Neste meu segundo Blog, convido amigos para escrever; publico material alternativo de minha autoria, e não publicado em meu Blog 1, além de estar a publicar sob um formato em micro capítulos, o texto de minha autobiografia na música, inclusive com atualizações que não constam no livro oficial. E também anuncio as minhas atividades musicais mais recentes.
Uma incursão pelo interior, a prenunciar uma nova fase da turnê, iniciou-se quando em 4 de maio de 1984, apresentamo-nos no bonito Teatro Municipal de Piracicaba / SP, com um bom público formado por mais de trezentas pessoas. Nesse show, recordo-me de um contingente significativo de Rockers na plateia, pois fui abordado nos bastidores do pós-show, com muitos pedidos de autógrafos da parte de pessoas a falar-me sobre A Chave do Sol. Os próximos shows seriam no interior de São Paulo, sob um clima de micro turnê, com três datas seguidas. O
primeiro, na cidade de Votuporanga, distante mais de 500 Km de São
Paulo, capital. Lembro-me que viajamos na véspera, durante a madrugada, e várias
vezes o Jerome teve que chamar a nossa atenção dentro do ônibus, pois
tratou-se de uma linha comercial, e incomodávamos os demais passageiros com a nossa,
digamos, "expansão desmesurada", durante a viagem, e convenhamos, fora
em plena madrugada. Chegamos a Voturopanga / SP, ainda antes do amanhecer, e fomos direto ao hotel, quando dormimos, enfim.
A
programação nesse dia foi bastante flexível e só haveria mesmo o
compromisso em realizarmos o soundcheck, no período da tarde, e apenas alguns
componentes do Língua de Trapo, iriam participar de uma entrevista na estação de Rádio, local. Seria
um festival realizado em um estádio de futebol, com vários artistas
locais e da região, e o Língua de Trapo, como Headliner da noite. Sinceramente, não lembro-me sobre ninguém que tenha ficado famoso posteriormente e infelizmente não anotei o nome de tais artistas locais.
Recordo-me
que houve um público formado por aproximadamente mil pessoas, ou seja, foi muito
fraco para um estádio de futebol. Muito melhor seria ter sido realizado
em um teatro ou salão fechado de um clube, e com porte bem menor. Daí, mil
pessoas cairiam muito bem, mas em um estádio, pareceu um amontoado tímido
em frente do palco e alguns poucos instalados pelas arquibancadas. Independente
disso, fomos bem tratados e o público, em sua maioria bem jovem e
universitário, apreciou a proposta satírica da banda, embora alguns
incautos de plantão talvez achassem ser o Língua de Trapo uma banda de
Rock, oriunda do movimento BR-Rock 80's, em voga na ocasião. Isso ocorreu em 11 de maio de 1984.
Nossos
próximos dois compromissos seriam realizados na cidade de São José do Rio Preto / SP,
distante cerca de 80 KM. dali de Votuporanga / SP, ao voltar-se em direção à capital de São
Paulo.
Na viagem de Votuporanga à São José do Rio Preto, tive uma
surpresa inesperada e foi bastante inusitada a conversa que tive com o
passageiro que sentou-se no banco ao lado, ao fazer com que eu sentisse-me a estar sentado no banco do veterano programa humorístico da TV, a "Praça da Alegria", onde sempre poderia ser
possível uma figura estranha sentar-se e propor uma conversa pautada pela bizarrice. Foi
assim : como tratara-se de um ônibus comercial, nem sempre dava para ficarmos
agrupados e dessa forma, nesse em específico, fora de uma linha
que vinha pelo percurso, a parar em outras cidades e portanto, quando chegou em
Votuporanga, já continha vários assentos tomados. E sendo assim, ficamos
misturados aos passageiros comuns, de uma forma aleatória. Então,
procurei pelo meu assento numerado e sentei-me ao lado de um rapaz, que
logo que viu-me, com aquele cabelão de Rock Star, perguntou-me se éramos
artistas etc e tal. Mesmo por que, havia visto toda a movimentação para
embarcarmos instrumentos na rodoviária de Votuporanga, naturalmente. Aí
o rapaz falou-me que apreciava música e era um jogador de futebol profissional.
