segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 63 - Por Luiz Domingues


O próximo show foi uma aventura e tanto. A data em questão ocorreu em outubro de 2000, mas esse processo já havia iniciado-se meses antes, através de um contato que o Rolando Castello Junior havia feito na cidade de Limeira, cerca de 150 Km de São Paulo. Mediante tal contato, muitos telefonemas foram disparados e pelo menos duas viagens à Limeira foram cumpridas, para acertos pessoais com esse contratante. 

Tratava-se de uma casa noturna relativamente nova na cidade, com uma estrutura muito acima do padrão de bares, mais a enquadrar-se mesmo no patamar de uma casa de shows. Sabíamos que o proprietário desse estabelecimento já vinha a realizar eventos com certa regularidade, ainda que mais focados no universo do Heavy-Metal. Contudo, bandas como o Made in Brazil e outras do gênero, mais próximas da nossa estética já haviam apresentado-se por lá. Em uma dessas visitas, eu e o Júnior fomos verificar a casa, em um dia sem evento marcado, acompanhados do proprietário, e ficamos animados com as suas instalações.

Pois ela continha um palco grande, com comprimento e largura muito além do que estávamos a tocar habitualmente nos shows que havíamos realizados em 2000 (com exceções, naturalmente), e com a sua estrutura de camarim, a revelar-se muito digna. O sujeito possuía um equipamento de P.A. com boa qualidade, além de um sistema de iluminação surpreendente, até. A casa chamava-se : "Mirage", e ficava localizada em um bairro da periferia daquela  cidade interiorana, um pouco distante do centro. 
Matéria na Revista Cover Guitarra, de agosto de 2000, a enfocar-me, pessoalmente


Para quem não conhece Limeira / SP, digo que trata-se de uma cidade com quase trezentos mil habitantes, portanto, com porte de cidade grande. A Patrulha do Espaço ostentava há anos, uma história muito rica nessa cidade, pois tocara lá diversas vezes no final dos anos setenta, e início dos oitenta. Eu mesmo fui personagem de um show desses da Patrulha do Espaço, em 1983, por conta do fato da minha banda naquela ocasião, A Chave do Sol, ter feito o show de abertura. Já contei com detalhes essa experiência no capítulo daquela outra banda, inclusive. Apenas realço que essa tradição de um bom público seguidor da Patrulha do Espaço nessa cidade, eu pude constatar in loco em 1983, pois havia cerca de três mil e quinhentas pessoas no ginásio de esportes do clube Gran São João, naquela noite de 9 de julho.

Resenha do CD Chronophagia na Revista Cover Guitarra, de agosto de 2000

Enfim, de volta à 2000, com uma casa bem estruturada e a tradição da Patrulha do Espaço na cidade, tinha tudo para dar certo, mas então começou os problemas. O primeiro indício nesse sentido, deu-se quando os dias puseram-se a passar, e o sujeito adotou a postura em não retornar os nossos telefonemas. Todas as ações de divulgação combinadas estavam no limite de prazo para ser empreendidas e o rapaz não sinalizava-nos. Foi quando finalmente o rapaz manifestou-se, mediante o uso de mil desculpas esfarrapadas, para dizer-nos que enviar-nos-ia uma mala postal que possuía, para que nós disparássemos uma divulgação, via correio.
E o Junior cobrou empenho dele na colocação de cartazes na cidade, uma tarefa acordada e afinal de contas, os cartazes tinham sido confeccionados por nós mesmos e já estavam nas mãos dele, devidamente. 

Chegado o dia do show, fomos com o micro-ônibus da empresa Magic Bus, que pertencia aos meus primos, e assim que aproximamo-nos da porta do tal, "Mirage", constatamos que havia cartazes de um show já passado, e nenhum cartaz nosso sequer, um sinal inequívoco de que o sujeito não havia feito nada em relação ao nosso show. 
O horário pôs-se a passar e muito além do combinado, apareceu um funcionário para abrir a casa. Quando fomos montar o nosso equipamento de palco, constatamos que o P.A. da casa havia sido retirado das suas dependências. Atônitos, continuamos a montar o equipamento, e por telefone, conseguimos localizar o sujeito, que alegava estar a sonorizar uma festa em outra cidade, acho que em Jundiaí, não lembro-me com exatidão. O clima ficou tenso quando o rapaz começou a insinuar que não seria possível chegar em tempo e dessa forma sugeriu ser melhor cancelar o show. Enfim, ele veio, ao chegar quase no horário do show e mesmo sendo um P.A. de médio porte e todos ali a imbuir-se em prol de um exercício em ritmo de mutirão para arrumar tudo, na base da boa vontade, claro que o clima tornou-se tenso.

