Aconteceu bem antes da fundação do Boca do Céu, em
1971
Que a contracultura incomodava os ideólogos simpatizantes
da beligerância e enquanto instrumento, algo a ser usado, por conseguinte, para se manter uma visão acre do mundo, isso é uma
obviedade. Não apenas pelos aspectos libertários, múltiplos por natureza, entre
os quais a se destacar o antagonismo que foi/é se colocar como pacifista em confronto a
uma ideologia que pensa de forma diametralmente oposta, justamente por ter o
pilar da guerra como algo necessário a justificar a sua visão desumana da civilização, ou seja, a se caracterizar como uma aberração por natureza.
Muito provavelmente os opositores do movimento hippie
perceberam que usar da violência para desmantelar tal movimentação social
de cunho libertário, geraria a antipatia imediata da opinião pública, no sentido de que jogar os
cães raivosos contra os jovens cabeludos que falavam sobre “paz & amor”
teria sido um “tiro no pé”, com o devido perdão pela ironia, com o efeito de se causar repulsa ante a truculência desmesurada contra quem propunha oferecer flores ao invés de bombas "Napalm".
Portanto, ao mudarem a estratégia e assim passar a imputar-lhes a pecha
de idiotas alienados e dominados pelos efeitos das drogas, tais estrategistas acharam uma espécie de “calcanhar de Aquiles”
do movimento, e doravante como algo bem definido para ser explorado pelas hordas moralistas de plantão, no tocante ao aspecto lisérgico ligado de forma intrínseca à tal movimentação contracultural.
E da parte dos hippies, sobrou a fraqueza evidente de quem sonhou com a construção
de um mundo melhor, pleno de fraternidade, porém, mediante a sua ingenuidade extrema ao se colocar como
uma tribo apolítica e sem nenhuma intenção de sequer entender o funcionamento do jogo
de interesse tradicional e sobretudo na questão da geopolítica que usa e abusa da força bruta para se impor.
Nesses termos, por ter sido um movimento espontâneo,
anárquico em tese, mas sem nenhuma intenção de promover a anarquia propriamente dita como pilar
ideológico e político, uma imensa maioria de jovens que se deixaram levar pela
ideia da liberdade, apenas se entregara à possibilidade do hedonismo,
impactada pela condição de extrair um peso moral das costas, fruto de
séculos de subserviência aos paradigmas gerados desde a Idade Média e alguns
que remontavam à Antiguidade, carcomidos por crenças, superstições, culpa &
medo, ou seja, a ideia de se libertar desses grilhões morais e por conseguinte
a se colocarem abertos ao prazer total, os inebriou.
Em suma, o sexo livre, o uso desenfreado das bebidas
alcoólicas e sobretudo das drogas com alto teor lisérgico, levou a maioria para
um caminho aberto para a alienação e por conseguinte, a enfraquecer o movimento.
Por outro lado, houve a exceção
dos “Yippies” que foi uma facção hippie organizada no âmbito das universidades e que devidamente politizada, tentara levar adiante
o ideal, com respaldo sociológico mais firme. Contudo, tal movimentação foi devidamente sufocada em sua iniciativa, dentro do ambiente universitário norte-americano, e mesmo assim, em
seu auge fora algo insípido.
Em suma, a euforia Hippie nunca foi uma movimentação
política, embora muitos dos ideais sonhados por esses jovens tenham proximidade
com os anseios progressistas em torno da igualdade e fraternidade social, certamente.
Bem, diante desse quadro, eis que no ano de 1970, duas mortes
trágicas ocorreram por uma questão de dias no mundo do Rock. Em 18 de setembro,
Jimi Hendrix e em 4 de outubro, Janis Joplin. Ambos por conta de overdose
motivada por drogas químicas usadas em excesso, se bem que a despeito do
consumo contumaz desses psicotrópicos, uma delas não foi exatamente por conta
disso no caso de Jimi Hendrix, cuja causa mortis foi o sufocamento por uma ação
azarada que ele teve entre o momento de crise e o salvamento que não foi
possível de ser efetuado a contento por paramédicos plantonistas.