Bem, claro que estabelecemos uma conversação agradável, pois como todos sabem,
eu acompanho o futebol com bastante interesse e tenho um certo conhecimento dessa
matéria.
Ele disse que estava a jogar no Santa Fé do Sul, time
homônimo de uma cidade daquela região, que estava na terceira ou quarta
divisão estadual naquela ocasião (isso eu não lembro-me mesmo, e quem
quiser saber, consulte o Google ou o jornalista esportivo, Paulo Vinicius Coelho, da Fox Sports...). E o rapaz pôs-se a falar como seria dura a vida de um jogador em um time de tal divisão,
longe dos holofotes da mídia e do glamour da primeira divisão etc.
Falou-me sobre como os estádios e gramados sobretudo, eram ruins nessa
divisão; que a pancadaria era uma constante; as arbitragens eram muito ruins (na primeira divisão, não é diferente), e o salário,
insignificante.
Então, ao inflamar-se, contou-me que estava em fim de
carreira e já tinha jogado em clubes de primeira divisão, e também
jogara em clubes europeus. Disse-me em ter jogado na Portuguesa de Desportos, e
em times como o Murcia e Celta de Vigo, da Espanha, além do Montpellier,
da França. Mas apesar de eu ter uma cultura futebolística
bem razoável, não o estava a reconhecer, e de fato, pairou no ar, enquanto ele
falava, uma dúvida sobre tal conversa, se não seria uma mentira megalomaníaca, e ele apenas fosse um jogador de terceira ou quarta divisão, com essa história de
times europeus, ter sido mencionada como uma mera invenção mentirosa, para impressionar-me. Contou-me
também que graças a esse status adquirido por essas passagens, estava
a perambular por times interioranos em divisões inferiores, nos seus
momentos finais de carreira, pois já tinha trinta e quatro anos e não tinha mais
mercado para atuar em equipes maiores. E dessa forma, sem
alternativa, submetia-se a isso.
Mas, malandragem de boleiro, "enganava"
deliberadamente e sempre dava um jeito para forçar um cartão
amarelo, para ser suspenso em jogos onde teria que jogar no campo
adversário e demandaria cansativas viagens, ou mesmo simular contusões,
para ficar no departamento médico, a evitar assim ter que jogar nesses
campos mal cuidados e apanhar de zagueiros brucutus. Diverti-me muito ao
ouvir essas afirmações absurdas da parte dele, mas claro que essa
malandragem existe até na elite do futebol e muitos atletas fazem o
mesmo nas grandes equipes, quando são apelidados como : "chinelinhos" pelos
torcedores, ao perceber-se a vadiagem nesse tipo de expediente
antiprofissional.
Ao final da conversa, ele parece ter ficado frustrado, mas eu realmente não lembrei-me dele, espontaneamente, mas aí
ele descreveu a época onde jogou na Portuguesa, nos anos setenta e que chamava-se : Edu. Não fora famoso como seus contemporâneos : Enéias; Marinho
Peres; Basílio; Lorico; Badeco; Tata, Dicá e Wilsinho, mas realmente esteve naquela
equipe da Lusa do meio dos anos setenta. Foi essa a minha companhia de viagem, de Votuporanga para São José do Rio Preto, no dia 12 de maio de 1984.
Antes de seguirmos para o interior, tivemos uma data na região do ABC, na Grande São Paulo,
especificamente na cidade de Diadema. Foi um show marcado para o Teatro
Clara Nunes, no centro daquela cidade do ABC paulista. Tinha tudo
para ser um ótimo show, pois tratava-se de um teatro novo em folha,
equipamento cultural da prefeitura de Diadema, com pouco tempo de vida e uso.
