No camarim dos Doces Bárbaros em 1976, o nosso guitarrista Wilton Rentero observa a presença de Rita Lee. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Nelson Rentero
Aconteceu no tempo do Boca do Céu em 1977
Naqueles dias de 1977, em que o movimento hippie chegara tardiamente ao Brasil, nós vivemos tal lampejo com muita intensidade. Nesses termos, a nossa banda, o glorioso, Boca do Céu, costumava ensaiar aos sábados e eventualmente em alguns domingos, também.
Jorge Mautner ao vivo em 1976. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Nelson Rentero
E após os ensaios do Boca do Céu, nós íamos juntos aos inúmeros eventos que borbulhavam pela cidade, shows de Rock e MPB, predominantemente, mas também mediante muitas sessões de cinema assistidas com o melhor da produção cinematográfica comprometida com a contracultura, exposições de artes plásticas, peças teatrais, saraus, palestras, enfim, as opções foram múltiplas naqueles dias.
Show do Caetano Veloso em 1975. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Nelson Rentero
E não obstante essa euforia com a qual buscávamos saciar com a absorção de cultura em doses maciças, havia o baixo astral antagônico pelo regime imposto goela abaixo e a apontar para a truculência a cada esquina como algo possível antes as armadilhas que nos impunham, como um perigo constante e fato inexorável.
Sergio Dias ao vivo com os Mutantes em 1974. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Nelson Rentero
Porém não apenas isso, fatos bizarros aconteciam com constância pelo fato de sermos jovens Rockers com aparência de hippies sessentistas em meio a uma sociedade tão conservadora no aspecto ruim do termo.
A fachada do hoje saudoso Cine Bijou, uma sala de cinema que foi muito significativa aos apreciadores do cinema de arte e sobretudo da movimentação contracultural absorvida pelo cinema e por conseguinte, a atrair um grande contingente de hippies, freaks e Rockers para assistir as películas colocadas em sua programação, principalmente nas décadas de sessenta e setenta
E foi uma situação assim que nos ocorreu quando saímos certa noite de uma sessão de cinema no saudoso Cine Bijou e eufóricos por termos visto um filme com alta carga de mensagem libertária, ficamos completamente absortos pela sensação de liberdade de se correr livremente por um bosque ou algum lugar aprazível dessa monta e sentir os cabelos longos balançarem ao vento, tal como hippies em estado de epifania ao experimentarem a sensação da libertação do sistema opressor etc. e tal.
Diante dessa epifania libertadora, não corremos de forma literal pelas ruas, mas imbuídos dessa euforia inebriante, vimos que uma cerimônia de casamento estava a ser realizada nesse mesmo instante na Igreja da Consolação ali ao lado, na Praça Roosevelt e dessa forma, decidimos entrar a esmo no templo católico.
A famosa cena do filme "Hair", em que os hippies protagonistas da trama, geram confusão em uma festa particular e absolutamente burguesa
É claro que o contraste de um bando de adolescentes cabeludos vestidos como hippies, foi gerado, pois assim chamamos a atenção inteiramente e nesse momento, nos sentimos como na cena da peça teatral e filme, "Hair", quando os hippies invadem uma festa burguesa e geram uma confusão e tanto, mediante muito deboche da parte de tais jovens libertários, objeto de reflexão contido em tal sketch da peça e do filme.
Não foi o nosso caso, pois nós não fizemos nenhuma cena dentro da igreja a atrapalhar a cerimônia de outrem, no entanto, a expressão de pavor que vimos nos rostos das pessoas ao nos verem ali, nos gerou uma sessão de gargalhadas inevitável e de certa forma, mesmo que de uma maneira alternativa, digamos, amplificou a nossa sensação de liberdade com a qual havíamos sido impactados após termos visto um filme com alto teor libertário.
Foram os últimos estertores dessa euforia, o movimento hippie no âmbito do Brasil, emitia os seus últimos suspiros, todavia, eu tenho saudade desse resquício que eu e meus colegas ainda conseguimos absorver, certamente.