terça-feira, 30 de setembro de 2014

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 68 - Por Luiz Domingues


E assim, mesmo com um certo clima pesado internamente na banda, eu culminei em ter ido apenas com o Júnior ao compromisso, nesse citado programa de TV. Como não tocaríamos ao vivo e tratar-se-ia apenas de um Talk-Show, fomos em dupla, preparados para participar mediante apenas uma conversa em tom de entrevista. Todavia, não foi um programa comum, e sim, o "Dr. Rock", um Talk-Show muito inusitado, apresentado por um rapaz extremamente gentil, chamado : Marcos Spitzer, que encarnava o personagem, "Dr. Rock". Qual foi a ideia ?

O "Dr. Rock" apresentava-se vestido inteiramente de branco; a usar jaleco; luvas cirúrgicas; estetoscópio pendurado no pescoço, e acompanhado de uma bela garota, vestida como enfermeira. As suas intervenções revelavam-se engraçadas, pois ele costumava usar jargões da medicina para falar de Rock etc. Algo do tipo : -"dor de ouvido ? Prescrevo Grand Funk Railroad para você, meu filho"...

E não ficava somente nisso. Por ser veiculado em uma estação de TV comunitária (de São Caetano do Sul, região do ABC paulista), e esta, por possuir um baixíssimo orçamento, forçava que tal programa tivesse uma característica sui generis : tratava-se de um Talk Show com um cenário dotado de um Chroma Key, e entre uma conversa e outra, ele anunciava uma música da banda, e os convidados ficavam o tempo todo parados no cenário estático, com imagens de fotos de sua banda a perpassá-los, enquanto o áudio mantinha-se solto, como em uma execução radiofônica. O "Dr. Rock" foi uma das figuras mais solidárias para com a Patrulha do Espaço, como um incentivador nessa fase, sem dúvida, e não foram poucas as vezes onde ele ajudou-nos, a realizar divulgação de nossos shows e lançamentos de discos.
Continua...

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 67 - Por Luiz Domingues


O próximo show foi realizado também no interior de São Paulo. Desta vez o destino foi Campinas, que pelo porte de metrópole, com mais de um milhão de habitantes, nada tem de pacata como supõe-se ser as cidades interioranas. O estabelecimento em que apresentar-nos-íamos seria o "Delta Blues", uma tradicional casa em Campinas, e muito famosa no circuito de artistas do Blues, inclusive internacionais, que vinham ao Brasil. Não representava exatamente a nossa dita "zona de conforto", mas a casa também passava por modificações, e há tempos deixara de ter essa característica fixa como  um "Templo do Blues", e vinha por abrir as portas regularmente para bandas de Rock, e até bandas cover naqueles tempos.
              O grande artista plástico e web designer, Johnny Adriani


A sua decoração mostrava-se impecável, ao lembrar as casas de blues do sul dos Estados Unidos, e pelas paredes, a decoração revelava-se fantástica, mediante pinturas assinadas pelo artista plástico, Johnny Adriani, com motivos sulistas americanos, a passear entre as tradições dos Blues e também indígenas norte-americanas. Cabe explicar que o Johnny foi o fundador da casa e responsável direto por toda a sua decoração e ambientação. Infelizmente, ele já não era mais o dono da casa nessa época, e se por um lado ainda mantinha-se admirável a estrutura, ficara também visível a sua decadência, sob uma nova direção, não tão, digamos, preocupada em manter a sua manutenção. Isso refletiu-se também na parte sonora. O P.A. da casa era adequado às suas dimensões, mas estava bem machucado pela ação do tempo, e deixava muito a desejar nesse sentido.

Mesmo assim, na base da boa vontade e do improviso, deixamos tudo arrumado da melhor possível, e sabedores de que o volume do palco haveria por ser controlado para adequar-se à realidade do combalido P.A. da casa. Fomos jantar, e quando voltamos, a casa já estava aberta. Por ser uma quinta-feira, estávamos um pouco céticos quanto à presença de um público numeroso. Contudo, na medida em que os ponteiros do relógio avançaram, víamos que a casa estava a lotar e por uma questão promocional : a quantidade de mulheres mostrou-se muito maior do a que de homens, devido ao preço reduzido, cobrado para o sexo feminino. Ficou óbvio que se a casa estava a lotar com a presença de mulheres bonitas, naturalmente os rapazes seriam atraídos por tal fator e sendo assim, quando fomos convocados a subir ao palco, a casa estava bem cheia.