A
estrutura física foi muito boa, assim como a iluminação, mas o P.A.
fora alugado pelo produtor local. Até aí, tudo bem, pois era uma praxe
para nós. Contudo, infelizmente, o P.A. que o rapaz alugou, mostrou-se sob uma
qualidade nitidamente inferior ao que estávamos acostumados. Logo que chegamos ao
teatro, e vimos o equipamento, já percebemos que teríamos problemas. No
soundcheck, chegamos à conclusão que o show seria um desastre, com
tantos empecilhos ali verificados e que na somatória de tudo, tornaria o show, uma
tortura para nós, e pior ainda, para o público. E no caso do
Língua do Trapo, onde a equalização precisava garantir a inteligibilidade
das letras, para fazer sentido o teor das piadas, apresentar-se sob tais
condições insatisfatórias, seria uma irresponsabilidade para com a
plateia pagante.
Então, reunimo-nos com o empresário, Jerome Vonk, e comunicamos-lhe que preferíamos cancelar o show. Lógico,
tal decisão causou um rebuliço. O próprio Jerome quis ter a nossa
absoluta certeza de que tecnicamente seria inviável realizar o espetáculo. Ele precisava desse elemento para comunicar ao promotor do show e dar
uma satisfação ao público que já começava a aglomerar-se na porta do
teatro.
Claro que o rapaz apavorou-se com essa perspectiva e não
foi fácil convencê-lo de que realmente o equipamento que ele contratara
foi de uma qualidade inferior, e inviabilizava o show, por conseguinte. Nesse ínterim,
a sua preocupação foi dar satisfação ao público e ao dono do equipamento
que ofendeu-se com a nossa recusa numa primeira instância e em seguida,
exigiu o pagamento acordado, independente do show realizar-se ou não.
O
tempo pôs-se a passar e as discussões acaloraram-se. O promotor era um
rapaz sensato e não indispôs-se conosco, mas o ânimo acirrara-se com o dono do
equipamento, enquanto a aglomeração na porta do teatro aumentava a cada minuto. Com
a demora para abrir as portas e sem saber o que ocorria, o público
começou a revoltar-se, também. Então, quando chegou-se em um ponto insustentável da tensão, o promotor foi à porta e tentou explicar o problema, ao anunciar o
cancelamento do show.
O povo revoltou-se ainda mais e na base da
força, quis invadir o teatro. Nessa hora, basta uma pessoa incitar e a
massa obedece sem racionalizar, é um fato. Portanto, com muito custo
e alguns safanões, fora os xingamentos e ameaças, o rapaz conseguiu
entrar e fechar as portas, ao preservar a sua integridade física. Contudo, o
público começou a forçar a porta e aos gritos, ameaçar também a banda.
Nessa
altura, o Jerome viu que a situação ficou muito assustadora e correu
até nós, para pedir-nos que trancássemo-nos no camarim e estivéssemos
preparados para defendermo-nos em caso de invasão e ameaça de agressão. Chamaram a polícia, até que enfim, mas do camarim, ouvíamos os gritos e confesso, foi bastante tensa a situação. Por
incrível que pareça, acalmados os ânimos, o promotor desse show selou
acordo de adiamento do espetáculo, para dali a dois meses, e uma
comunicação foi dada às pessoas, para que guardassem os seus ingressos, para essa
ocasião futura. Incrível como os ânimos acirrados e sobretudo pelo
fato de alguém insuflar a massa, faz com que pessoas normalmente pacatas percam a
compostura. Foram as mesmas pessoas de bem que só queriam divertir-se e
assistiriam prazerosamente o show. E cerca de cinquenta dias depois, foram as
mesmas que assistiram o show adiado, enfim, e riram; aplaudiram e admiraram o
trabalho da banda...
