Em um distante planeta chamado: “Glapaux”, um cientista se dedicava a estudar civilizações de outros mundos. Dada a sua condição civilizatória bem avançada, ter noção de que havia vida em outros planetas era um senso comum entre os seus habitantes e não tratado como uma crença irreal conforme se observa entre os habitantes de mundos mais atrasados, portanto, um pesquisador que se dedicava a investigar a vida em outros mundos, ia muito além da astrobiologia, pois a questão para os habitantes de Glapaux não era uma mera especulação sobre haver indícios de micro-organismos que comprovassem a possibilidade de haver vida em outros astros, mas sim um estudo sobre como se desenvolveram as diferentes civilizações.
Então, houve o caso de um pesquisador chamado, Etex, que iniciara a sua pesquisa sobre um planeta distante a abrigar uma civilização primitiva ainda, a avançar paulatinamente em termos de conquistas científicas, mas ainda observar um viés atrelado às práticas bárbaras, muito presas aos sentimentos mesquinhos arraigados no ego de cada indivíduo.
Brigavam por posses materiais, territoriais, ciúmes, controle, domínio etc. Tais animosidades eram alimentadas com raiva, fúria, ira, cólera para que se exercesse a força de uns contra os outros.
E por trás de tais demonstrações de força bruta, havia a arrogância, prepotência, desprezo, desdém, vontade de humilhar para se impor ante semelhantes.
Isso sem contar com a falta de escrúpulos para atingir objetivos escusos, artimanhas, sabotagens, manipulação e na arquitetura construída em torno de mentiras para iludir, ludibriar e explorar os seus pares.
Ao discorrer sobre tal civilização que estudava, os seus interlocutores não sentiam repulsa exatamente ao tomar contato com tantas características ruins observadas por habitantes de um planeta, isso por que a posição equidistante já havia sido alcançada há milênios em Glapaux e dessa forma, todo cidadão aceitava intelectualmente a ideia de haver povos em estágios mais primitivos de civilização, por conseguinte, a agirem com tantos traços negativos em sua sociedade tão caótica.
Mais do que isso, sabiam que tais Seres não haviam rompido ainda a percepção do individualismo exacerbado, portanto, tinham consigo a atrasada percepção de competitividade entre si como única forma de se prover a sobrevivência de cada Ser. Ou seja, estavam muito longe de entender o caminho da fraternidade e trabalho coletivo em prol do bem comum.
E para corroborar tal posição, os habitantes de Glapaux sabiam também que esse estágio primitivo existente em outros mundos, não era definitivo. Ainda que lentamente, os habitantes desse mundo primitivo evoluiriam, pois em Glapaux essa consciência de que a evolução é um fato constante, era algo muito claro.
Mas eis que Etex foi perguntado sobre qual civilização ele estava a estudar e ele respondeu aos seus interlocutores que estudava a sociedade desenvolvida pelos humanos do planeta Terra, ou terráqueos como costumavam também se autodenominar.
A falar mais sobre o que estava a observar em seus estudos, salientou que tinha observado que os avanços tecnológicos que os terráqueos haviam conquistado não se coadunavam com outros pontos de seu desenvolvimento. Portanto, o avanço da civilização dos terráqueos não era linear, mas a apontar para ótimas conquistas em alguns pontos, estagnação em outros e em certos casos, até regressão sob certos aspectos.
A empolgar-se com a sua explicação, Etex disse que havia lido um livro escrito por um terráqueo no começo do século XXI e que tal livro espelhara bem como os humanos eram irregulares em seu desenvolvimento. –“Esse humano escreveu uma série de contos curtos, com caráter atemporal e que mostrou que determinados comportamentos dos seus semelhantes, não haviam mudado ao longo de séculos”, afirmou o pesquisador.
Foi quando um de seus interlocutores perguntou: -“professor Etex, sabemos que os terráqueos vão evoluir e abandonar o egoísmo, um dia, pois faz parte do processo da evolução, mas a pergunta é: por que o desenvolvimento deles não é linear? Eles desenvolvem-se em vários campos da tecnologia, constroem máquinas engenhosas, avançam na biologia, tem arte e pensadores a formular teses filosóficas com profundidade, mas ainda recorrem à matança como uma forma de intimidação entre eles mesmos, além de outras práticas abomináveis. Fazem da produção de alimentos um meio de impingir barganha, assim como a própria medicina avançou muito para os padrões deles, porém, eles simplesmente não tratam a moléstia de um semelhante se este não oferecer algum valor em troca. Como podem não associar tais avanços para o bem da coletividade?”
-“Bem, é exatamente esse o ponto do meu estudo. Eu quero entender por que a civilização terrestre se sofistica em termos científicos, mas os humanos simplesmente não associam tais conquistas ao bem-estar comum da coletividade. Em outros mundos a evolução não avançou assim de forma tão desigual entre a tecnologia e a percepção de coletividade”.
-“então o egoísmo é a explicação para tal fenômeno da Terra em específico?”, perguntou um interlocutor.
-“Sim, certamente, a batalha do Ser individual contra o seu ego que não o faz entender ser parte do todo, certamente o cega e provoca o atraso”.
Foi quando um outro Ser perguntou ao Etex: -“e qual seria esse livro do século XXI do tempo terráqueo com o qual o senhor teve contato?”
-“Humanos Pitorescos” é o nome do livro escrito por esse humano”, respondeu Etex.
-“Ele dever ter sido um Ser amargurado por ter escrito histórias sobre os seus próprios semelhantes e a conter tantos aspectos negativos, não é?” Questionou um outro partícipe da conversa.
Etex, com a típica calma dos Seres de Glapaux, respondeu-lhe: -“Talvez sim, pois ele estava no mesmo nível dos seus semelhantes e se estava a perceber o egoísmo, como um mal da sua civilização, muito provavelmente sofria ao se deparar com a situação que enxergava ao seu redor e daí se motivou a escrever para denunciar tais disparates”.
Uma última pergunta, mestre Etex, disse um dos Seres ali presentes: -“Mas nesse livro, não há nenhuma história positiva sobre os humanos? Só trata das suas mesquinharias em linhas gerais?”
Etex o mirou e respondeu com convicção: -“nem todos os contos expuseram apenas mazelas, mas há de se pontuar que mesmo nos contos mais pesados, a denunciar os aspectos negativos dos humanos, nas entrelinhas, sempre houve a sutil mensagem de esperança de que o autor acreditava na possibilidade do seu povo evoluir. Esse humano não estava liberto da mentalidade do egoísmo desenfreado, de seus semelhantes, portanto era rigorosamente igual a eles em todos os sentidos, mas talvez por ter sido um artista em sua existência, tenha tido um vislumbre dessa outra possibilidade e daí teve a motivação para escrever”.
Para encerrar de vez a discussão, mestre Etex, qual o seu veredicto sobre o estágio de evolução dos humanos do planeta Terra?”, inquiriu um jovem cidadão de Glapaux.
-“Humanos são pitorescos” na sua linha de desenvolvimento,
mas chegarão em um ponto de equilíbrio, com toda a certeza”.