Mesmo sob uma pressa descabida, conseguimos mixar o som da banda no PA e com substancial atraso, as portas da casa abriram-se e assim, entrou meia-duzia de pessoas, apenas. Tratou-se de um pequeno contingente a conter fãs ardorosos, com discos de vinil na mão para caçar autógrafos a posteriori etc, mas caracterizara um quórum que não renderia nem o suficiente para providenciar um lanche para a comitiva da banda. Antes de entrar no palco, o nosso roadie, Samuel Wagner, veio relatar-nos que o pai do proprietário, um senhor de idade, estava a brigar na rua com um ambulante que estava a vender "Hot Dog", na porta da casa. A alegação foi que o preço do cachorro-quente praticado pelo sujeito do carrinho, estava mais barato que o hot-dog da lanchonete da casa...

O conflitou instaurou-se por conta da concorrência desleal. O show aconteceu assim mesmo e foi digno. Havia tensão, por que todo o combinado fora sistematicamente descumprido, aliás, desde muitos dias antes, todavia, quando subimos no palco, fizemos um grande show para aquelas vinte e cinco pessoas presentes. Daquelas vinte e cinco, pelo menos quinze estavam ali gratuitamente, porque eram fãs desabonados que ficaram na porta a tentar convencer o senhor idoso a liberar a entrada gratuitamente, e nos instantes finais eis que conseguiram minar a resistência do idoso e ingressaram no local. Foram vinte e cinco mas que valeu por dois mil e quinhentos, pois estes vibraram intensamente. E disseram-nos que souberam do show através de um boato, e deslocaram-se para o estabelecimento, sem nenhuma certeza de que fosse verdade, pois não haviam visto cartazes; filipetas ou qualquer outro indício de que fosse real. 

Um dos sujeitos era sósia do cantor, Serguei, e esse era mesmo o seu apelido, segundo apurou-se entre eles. Ao final, atendemos a todos para autógrafos e de-repente o senhor idoso entrou na roda de conversa, onde inclusive fui eu que estava a ceder autógrafos naquele instante, e este exigiu a caneta que eu estava a usar, de volta em suas mãos, pois esse objeto era de sua propriedade. Algum dos garotos a apanhara emprestada, e como o senhor estava nervoso com a situação toda, entrou na roda bem agressivamente a rasgar o verbo.

Em meio à jovens Rockers, claro que o idoso tornou-se o alvo imediato das pilhérias, com a sua manifestação a gerar uma epidêmica reação de deboche, e isso o deixou ainda mais furioso. Foi hilário. Já madrugada a avançar, lidamos com o proprietário, e exigimos que o trato inicial fosse honrado e o proprietário da casa ainda cansou-nos, ao usar de evasivas, para irritar-nos mais ainda. Ao final, conseguimos equilibrar o prejuízo, ao menos para pagarmos as despesas operacionais básicas, e sairmos com a certeza de que fizemos a nossa parte e o show fora digno para aqueles fãs. 

Alguns dias depois, a caixa postal estava lotada com cartas devolvidas, decorridas daquela mala postal que o rapaz cedera-nos,
Tratou-se portanto, de uma lista defasada e isso explicou o porquê de um show em uma cidade com tradição Rocker como Limeira / SP, ter sido tão ruim em termos de público, além de reforçar a imagem ridícula em não ter havido nem um cartaz na porta do estabelecimento, ao denotar que ele, o proprietário, não colara nenhum sequer, pela cidade. E assim foi a nossa aventura em um lugar chamado, "Mirage", um autêntica miragem no quesito profissionalismo... isso ocorreu no dia 28 de outubro de 2000. 
Continua...
        

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