E os dias posteriores marcariam o fim dessa fase minha com o Língua de Trapo, no palco do Teatro Lira Paulistana. Foram
os últimos shows da temporada, e a seguir partiríamos para uma série de
shows avulsos ou mini temporadas em outros lugares, fora shows pelo
interior de São Paulo, cidades do ABC, e uma volta ao Rio de Janeiro. Eu voltaria ao Lira Paulistana muitas vezes, mas com A Chave do Sol, doravante.
Os últimos shows no Lira ocorreram nos dias 27, 28 e 29 de abril de 1984, sendo que no dia 29, com as tradicionais duas sessões. Como
resultado de público, no dia 27, oitenta pessoas estiveram presentes. Já no
sábado, dia 28, duzentas e oitenta pessoas. E finalmente no domingo, dia 29, na 1ª
sessão, cento e dez pessoas e na 2ª sessão, duzentas e quarenta pessoas, assistiram-nos. Terminada a temporada, tivemos alguns dias de folga e alguns compromissos com rádio e TV. A próxima parada seria uma mini turnê pelo interior de São Paulo, com shows nas cidades de Votuporanga e São José do Rio Preto.
E seguiu a temporada no Teatro Lira Paulistana. Naturalmente que o assunto no
dia seguinte foi sobre a noite do Blackout, e o desdobramento político desse
evento, e naturalmente que em uma banda como o Língua de Trapo, isso foi uma a oportunidade para a criação de piadas novas, que poderiam ser usadas
imediatamente nos shows. Claro que o Laert e o Pituco ironizaram o
evento, com o apoio de todos, principalmente do João Lucas, sempre
politizado e antenado nos acontecimentos.
O show da quinta-feira,
dia 26 de abril de 1984 teve apenas quarenta pessoas, e só conseguimos
atribuir um movimento fraco desses ao evento do dia anterior, e sobre possíveis boatos que afugentou as pessoas. Sempre lembro aos
mais jovens, que estávamos ainda a viver sob um regime fechado e que a
despeito da frouxidão que mostrava-se nítida nesse final de processo, ainda
havia o temor pelo endurecimento, como reação ao clamor popular pela
redemocratização do país e naqueles dias, especificamente, a pressão
popular pela volta das eleições diretas para presidente da República. Então,
a boataria tomou conta de todos, e isso pode ter despertado o temor por
problemas nas ruas, com manifestações e a devida reação da polícia e
outros órgãos repressores. Só pode ter sido esse o motivo...
Mais ou menos nessa época (abril de 1984), foi que surgiu um convite da TV Cultura de São
Paulo, para filmarmos um especial com uma hora de duração. Aceitamos de
pronto, logicamente. Não lembro-me a data exata, mas recordo que
foi em uma terça-feira o dia dessa filmagem, e o objetivo foi fazer uma
performance ao vivo, mas sem público presente no teatro.
Para tanto, deslocamo-nos
ao teatro da TV Cultura, chamado : Teatro Franco Zampari, localizado no
bairro do Bom Retiro, próximo ao centro antigo de São Paulo. Esse teatro
era (é), acoplado à estação Tiradentes do metrô. Apesar
de pertencer à TV Cultura, fica bem longe dos estúdios centrais da referida
emissora, mas tem vida própria, e muitos programas foram e ainda são
gravados ali.
A filmagem foi muito
tranquila; e o fato em estarmos bem ensaiados e habituados a fazer o show
em temporadas, facilitou o trabalho dos técnicos. Não fizemos a sequência do show normal, mas preparamos um set list mesclado com algumas canções que não estavam no show, normalmente, também. O especial foi ar rapidamente e deu boa visibilidade, ao reforçar a divulgação da temporada. Tivemos
um problema com o Samba-Enredo, pois como já relatei anteriormente, uma
determinada organização sob cunho político / religioso, sentiu-se ofendida
e tirou satisfações formais etc. Com algumas adaptações
estratégicas na letra e o cuidado por não usar um adereço que poderia
criar problemas, gravamos assim mesmo. Lamento muito não ter esse especial na íntegra e só conheço um vídeo isolado no You Tube, exatamente da música : "Concheta". Assista abaixo :
http://www.youtube.com/watch?v=f6EsLWc6S_g Eis acima, o Link para assistir no You Tube.
