesmo estúdio Lumen. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen da Vila Mariana em São Paulo. 6 de fevereiro de 2022. Click e arquivo: Luiz Domingues 

E lá fomos então no domingo seguinte, dia 6 de fevereiro de 2022, de novo no estúdio Lumen da Vila Mariana, para filmarmos as duas músicas que faltaram e passar de novo as quatro anteriores, com o baterista, Nelson Laranjeira.

O baterista, Nelson Laranjeira, que gentilmente veio nos auxiliar no projeto de resgate das músicas do Boca do Céu. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen da Vila Mariana em São Paulo. 6 de fevereiro de 2022. Click e arquivo: Luiz Domingues

De fato, foi um bom ensaio com a filmagem das duas músicas que faltavam e novas versões filmadas das quatro canções que ele, Nelson, já havia filmado conosco anteriormente. E assim, nos colocamos prontos para enfim marcarmos a realização de um ensaio gravado com um melhor apuro de áudio e assim obtermos um material com um padrão superior de qualidade sonora para mostrarmos ao Laert e demarcar dessa forma, a introdução direta dele nos esforços doravante, ao lhe dar a chance para opinar nos arranjos finais, principalmente a burilar melhor as melodias e reescrever letras.

No entanto, o ensaio marcado para o dia 13 de fevereiro no estúdio Mecanix do bairro da Vila Sonia, na zona sudoeste de São Paulo, teve que ser desmarcado por conta da Covid e desta feita, não foi um funcionário do estabelecimento que testara positivo, como ocorrera no estúdio Armazém do Tatuapé, em janeiro, porém, com um partícipe do nosso esforço, no caso, o baterista, Nelson Laranjeira, que se sentira mal e ao buscar ajuda médica, testara positivo para a doença e entrara no resguardo sanitário.

Recebemos a informação posterior de que ele estava bem, já a se recuperar e que em breve testaria novamente, quando muito provavelmente sairia da quarentena, com a testagem a sinalizar negativo para a doença. Mas aí veio o carnaval e mesmo que essa festa estivesse esvaziada por causa do seu cancelamento parcial no tocante aos festejos oficiais em si por ordem governamental, resolvemos postergar tal produção e assim, ficou acertado que proveríamos tal filmagem e gravação para o dia 6 de março.

Wilton Rentero a se preparar para o início do ensaio. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Lumen da Vila Mariana em São Paulo. 6 de fevereiro de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

Continua...