Passados alguns poucos meses, em 3 de julho de 1971
veio a notícia de que Jim Morrison havia sido encontrado morto em uma banheira
de um apartamento em Paris, no qual ele estava a habitar, ou seja, foi a
terceira morte próxima, sem deixar de mencionar a perda de Brian Jones também
em um dia 3 de julho, mas de 1969, ou seja, foram quatro mortes de "Rock Stars"
muito proeminentes, em um curto espaço de tempo e em decorrência do abuso de
drogas (no caso de Brian, foi afogamento na sua piscina particular, no entanto,
a teoria de que ele ali caiu por estar drogado tomou conta da opinião pública).
Esse foi o estopim para a “intelligentsia” que era a favor
da cor cinza e muito incomodada com a explosão de cores proporcionada pela
paleta psicodélica, entrar em ação para criar uma peça publicitária
absolutamente soturna, com ar macabro e a tentar se comunicar com a juventude
de então, que foi exibida à exaustão nas emissoras de TV da ocasião no afã de
“provar” que os jovens estavam todos errados por se encantarem com a música, o
Rock em pormenor e toda a cultura hippie que lhe amalgamava na época.
Para reforçar tal conceito, as fotos de Hendrix, Joplin e Morrison apareciam de
forma macabra, envoltos em túmulos de um cemitério sob a névoa da calada da
noite e delineadas com as datas de seus respectivos falecimentos, sob uma
locução com tom de terror e com o texto a alertar os jovens de que o “Rock dos
hippies” levava à morte.
Tal propaganda foi exibida em diversos horários, no
entanto, estrategicamente reforçada durante a exibição dos episódios do seriado:
“The Monkees”, na ocasião exibido em período vespertino.
Pois então, em todos os seus “breaks” comerciais,
foram exibidos tais comunicados macabros por semanas, naturalmente para se atingir um público adolescente
que gostava de assistir tal “sitcom” norte-americana baseada nas aventuras de
um grupo de Rock em seus bastidores.
Tal seriado fora produzido entre 1966 e 1968,
portanto, em 1971, já estava na terceira ou quarta reprise sistemática, no entanto era
ainda muito apreciado e tinha tudo a ver, embora fosse uma sitcom de TV, com a
movimentação em torno do Rock, mesmo por que, essa banda saiu da ficção e se
jogou na cena artística como um grupo de Rock genuíno a cultivar uma carreira
real etc. e tal.
Enfim, é inacreditável, mas eu ali no alto dos meus
parcos onze anos de idade e já muito fã de muitos grupos de Rock e Soul, não perdia o
seriado dos Monkees, que aliás, assistia desde 1968, e mesmo sendo criança,
absolutamente ingênuo e sem nenhum aprofundamento sobre a movimentação política, geopolítica
e uso da propaganda como arma de linchamento moral para enfraquecer opositores,
no entanto, já percebia a má intenção vilipendiadora e odiava aquela propaganda
macabra.
Bem, ao tentar destruir a reputação de três (ou quatro,
inclua-se Brian Jones nesse rol), astros do Rock, a utilizar o falecimento desses artistas
motivados por seus abusos pessoais, além de ter sido um ato imundo por natureza, em nada desabonou a obra e o legado artístico que eles
deixaram. Neste caso, o tiro saiu pela culatra, bem feito para esses energúmenos.
Não recomendo tais abusos cometidos por substâncias lícitas ou ilícitas e certamente não faço uso de
tais artifícios químicos e etílicos na minha vida pessoal, portanto, posso
morrer por acidentes de toda espécie que a mobilidade nos transportes pode
proporcionar, violência urbana decorrente de uma abordagem criminosa, ou
qualquer doença que venha a debilitar-me, mas jamais por uma overdose ou degradação gerada pelo álcool,
portanto, eu absorvi muito bem a arte deles, mas não tenho nada a ver com as
suas escolhas pessoais no sentido de me influenciarem a tomar o mesmo caminho.
E sim, continuo a detestar o oportunismo com o qual
usaram as mortes desses artistas para atingir os seus objetivos torpes, a
distorcer toda a situação e tal como abutres, a se aproveitarem para disseminar
a maledicência.
Além disso, moralismo por moralismo, se morrer de overdose é
algo nada recomendável, usar armas deliberadamente para impor a ideologia de
seu interesse, é sem dúvida algo muito pior e isso é um fato concreto e não apenas uma
mera opinião pessoal.