O
Laert possui esse especial na íntegra, mediante uma antiga fita no formato, VHS, e tem planos de digitalizá-lo e disponibilizá-lo no
You Tube. Naturalmente eu postarei imediatamente por aqui, assim que
tal material surgir.
E a temporada no Teatro Lira Paulistana prosseguiu. No dia 19 de abril de 1984, cento e cinquenta pessoas assistiram o show; no dia 20, duzentas e cinquenta pessoas. Trezentas e vinte entraram no teatro, dia 21 de abril. E
para encerrar essa semana, tivemos dois shows no dia 22 de abril de 1984,
um domingo. com cinquenta pessoas na primeira sessão e oitenta pessoas na segunda. Foi
inexplicável esse resultado fraco para os nossos padrões habituais. Foi um
domingo atípico, sem que houvesse uma explicação plausível para o fraco
movimento nas duas sessões. Mas nada que abalasse-nos, pois na
semana subsequente, as coisas melhorariam, a não ser pelo show da
quarta-feira, dia 25 de abril de 1984...
Para quem viveu a época,
há de lembrar-se que estávamos nos últimos estertores de um regime pesado, e embora nesses momentos finais houvesse uma perceptível frouxidão
do sistema, ainda existia a sensação de insegurança. E naquele
momento específico, os movimentos populares pró-eleições diretas para
presidente da república, estavam a borbulhar. Como já narrei aqui, o
Língua de Trapo estava no Rio de Janeiro durante a histórica manifestação popular
na Candelária, e em São Paulo, semelhante manifestação ocorrera na Praça
da Sé. Dessa forma, o clima geral fora sob apreensão, onde deduzia-se que os radicais antipáticos às mudanças, reagiriam em qualquer instante. Pois no dia 25 de abril de 1984, por volta das 18:00 horas, um Blackout deixou São Paulo às escuras.
Eu
estava saindo do ensaio d'A Chave do Sol, na residência do Rubens Gióia, e dirigia-me ao Teatro Lira Paulistana para a apresentação daquela noite. Minha
intenção fora usar um ônibus que levar-me-ia direto ao Teatro Lira Paulistana, sem
problemas, mas o trânsito ficou caótico sem os semáforos e por temer
atrasar-me, resolvi chamar um táxi, mesmo por que, estava com o meu baixo
em mãos e às escuras, tornara-se muito perigoso ficar na rua sob tais
circunstâncias. Em uma primeira análise, achei que seria um Blackout
localizado, apenas ali no bairro do Itaim Bibi, zona sul de São Paulo,
mas no táxi, a ouvir o rádio, eu e o taxista tomamos ciência que não só a
cidade inteira estava sem energia, mas também o estado e pior ainda, a
região sudeste, inteira.
Uma retaliação dos antipáticos à pressão
popular pela redemocratização do país ? Foi a explicação mais plausível e
certamente a desconfiança tomou conta de todos, ao pressentir-se uma nova
etapa de endurecimento, e mais atraso para o país. Ao chegar ao
teatro (com muita dificuldade, pois o trânsito ficara caótico), a
preocupação de todos foi visível por esse evento, com o evidente sabor de
pressão política. Independente disso, tínhamos o show para fazer e
na perspectiva em não ser restabelecida a energia, o Laert propôs algo
inusitado, para não cair na mesmice de um cancelamento pura e
simplesmente. Então, em comum acordo com a direção do Teatro Lira
Paulistana, cancelou-se a venda de ingressos e convidaram as pessoas que
compareceram, a prestigiar um show intimista na base da voz & violão, e deixar as
pessoas a vontade para doar qualquer quantia em dinheiro, se quisessem, mediante o
recolhimento com um chapéu, de uma forma romântica, ao agirmos como menestréis...