Mesmo ao saber que faríamos um show autoral, o gerente da casa pediu para o dividirmos em duas partes, ao moldar-nos no padrão das exibições de bandas cover. Isso não seria a melhor medida, mas também não haveria por ofender-nos, portanto assim procedemos. A primeira parte do show foi excelente. O grosso do público respondeu bem, ao aplaudir e berrar, literalmente, ao final das músicas, embora fosse nítido tratar-se de uma mera empolgação de ocasião e não exatamente motivada por uma comoção em torno da banda em si. Claro, houve a presença de vários fãs da banda, também. Gente de Campinas e cidades próximas que apareceram com discos antigos da Patrulha do Espaço em mãos, para caçar autógrafos no pós-show, certamente.

Somente ao final da primeira parte do show, aconteceu um anti-clímax para quebrar o bom astral que estávamos a ter. Enquanto tocávamos, uma briga estourou, e um tumulto generalizado, instaurou-se. Não teve nada a ver com a banda, mas foi sim uma briga entre dois rapazes do público e os seguranças da casa, por causa da entrada forçada de ambos, ao recusar-se a pagar a entrada. Teve socos para todos os lados; copos e garrafas a estilhaçar-se pelo chão; meninas a gritar, em suma... se aquilo era um bar norteamericano ao estilo sulista de blues, realmente honrou as suas tradições...

Os seguranças foram ágeis, expulsaram os brigões, mas o clima estava quebrado, naturalmente. Quando voltamos para a segunda entrada, a reação estava muito mais fria, infelizmente.

Tudo isso aconteceu no dia 30 de novembro de 2000, e o público no Delta Blues contou com aproximadamente duzentas pessoas, ou seja, muito bom para o tamanho da casa. Para piorar, tivemos um problema de ordem interna durante a parte final do show, e a volta para São Paulo foi tensa dentro da van. Por conta disso, tínhamos como próximo compromisso uma aparição em um programa de TV, dois dias depois, mas o clima pesado deixou um ar de incerteza quanto a esse compromisso. Falo sobre ele logo a seguir, e o quanto foi uma experiência hilária.

Continua... 

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 66 - Por Luiz Domingues


No dia seguinte fomos à Sorocaba / SP, para mais um show na casa, Stratocaster. Como já conhecíamos o espaço, foi tudo rápido no tocante à montagem do equipamento. A banda de abertura chamava-se "Godzilla", e desta feita, não seria uma banda de Heavy-Metal como ocorrera na noite anterior em Mogi-Guaçu / SP, ainda bem. Nesse dia, estiveram presentes desde a montagem do equipamento, os integrantes da banda, "Wry". Eles eram de Sorocaba, e estavam a preparar-se para deixar o país rumo à Inglaterra, com o objetivo em buscar o seu sonho de carreira.
           Os rapazes do Wry, em uma foto já de sua fase europeia

Para quem acompanha o universo do Indie Rock, o Wry alcançou uma projeção interessante na Europa, e mantém-se lá até hoje (2014). O nosso show foi bom, mas sem grandes novidades a ser relatadas. O público foi composto por cento e c inquenta pessoas aproximadamente, e aconteceu na noite de um sábado, dia 11 de novembro de 2000.

Continua... 

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 65 - Por Luiz Domingues


Além do Heavy-Metal ser antagônico à vibração que estávamos a propor nessa fase da Patrulha do Espaço, naturalmente angariava um tipo de público que não interessava-nos. Contudo, esse tipo de disposição ocorreria mais vezes no futuro, infelizmente. No caso dos garotos dessa banda de abertura, não os conhecíamos e quando fomos embora para o hotel, ficamos seguros de que agiriam de maneira correta. Usariam parte do nosso equipamento, inclusive. Quando voltamos para o local do show, tal banda estava nos últimos momentos da sua apresentação. Fomos então para o camarim, esperamos que saíssem, e nossos instrumentos estavam prontos, afinados desde que saíramos para o hotel. Subimos ao palco e quando iniciamos os primeiros acordes da música : "Não Tenha Medo", a tradicional primeira música do nosso show, as duas guitarras e o baixo estavam completamente desafinados ! Erramos em confiar na isenção de quem ficara no local, enquanto estivemos fora, e não fazer uma nova checagem, certamente, mas jamais esperaríamos ser sabotados por uma banda de abertura que havíamos tratado com cordialidade e até apoio. Quando olhamos no mezanino, vimos os fanfarrões metálicos a esborrachar de tanto rir.

