1º de março de 2019 - Sexta-Feira
Festival Psicodália
Rio Negrinho - SC
Patrulha do Espaço :
Rolando Castello Junior : Bateria
Rodrigo Hid : Guitarra e Voz
Marta Benévolo : Voz
Luiz Domingues : Baixo e Voz
Neste meu segundo Blog, convido amigos para escrever; publico material alternativo de minha autoria, e não publicado em meu Blog 1, além de estar a publicar sob um formato em micro capítulos, o texto de minha autobiografia na música, inclusive com atualizações que não constam no livro oficial. E também anuncio as minhas atividades musicais mais recentes.
Joseph Dinllard foi um poeta promissor e que desde a tenra idade mostrou ter nascido para combinar as palavras de uma maneira a conferir-lhes docilidade e leveza. Incentivado pelos pais e mestres, buscou o aperfeiçoamento de seu talento nato, ao estudar literatura na Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Estudioso, entusiasmado e apaixonado pela poesia, mediante a envergadura acadêmica da qual revestiu-se, ficou muito preparado ao ponto de dar vazão com total desenvoltura em sua criação.
Estimulado a participar de diversos concursos literários, venceu a maioria deles e os poucos em que não chegou ao primeiro lugar, chegou à segunda ou terceira colocação, no mínimo.
Formado, chegou com facilidade ao doutorado, ao abrir-lhe a possibilidade de forjar uma carreira brilhante no âmbito acadêmico, o que ele enxergou com bons olhos, naturalmente, mas em paralelo, ele acalentara o sonho de possuir uma carreira sólida como escritor, a alcançar a fama popular e não ficar circunscrito apenas dentro do universo das letras acadêmicas.
Com todo esse respaldo da universidade, acrescido do seu talento e alto preparo técnico, não haveria meio pelo qual alguma editora criasse algum empecilho para lançar a sua vasta obra no mercado e que nessa altura, já justificaria o lançamento de vários livros, tamanho o volume da sua criação acumulada.
Eis que o seu material inicial seguiu para a avaliação do editor chefe de uma das mais prestigiadas editoras britânicas e a resposta veio em tom negativo, mediante uma insatisfatória justificativa, a dar conta que aquele material não interessava à editora naquele instante, visto que a nova linha adotada pela companhia, buscava a comunicação mais coloquial com o público oriundo das camadas mais populares da sociedade britânica.
Ora, Joseph não escrevera um tratado acadêmico, portanto não tratava-se de uma obra hermética, dirigida à intelectualidade e por conta dessa realidade, tal resposta negativa o surpreendera.
Bem, ele estranhou tal teor de percepção da parte do editor, mas não se conformou com tal avaliação que julgou descabida e assim, reenviou o mesmo material, ao anexar um release ligeiramente modificado a deixar claro que tratava-se de uma obra poética pautada pela abordagem coloquial e que sim, tal compilação de poemas não fugira à nova proposta editorial sugerida e pelo contrário, ia de encontro a tal anseio.
Eis que alguns dias depois, uma nova resposta chegou e a reiterar que o editor sentia muito, mas a opinião não mudara em uma segunda avaliação e que tais poemas estavam fora da nova meta da editora.
Desta feita irritado, Joseph não conteve-se, pois acabara de ler uma crítica no caderno de cultura de um prestigiado jornal de Londres, a descrever um recente lançamento dessa editora e a conter poemas simplórios, quase ao limiar do mau gosto.
Bem, nesse caso, a negativa do editor estava coerente, pois se estavam a publicar poesias com tal teor, ficara óbvio que o seu material não coadunava-se com a mentalidade expressa pelo editor. Foi então que Joseph percebeu que não havia nada de errado com a sua produção artística, mas simplesmente os parâmetros culturais estavam a mudar de uma forma assustadora, ao criar paradigmas estranhos, praticamente a caracterizar uma inversão de valores e nesses termos, não adiantava argumentar amparado pela lógica cartesiana, pois o que ficara patente ali, denotava uma mudança radical na percepção cultural sobre o que é bom e o que não é, ao abrir-se a "Caixa de Pandora".
Bem, diante dessa sensação de impotência para tentar convencer as pessoas que estavam entusiasmadas com essa nova ordem da estética da moda, só haveriam dois caminhos para escritores tradicionalistas como Joseph Dinllard: escrever doravante no mesmo padrão da poesia em voga, mesmo que a contragosto pessoal pelo fato dele não acreditar em tal estética versada pela degeneração cultural enquanto proposta manifesta ou, a se manter firme em suas convicções e lutar com os seus parcos recursos a lançar livros independentes sem nenhuma infraestrutura profissional em termos de divulgação e distribuição de seus trabalhos e assim, atingir um contingente irrelevante e provavelmente formado por idealistas como ele, que recusavam-se a adotarem os absurdos ditames do novo modismo.
Independente de sua tomada de decisão para seguir como estratégia da sua carreira, Joseph quis aliviar a sua estupefação pessoal com tal situação que o incomodara e assim decidiu escrever uma carta com o objetivo de expressar os seus sentimentos em relação a tudo isso.
Foi uma atitude ingênua, certamente e haveria de tornar-se até nociva, no sentido de marcá-lo perante o meio literário, mas ele, mesmo a ponderar sobre tal perigo, decidiu ir em frente e redigiu a missiva. Tomou várias precauções, é bem verdade, todavia, o fato é que não deveria postado a carta, na agência do correio.