E
o show aconteceu, mediante o auxílio de velas. Eu não
participei, pois sem energia elétrica, não seria possível tocar baixo, e
minha participação em um show acústico e improvisado, seria mínima. Lembro-me em ter feito uma discretíssima percussão e nada mais, e ter sido uma figura inútil naquela engrenagem sob improviso. E
o repertório seguiu esse padrão, mais com o Serginho Gama a tocar e
Laert e Pituco a cantar, incluso músicas mais antigas do repertório, fora do Set List habitual, naquele tempo. E claro, nada do show tradicional pôde ser encenado, ao ficar a expectativa para que a situação normalizasse-se na quinta-feira.
A
energia voltou muitas horas depois, a votação do projeto de Lei
para restituir a prática das eleições diretas para presidente da república
fracassou e ainda teríamos alguns anos para alcançar esse direito. Quanto ao Blackout, o governo forneceu uma explicação técnica mequetrefe e ficou por isso. Por incrível que pareça, oitenta pessoas compareceram ao teatro, com Blackout e tudo, nessa quarta-feira, dia 25 de abril de 1984.
Nos camarins, que eram enormes e labirínticos, encontramos inicialmente o
quarteto, "Genghis Khan". Foi hilário conviver algum tempo com eles
maquiados e paramentados com aquele figurino histriônico que usavam em cena, a parecer estar paramentados para atuar em um musical da Broadway. A impressão que eu tive, foi de que em qualquer
momento, o Yul Brynner apareceria no ambiente, pronto para entrar em cena
em : "Ana e o Rei do Sião"...
O Pituco estabeleceu amizade
imediata com eles, principalmente o enorme líder, o argentino Jorge, que
no sotaque castellaño por ele pronunciado, revelava-se algo a soar como : "Ror-re"...
Foram cenas hilárias, com
os dois a cantar e divertir-se em coreografias improvisadas, que
deixavam os técnicos da TV atônitos.
Outra figura inesperada, ali
presente, foi a Martinha, cantora / compositora da Jovem Guarda. Tímida,
porém simpática, foi gentil para conosco na sala de maquiagem.
Outra,
ainda mais incrível, foi Germano Mathias, o grande
príncipe da malandragem do samba paulista, da velha guarda. Figura
incrível, contou piadas e interagiu com a Laert o tempo todo. Como eu
queria ter a facilidade da tecnologia de hoje em dia em mãos e ter
filmado e fotografado esses momentos hilários. Sempre gostei dos bastidores de
programas de TV. Em todos onde estive presente, sempre diverti-me muito
e confesso, tenho saudade. Já faz anos que com a maldita instituição
do jabá, ficou difícil participar deles, ao estar a militar no underground da
música. A TV só abre caminho para os tubarões do mainstream, e o jabá é o
grande culpado dessa injustiça.
Ainda houve a presença do
jogador Biro-Biro, do Corinthians. Não posso deixar em considerá-lo
também uma figura folclórica. Na verdade, ele era um "quase" personagem do Chico
Anysio, só que em carne e osso... e uma outra atração musical
presente, foi a do Ultraje a Rigor. O Maurício e o Leospa foram os amigos
mais receptivos da banda e chegamos a conversar rapidamente. Eles lembraram-se de minha pessoa, como baixista da Chave do Sol e ao ir além, lembraram-se
de que nós encontráramo-nos algumas vezes em algumas casas noturnas onde
costumávamos apresentarmo-nos entre 1982 e 1983, e antes deles ficarem
famosos (já contei sobre essa passagem, no capítulo d'A Chave do Sol).