Duas raras fotos do show em Mogi Guaçu, do acervo de Alexandre Quadros
Evidentemente que ficamos embaraçados, mas rapidamente o Rodrigo falou ao microfone, que um acidente havia acontecido, e dessa forma, fomos afinar para retomar o show em poucos segundos. O show foi bom, com um público de mais ou menos em torno de cem pessoas. 

Foi considerado excelente pelos organizadores do evento, visto que Mogi-Guaçu não continha muita tradição Rocker.
No café da manhã, no hotel de Mogi-Guaçu, com o amigo Alexandre Quadros no meio, de camiseta preta, entre nós. Foto de seu acervo pessoal.

Conhecemos nesse dia um amigo que tornar-se-ia um grande colaborador, e assim tem sido até hoje, o Alexandre Quadros, que também era (é) radialista; fanzineiro, e hoje em dia, blogueiro. Ele era vocalista de uma banda de Rock local, chamada : "Wild Shark".
Antes o "Wild Shark" tivesse tocado e não aqueles rapazes impertinentes da banda de abertura, com o seu Heavy-Metal insípido, e atitude abominável, digna de garotos imaturos. Tudo isso ocorreu durante a noite de 10 de novembro de 2000.
Com o amigo do programa, Projeto Coda (Roberto Maia), no saguão do Hotel. Acervo de Alexandre Quadros


De Volta ao hotel, um fato inusitado ocorreu. Um de nossos roadies (não revelarei o seu nome), foi tomar uma ducha e dormiu no banheiro. Talvez por imaginar que o chuveiro fosse uma cachoeira, relaxou e apagou. No dia seguinte, o dono do hotel estava desesperado porque a caixa d'água estava vazia, e os chuveiros só eram alimentados por essa fonte e não pelo fornecimento direto da rua...

Almoçamos e fomos cumprir a parte dois dessa micro-tour, rumo à Sorocaba / SP, onde tocaríamos novamente na casa chamada : "Stratocaster". Porém, um fato engraçado aconteceria na nossa saída da cidade de Mogi-Gauçu / SP. Ocorreu quando paramos em um mercado, daqueles típicos interioranos, que parecem ter parado no tempo, e ali realizamos um rápido lanche, e na dispersão gerada, entramos no ônibus sem checar se todos estavam a bordo. Já estávamos na saída da cidade, a aproximarmo-nos da estrada, quando notamos a ausência do Rodrigo Hid ! Voltamos ao pequeno estabelecimento citado, e lá estava ele, sentado na porta, a consumir um doce, tranquilamente. A sua calma justificou-se quando disse-nos de forma desconcertante : -"eu sabia que notariam a minha ausência e voltariam, portanto, mantive-me tranquilo aqui"... definitivamente, precisávamos de um road manager, urgente !   

Continua... 