O seu teor, mesmo respeitoso, denotou o seu inconformismo e por conseguinte, aos olhos do editor, foi apelativo a sugerir a inveja sob uma primeira instância, mas também algo que poderia ser até pior, ou seja, a sua visão ingênua sobre a condução de um empreendimento comercial, ainda que regido pelo mundo artístico.
Pois ali, o que interessava na prática não era a arte, o serviço prestado à sociedade para engrandecer o aspecto cultural da nação ou qualquer outro significado nobre que um livro de poesias poderia gerar. No entanto, o que realmente importava fora a viabilidade monetária, movida pelos modismos gerados nas ruas ou mesmo os criados pelos arquitetos da manipulação, a espalhá-los sorrateiramente pelas ruas.
De uma maneira ou de outra, a carta em questão, só afastou ainda mais a possibilidade de Joseph Dinllard sequer ser cogitado, doravante e mesmo que um eventual novo material seu e desta feita inteiramente coadunado com a estética em voga, fosse enviado, tempos depois.
Eis a carta que estigmatizou Joseph Dinllard, para sempre:
Caro senhor Limanson:
Antes de mais nada, parabenizo-o pelo sucesso que o livro de poemas, "Anti-poesia da lata do lixo" está a fazer, com vendas acentuadas e muitos elogios ofertados pela crítica literária.
De fato, essa poesia sui generis, a usar da completa anulação das regras gramaticais e ortográficas, mas acima de tudo a expressar todo o ódio oriundo da revolta desses novos poetas que odeiam a velha poesia, está na crista da onda.
Acho que eu preciso rever os meus conceitos, certamente, e assim poder enfim enxergar a beleza por trás dos palavrões, das metáforas a falar sobre as condições insalubres que envolvem a sujeira produzida pela espécie humana em meio aos seus dejetos, não como uma alusão à crítica social ou mesmo em relação à política, mas a denotar a sua própria beleza em si.
Estou definitivamente defasado, senhor editor, pois ainda não enxergo a beleza por trás de um cenário que à minha avaliação ultrapassada, mostra-se como algo repugnante. Mas vou esforçar-me para atingir tal patamar de libertação cultural e quando isso acontecer e eu considerar-me apto para atuar em tal seara da nova literatura avantgarde, certamente que eu apresentarei a minha nova obra, coadunada com tais novos parâmetros e contarei com a sua avaliação, com a esperança de que finalmente o senhor haverá de prover uma oportunidade para este aspirante a poeta.
Sem mais, cordialmente,
Joseph Dinllard
Bem, nunca houve resposta da parte de Limanson e este, enquanto um poderoso editor, prosseguiu a lançar autores coadunados com os ideais sombrios da anti-arte explícita, por uma bom tempo a usufruir de sua posição adquirida como uma sumidade cultural, formador de opinião e sobretudo, como bem sucedido empreendedor, sob o ponto de vista mercantil.
E ao final, em um mundo que é regido por resultados financeiros para respeitar-se e ser bem respeitado na inversa proporção, o idealismo de Dinllard não o fez enxergar que ter escrito a carta, fora a sua pior decisão, ainda mais do que insistir em escrever poesias bem escritas...
O que significa a dor?
Pois é, assim que alcançamos a consciência cognitiva mínima, conseguimos pensar, ainda que rudimentarmente, sobre tal questão, mas nos primeiros meses de vida, sob a difusa e angustiante incompreensão da vida, apenas a repudiamos, em um primeiro instante, para em seguida, estabelecer uma associação instintiva em termos de temê-la e depois, sob uma segunda instância, se continuamos a não compreendê-la nessa fase pueril da vida e muito menos que métodos usarmos para evitá-la, ao menos, mostramos o início da nossa lenta evolução.
Contudo, o fato é que no começo da vida, a dor é só um incômodo desagradável, que surge inesperadamente e o único desejo que nutrimos, sem a mínima sofisticação intelectual, mas apenas amparado pelo instinto, é para que aquela sensação cesse, imediatamente.
Dentro desse panorama, é óbvio que a dor é o primeiro sinal de desagrado que experimentamos e ainda que demore para percebermos, o primeiro choque de realidade a mostrar-nos que a vida material não é inteiramente controlada pela nossa vontade, mas que sim, fatores alheios à nossa vontade, podem ocorrer. É o primeiro contato com o medo, a impotência e também com a angústia, certamente. Medo, pois não sabemos de onde vem esse vilipêndio perpetrado pelo nosso próprio corpo, impotência, pois não sabemos como fazer isso parar e angústia, por não sabermos exatamente se vai passar em algum momento.
Logo, a dor vai ganhar outros contornos, assim que começamos a alargar o horizonte do raciocínio, mas ali naquela fase, é a pior sensação, pela obviedade da sua ação neurológica desagradável, mas também amplificada pela nossa total incompreensão do que ela realmente significa.
Todavia, como tudo na vida, a dor é também um aprendizado. Precisamos saber prevenir os motivos pelas quais ela possa aparecer, como contê-la, como interpretar o sinal inerente que ela carrega em termos de alguma disfunção de um órgão do nosso corpo, mas sobretudo, aprender a não provocar de uma forma deliberada e nem mesmo involuntariamente, a dor em outro ser vivo, jamais.
E talvez esteja aí a maior das chaves para não senti-la, doravante.