Diante
dessa diversão toda, poderíamos ficar a noite toda naquele camarim, que
teria sido super divertido com essas figuras todas, mas o programa
começou a ser gravado e o Ultraje a Rigor foi chamado ao palco. Da
coxia, vi quando entraram, e o Fausto Silva os entrevistou com a
irreverência que caracterizava-lhe, e naquele tempo Pré-Global, ele era
muito mais solto, pois não tinha o freio que puseram-lhe depois. Na TV
Gazeta, tinha liberdade para comandar uma esbórnia total... quando
a conversa encerrou-se, e os rapazes prepararam-se para a dublagem, o
sonoplasta, Johnny Black sinalizou da cabine de som, a avisar que não estava
por achar o disco. Então, algo inusitado aconteceu, pois descobriram que
eles não tinham o disco disponível, tampouco um divulgador da gravadora
Warner havia passado no teatro, previamente. Nem o empresário da banda detinha uma cópia em mãos, e os
músicos, também não haviam preocupado-se com isso.
Mas, tudo foi
levado na brincadeira e a participação do Ultraje ficou sem a dublagem,
ao aproveitar a falha como uma gag humorística. Depois chamaram o
Biro-Biro, que arrancou gritos pró e contra, como é típico em plateias
misturadas e suas paixões clubísticas díspares. A seguir, fomos chamados e após uma hilária entrevista, dublamos "Concheta", e promovemos os shows do Teatro Lira Paulistana. Foi uma noite que eu apreciei muito, sem dúvida e repito, tenho saudade de bastidores de TV.
Mais uma vez peço desculpas ao leitor, mas não anotei a data, como todas
as outras datas em que participamos de programas de rádio e TV, mas foi mais
ou menos nessa época, entre o final de abril e o início de maio, que
fomos convocados a participar de um novo programa na TV Gazeta, que chamar-se-ia : "Perdidos na Noite". Tal atração seria uma extensão natural do programa
de rádio, "Balancê" (Rádio Excelsior / Globo de São Paulo), que tantas vezes fizéramos. Aquela anarquia
que existia no formato radiofônico, chegara à TV e a seguir aquele
padrão, tinha tudo para ser muito divertido. E o foi...
Bem, por tratar-se de TV Gazeta, a audiência não seria avassaladora e ao considerar
que seria o primeiro programa, praticamente um piloto, menos ainda. Mas
tínhamos um bom relacionamento com a produção, sempre simpática, do
"Balancê", e dessa maneira, seria um prazer participar desse programa
inaugural. A gravação ocorreria em um dia de semana a noite, segunda ou
terça, não recordo´me ao certo, nas dependências do Teatro Jardel Filho,
na Av. Brigadeiro Luiz Antonio, no bairro do Bexiga, centro-sul de São Paulo.
Era
um teatro grande e muito espaçoso, por tratar-se de uma ex- sala de
cinema. Hoje em dia, está modernizado e abriga super musicais da
Broadway norteamericana, com estrutura portentosa. Mas o "Perdidos na
Noite" tinha uma outra realidade e nesse dia, não havia espectadores
para assistir a gravação. Vimos portanto, estagiários da TV Gazeta
a caçar pessoas pela rua, literalmente, para que pudesse haver um quórum mínimo de
público sentado na plateia. A abordagem chegou a ser engraçada,
por parecer conversa de vendedor de loja popular... os funcionários da Gazeta abordavam os
pedestres na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, e diziam que haveria artistas e jogadores de futebol
presentes no palco, seria grátis etc e tal.
Ao lado do Teatro
Jardel Filho, ficava (fica), a Faculdade Iberoamericana e de lá veio a
maior parte do contingente, claro, pois a perspectiva em cabular a aula e
divertir-se gratuitamente, certamente que os animou. Mesmo assim, a quantidade
de pessoas que dignou-se a entrar no teatro, foi mínima, ao obrigar os
profissionais cameramen a usar close up, para não mostrar imagens do teatro semi vazio. Na sonoplastia, estava o Johnny Black, para atuar como no "Balancê", e a sua figura era divertidíssima. Mas
foi nos bastidores que a diversão foi total. Figuras improváveis
estavam a dividir o camarim conosco, para tornar a noitada, um delírio
onírico felliniano...