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 64 - Por Luiz Domingues


Os próximos passos seriam menos frustrantes, todavia. Seriam mais três shows no interior de São Paulo, marcados para o mês de novembro. O primeiro, para o dia 10 de novembro de 2000, foi na cidade de Mogi-Guaçu / SP, na região de Campinas. Para quem não conhece direito o estado de São Paulo, digo que fica localizada  cerca de 70 Km adiante de Campinas, na direção da divisa com Minas Gerais, e a primeira cidade mineira naquela rota, é Poços de Caldas.
Mogi-Guaçu é unida praticamente em outra cidade, também chamada Mogi, só que Mogi-Mirim. Mogi-Guaçu é maior, mas Mogi-Mirim ficou mais famosa por ter um time de futebol que já esteve várias vezes na primeira divisão estadual e na segunda nacional, tendo revelado grandes jogadores para o futebol brasileiro, e sem dúvida, o mais famoso deles, a tratar-se de Rivaldo. Esse show foi promovido por um programa de rádio (Projeto Coda), que havia entrevistado-nos em Sorocaba / SP, no mês de julho, e essa história eu já contei anteriormente. Foi realizado em um clube local, chamado : "Tempo Clube", que ficava localizado em uma aprazível praça, bem interiorana, e lembro-me de ser perto do Fórum Judicial da cidade. Fomos muito bem recebidos pelo pessoal da Rádio, pessoas essas que estavam muito eufóricas com a presença da Patrulha do Espaço, a contrastar com o ar desconfiado dos dirigentes do clube, não acostumados a shows de Rock autorais, ainda mais. Uma repórter do jornal local, Gazeta Guaçana, veio entrevistar-nos durante a realização do nosso soundcheck. Com direito a fotografia e um certo clima de euforia por parte dos Rockers da Rádio, contudo, infelizmente, manteve uma condução constrangedora, pois a moça, apesar de ser muito simpática, demonstrou nitidamente estar despreparada para entrevistar-nos, dado o caráter vazio de suas perguntas.

A repórter, Mariana Martini, muito simpática e solícita, mas sem saber exatamente o que perguntar-nos. Louvo a sua boa vontade e o apoio que deve ter tido para a redação final, na edição, que pode ser lida acima. Foto do acervo de Alexandre Quadros.


Ela tinha uma vaga noção de que a banda tinha história, mas não fez a lição de casa, ao pesquisar devidamente sobre nós, para fazer perguntas mais embasadas. Dessa forma, o Junior, ao perceber o clima embaraçoso, tratou em fornecer algumas respostas mais desconcertantes, mais na base da brincadeira, em forma de protesto pela situação, ainda que ameno, pois enfatizo, a moça teve extrema boa vontade para conosco. Todavia ao final, deu tudo certo e o soundcheck foi satisfatório, ao deixar-nos seguros de que o show transcorreria de forma tranquila. Fomos para o hotel descansar e jantar. Haveria uma banda de abertura local, e segundo apuramos, tratava-se de uma banda de Heavy-Metal, infelizmente... 

Continua...

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 63 - Por Luiz Domingues


O próximo show foi uma aventura e tanto. A data em questão ocorreu em outubro de 2000, mas esse processo já havia iniciado-se meses antes, através de um contato que o Rolando Castello Junior havia feito na cidade de Limeira, cerca de 150 Km de São Paulo. Mediante tal contato, muitos telefonemas foram disparados e pelo menos duas viagens à Limeira foram cumpridas, para acertos pessoais com esse contratante. 

Tratava-se de uma casa noturna relativamente nova na cidade, com uma estrutura muito acima do padrão de bares, mais a enquadrar-se mesmo no patamar de uma casa de shows. Sabíamos que o proprietário desse estabelecimento já vinha a realizar eventos com certa regularidade, ainda que mais focados no universo do Heavy-Metal. Contudo, bandas como o Made in Brazil e outras do gênero, mais próximas da nossa estética já haviam apresentado-se por lá. Em uma dessas visitas, eu e o Júnior fomos verificar a casa, em um dia sem evento marcado, acompanhados do proprietário, e ficamos animados com as suas instalações.

Pois ela continha um palco grande, com comprimento e largura muito além do que estávamos a tocar habitualmente nos shows que havíamos realizados em 2000 (com exceções, naturalmente), e com a sua estrutura de camarim, a revelar-se muito digna. O sujeito possuía um equipamento de P.A. com boa qualidade, além de um sistema de iluminação surpreendente, até. A casa chamava-se : "Mirage", e ficava localizada em um bairro da periferia daquela  cidade interiorana, um pouco distante do centro. 
Matéria na Revista Cover Guitarra, de agosto de 2000, a enfocar-me, pessoalmente


Para quem não conhece Limeira / SP, digo que trata-se de uma cidade com quase trezentos mil habitantes, portanto, com porte de cidade grande. A Patrulha do Espaço ostentava há anos, uma história muito rica nessa cidade, pois tocara lá diversas vezes no final dos anos setenta, e início dos oitenta. Eu mesmo fui personagem de um show desses da Patrulha do Espaço, em 1983, por conta do fato da minha banda naquela ocasião, A Chave do Sol, ter feito o show de abertura. Já contei com detalhes essa experiência no capítulo daquela outra banda, inclusive. Apenas realço que essa tradição de um bom público seguidor da Patrulha do Espaço nessa cidade, eu pude constatar in loco em 1983, pois havia cerca de três mil e quinhentas pessoas no ginásio de esportes do clube Gran São João, naquela noite de 9 de julho.

Resenha do CD Chronophagia na Revista Cover Guitarra, de agosto de 2000

Enfim, de volta à 2000, com uma casa bem estruturada e a tradição da Patrulha do Espaço na cidade, tinha tudo para dar certo, mas então começou os problemas. O primeiro indício nesse sentido, deu-se quando os dias puseram-se a passar, e o sujeito adotou a postura em não retornar os nossos telefonemas. Todas as ações de divulgação combinadas estavam no limite de prazo para ser empreendidas e o rapaz não sinalizava-nos. Foi quando finalmente o rapaz manifestou-se, mediante o uso de mil desculpas esfarrapadas, para dizer-nos que enviar-nos-ia uma mala postal que possuía, para que nós disparássemos uma divulgação, via correio.
E o Junior cobrou empenho dele na colocação de cartazes na cidade, uma tarefa acordada e afinal de contas, os cartazes tinham sido confeccionados por nós mesmos e já estavam nas mãos dele, devidamente. 

Chegado o dia do show, fomos com o micro-ônibus da empresa Magic Bus, que pertencia aos meus primos, e assim que aproximamo-nos da porta do tal, "Mirage", constatamos que havia cartazes de um show já passado, e nenhum cartaz nosso sequer, um sinal inequívoco de que o sujeito não havia feito nada em relação ao nosso show. 
O horário pôs-se a passar e muito além do combinado, apareceu um funcionário para abrir a casa. Quando fomos montar o nosso equipamento de palco, constatamos que o P.A. da casa havia sido retirado das suas dependências. Atônitos, continuamos a montar o equipamento, e por telefone, conseguimos localizar o sujeito, que alegava estar a sonorizar uma festa em outra cidade, acho que em Jundiaí, não lembro-me com exatidão. O clima ficou tenso quando o rapaz começou a insinuar que não seria possível chegar em tempo e dessa forma sugeriu ser melhor cancelar o show. Enfim, ele veio, ao chegar quase no horário do show e mesmo sendo um P.A. de médio porte e todos ali a imbuir-se em prol de um exercício em ritmo de mutirão para arrumar tudo, na base da boa vontade, claro que o clima tornou-se tenso.

Mesmo sob uma pressa descabida, conseguimos mixar o som da banda no PA e com substancial atraso, as portas da casa abriram-se e assim, entrou meia-duzia de pessoas, apenas. Tratou-se de um pequeno contingente a conter fãs ardorosos, com discos de vinil na mão para caçar autógrafos a posteriori etc, mas caracterizara um quórum que não renderia nem o suficiente para providenciar um lanche para a comitiva da banda. Antes de entrar no palco, o nosso roadie, Samuel Wagner, veio relatar-nos que o pai do proprietário, um senhor de idade, estava a brigar na rua com um ambulante que estava a vender "Hot Dog", na porta da casa. A alegação foi que o preço do cachorro-quente praticado pelo sujeito do carrinho, estava mais barato que o hot-dog da lanchonete da casa...

O conflitou instaurou-se por conta da concorrência desleal. O show aconteceu assim mesmo e foi digno. Havia tensão, por que todo o combinado fora sistematicamente descumprido, aliás, desde muitos dias antes, todavia, quando subimos no palco, fizemos um grande show para aquelas vinte e cinco pessoas presentes. Daquelas vinte e cinco, pelo menos quinze estavam ali gratuitamente, porque eram fãs desabonados que ficaram na porta a tentar convencer o senhor idoso a liberar a entrada gratuitamente, e nos instantes finais eis que conseguiram minar a resistência do idoso e ingressaram no local. Foram vinte e cinco mas que valeu por dois mil e quinhentos, pois estes vibraram intensamente. E disseram-nos que souberam do show através de um boato, e deslocaram-se para o estabelecimento, sem nenhuma certeza de que fosse verdade, pois não haviam visto cartazes; filipetas ou qualquer outro indício de que fosse real. 

Um dos sujeitos era sósia do cantor, Serguei, e esse era mesmo o seu apelido, segundo apurou-se entre eles. Ao final, atendemos a todos para autógrafos e de-repente o senhor idoso entrou na roda de conversa, onde inclusive fui eu que estava a ceder autógrafos naquele instante, e este exigiu a caneta que eu estava a usar, de volta em suas mãos, pois esse objeto era de sua propriedade. Algum dos garotos a apanhara emprestada, e como o senhor estava nervoso com a situação toda, entrou na roda bem agressivamente a rasgar o verbo.

Em meio à jovens Rockers, claro que o idoso tornou-se o alvo imediato das pilhérias, com a sua manifestação a gerar uma epidêmica reação de deboche, e isso o deixou ainda mais furioso. Foi hilário. Já madrugada a avançar, lidamos com o proprietário, e exigimos que o trato inicial fosse honrado e o proprietário da casa ainda cansou-nos, ao usar de evasivas, para irritar-nos mais ainda. Ao final, conseguimos equilibrar o prejuízo, ao menos para pagarmos as despesas operacionais básicas, e sairmos com a certeza de que fizemos a nossa parte e o show fora digno para aqueles fãs. 

Alguns dias depois, a caixa postal estava lotada com cartas devolvidas, decorridas daquela mala postal que o rapaz cedera-nos,
Tratou-se portanto, de uma lista defasada e isso explicou o porquê de um show em uma cidade com tradição Rocker como Limeira / SP, ter sido tão ruim em termos de público, além de reforçar a imagem ridícula em não ter havido nem um cartaz na porta do estabelecimento, ao denotar que ele, o proprietário, não colara nenhum sequer, pela cidade. E assim foi a nossa aventura em um lugar chamado, "Mirage", um autêntica miragem no quesito profissionalismo... isso ocorreu no dia 28 de outubro de 2000. 
Continua...
        

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 62 - Por Luiz Domingues


E lá fomos nós tocar no "Volkana", uma obscura chopperia de um bairro longínquo de São Bernardo do Campo / SP, no dia 29 de setembro de 2000. Sem o "mutirão de filipetadores", porém a contar apenas com a nossa divulgação muito simples, conseguimos atrair cento e vinte pessoas ao estabelecimento, o que foi considerado excepcional para os padrões da casa. 

O palco era bem alto, o que causava um certo incômodo às pessoas que assistiam nas primeiras mesas, por não conseguir ver o espaço cênico inteiro. Além disso, houve o impacto do som direto do palco misturado ao pequeno P.A., a causar um desconforto auditivo razoável. Em frente ao palco, contudo, havia um mezanino, onde a visão mostrava-se privilegiada e não havia cobrança mais cara por seu uso, e para tanto, bastava o cliente chegar antes e ocupá-lo pelo mesmo valor do ingresso comum para outras parte do estabelecimento.
Apesar de ser localizado bem longe e não ter nenhuma tradição em realizar shows de artistas autorais, esses cento e vinte pagantes ali presentes, foram na verdade um fator inédito para os donos do estabelecimento, que animaram-se doravante a produzir mais shows nesse sentido, e a própria Patrulha do Espaço voltaria ali, em apresentações posteriores, sobre as quais relatarei no momento oportuno.

Entrevista com Rodrigo e Marcello na Revista Cover Guitarra. Um fantástico reconhecimento do talento de ambos, que começava a aparecer na imprensa especializada. A lamentar-se apenas o erro crasso ao grafar o nome de ambos : Marcello com um "L" apenas, deu para aguentar, mas quem afinal de contas, é Rodrigo "Hill" ? Eu conheço o Rodrigo Hid...


Tecnicamente foi um bom show, com o público a interagir bem. Fizemos a suprema loucura em levar todo o nosso equipamento de palco, incluso o órgão Hammond, portanto, quem esteve presente, viu um show de Rock com produção de teatro. De fato, os donos ficaram surpreendidos com o público presente e a animação do show, ao considerar ser um artista autoral. E eufóricos, diziam que queriam transformar a casa em um espaço de shows autorais doravante, e assim tratar por diminuir as baladas com bandas cover, gradativamente. 

Isso abriu perspectiva para tocarmos lá novamente, conforme já disse anteriormente, e no devido tempo, isso será comentado. O outro sócio do estabelecimento, aquele rapaz que falava pelos cotovelos, e era sósia de Vernon Presley ou Lloyd Bridges, começou a sua divagação interminável ao falar em reformas na casa, digamos mirabolantes.

"Brainstorm" é uma ferramenta útil no processo da criação, mas no caso dele, foi uma autêntica elucubração vazia, delirante, mesmo. A casa até poderia melhorar, mas para tanto, precisaria de muito dinheiro e mesmo assim, a localização na periferia de São Bernardo do Campo, não favorecia e tem o principal... isso seria um problemas de seus mandatários, não nosso, absolutamente. O próximo passo da banda foi, aí sim, uma investida errante, como se diz-se por aí. Apertem os cintos; coloquem o capacete; tomem as suas pílulas de proteínas; pois nessa, nem o Major Tom viajaria tanto...

Continua...
 

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 61 - Por Luiz Domingues


Com as vendas do CD's, e as resenhas a ser publicadas na mídia impressa tradicional, precisávamos engatar uma boa sequência de shows. Não esteve fácil arregimentar espaços para tocar naquela fase.Vivia-se uma época diferente no show business brasileiro, onde as casas de médio porte que existiam em razoável profusão nas décadas de oitenta e noventa, haviam desaparecido, ou mudado drasticamente o seu perfil.

Sendo assim, tornara-se rara a oportunidade para ocupar um palco onde a banda poderia  apresentar-se com condições ideais de som e luz para mostrar o seu trabalho, na plenitude de sua criação artística. Então, abraçamos a ideia em adaptarmo-nos a essa realidade, e assim fomos a tocar onde fosse possível. Já relatei algumas circunstâncias inusitadas nesse sentido, e a próxima etapa a ser relatada é outra dessas histórias.

Finalmente havíamos marcado uma apresentação em uma casa noturna de São Bernardo do Campo, cidade do ABC paulista, e digo finalmente, porque foram diversas reuniões para poder marcar-se essa data. Tratava-se de uma casa nada glamorosa e nem bem localizada o era. O lado bom, foi que os seus donos não portavam-se como arrogantes (ao contrário de outros lugares onde fomos tocar anteriormente), pelo contrário, eram pessoas razoáveis.
O que acontecia ali, no entanto, foi a sintomática desconfiança deles em torno de um show versado pela música autoral, viciados que eram em atrações baseadas em bandas cover. 

Finalmente resolveram arriscar, e assim marcamos a data para o final de setembro de 2000. O engraçado nessa história, foi o tom prosaico de um dos sócios da casa. Completamente desacostumado a lidar com uma produção de show de um artista autoral, queria usar métodos estapafúrdios de divulgação, para provocar até risos em suas colocações. Em uma dessas reuniões, chegou a dizer que convocaria todos os músicos das bandas cover que conhecia, para que cada um distribuísse filipetas em um ponto de São Bernardo do Campo.

A grosso modo, pareceu-nos uma estratégia de militância política. Pois mesmo que conseguisse esse apoio sincero e gratuito, de onde tiraria dinheiro para pagar a gráfica que confeccionaria esse material ? E segundo, qual a garantia de eficácia dessa estratégia na prática, na bilheteria ?  O sujeito falava de maneira empolgada e tinha uma prosódia semelhante a um palestrante da Amway... mas daí a dar certo...
                                        Vernon Presley
                                       Lloyd Bridges

E para piorar as coisas, ele mostrava-se como um sósia do Vernon Presley, pai do Elvis Presley, e quando falava, não conseguíamos parar de pensar na semelhança, e como aquela situação era engraçada. Eu também o achava parecido com o veterano ator, Lloyd Bridges, conhecido no Brasil como : "O Homem Submarino", graças ao seriado de TV, "Sea Hunt", que protagonizou nos anos cinquenta e sessenta. O Rodrigo Hid, que herdou de seu pai o dom da imitação, imediatamente compôs o personagem, e entre nós, isso rendeu muita risada. É claro que deu tudo errado e as ações de divulgação ficaram por nossa conta. O mutirão de filipetadores não saiu da imaginação do sujeito, é lógico.
Continua...