segunda-feira, 31 de março de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 101 - Por Luiz Domingues


E desde que o BR-Rock oitentista começou a penetrar com força na mídia mainstream, ainda ao final de 1982, estávamos atentos e assim que tocamos pela primeira vez no programa : "A Fábrica do Som", da TV Cultura de São Paulo, ouvíamos todo o tipo de boatos. Isso intensificou-se em 1984, quando começou algum rumor sobre a realização do Festival Rock in Rio, a ser realizado em 1985. Ao verificarmos o estouro de todas aquelas bandas na mídia, sabíamos que não adequávamo-nos àquela estética New Wave, Pós-Punk e que tais. 

A única banda que aproximava-se do nosso apreço setentista seria o Barão Vermelho, por ter aquela sonoridade Rock'n'Roll, meio "blueseira", mas mesmo assim, se havia um ponto ao menos de similaridade, mesmo assim nossos temas com passagens instrumentais intrincadas, com forte influência Jazz-Rock, mostravam-se muito distantes da turma de Cazuza; Frejat & Cia. Em São Paulo, o panorama revelara-se ainda mais diametralmente oposto. Bandas como Ira e Titãs, e mesmo o Ultraje a Rigor, seguiam a estética do Pós-Punk, fora as bandas Punk, propriamente ditas, tais como : Os Inocentes; Cólera; Ratos de Porão; As Mercenárias, e outras.

Essa safra de artistas e mais uma leva de derivados da vertente do Pós-Punk (Cabine C; Smack; Fellini; Voluntários da Pátria; UHF; Akira S. etc) também despontavam, mas todos eram seguidores da cartilha de Malcolm McLaren em essência, portanto, estávamos isolados e a correr o risco em ficarmos estigmatizados como anacrônicos, dentro de um mundo oitentista hostil ao extremo, para artistas como nós, ainda a vibrarmos em moléculas setentistas proibitivas para aquela estética agressiva em termos de repúdio ao passado. Naturalmente fomos então a movermo-nos em direção à outra vertente oitentista que era antagônica a tudo o que descrevi acima, mas que demonstrava fôlego para sobreviver em quase pé de igualdade naquela ambientação. Refiro-me ao mundo que girava em torno do Hard-Rock e Heavy-Metal, dos anos oitenta. Pelo peso imprimido em sua música, pela estrutura instrumental calcada em riffs de guitarra, acima de tudo, e também pela estética visual mais próxima de nós, ainda que a ressalvar  em muitos aspectos, fomos quase que atraídos para essa turma, por absoluta falta de opção mais adequada aos nossos propósitos.

Sob uma análise muito simplista, mas verdadeira, éramos menos hostilizados nesse mundo (embora não ficássemos nada confortáveis dentro dele), do que entre os Pós-Punks; Punks; New Wavers; Darks; Góticos, entusiastas de Ska; Techno Pop, e demais vertentes derivadas do Punk'77, que dominavam completamente a cena da década de oitenta. Diante desse dinâmica de sobrevivência, duas coisas começaram a mudar drasticamente dentro de nossos planos, já no início de 1984 : 

1) Precisávamos de um vocalista dotado de uma voz potente, que sobretudo fosse um frontman com grande carisma; domínio de palco e; 

2) Começamos a trabalhar em novas músicas com a preocupação em adequar a banda a essa nova estética, ao incrementarmos o aspecto Hard-Rock, quiçá Heavy, ao trazer mais peso e Riffs ganchudos. 

Queríamos ficar competitivos para estarmos aptos a abraçar oportunidades que certamente apareceriam, baseado em nossa dedução ante os acontecimentos. Na verdade, depois que fizemos a primeira aparição na "Fábrica do Som", elas começaram a surgir. 

Estávamos quase para lançar o primeiro compacto, mas sentíamos que apesar das músicas ter qualidade inquestionável, estavam ambas defasadas em relação ao mercado. "Luz" era um Rock'n'Roll formatado sob estrutura cinquentista. Havia entre os oitentistas, um nicho que admirava o Rockabilly, e que pululava entre os apreciadores de vertentes do Pós-Punk. Bandas como o Coke Luxe (que aliás era do elenco da Baratos Afins, e muito incensada pelo próprio, Luiz Calanca), e até o Magazine do Kid Vinil, encaixavam-se nesse nicho. Mas o nosso Rock, "Luz", soava diferente de tudo isso, com peso e certas atitudes jazzísticas estranhas aos apreciadores do Rockabilly puro.

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domingo, 30 de março de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 100 - Por Luiz Domingues


De uma certa forma, o fato do disco ter enfrentado entraves burocráticos e extra musicais para ficar pronto, teve um aspecto atenuador para a banda. Ocorreu que no período entre o fim de janeiro, até a minha saída do Língua de Trapo, pela segunda e definitiva vez, no início de julho de 1984, quase não houve brecha possível para agendar shows d'A Chave do Sol. Portanto, o risco que corremos em perder o bom embalo construído arduamente desde 1982 (e potencializado pelas aparições na TV), fora enorme.

Isso somara-se ao fato de não termos na ocasião um empresário que pudesse capitalizar o "momentum" propiciado pela exposição midiática excepcional que obtivéramos. Então, o fato do disco ter demorado para sair, de certa forma foi estratégico, pois quando ficou pronto enfim, coincidiu com a época em que eu estava de saída do Língua de Trapo, portanto, com liberdade para dedicar-me integralmente para A Chave do Sol, novamente. Nesse ínterim, tivemos mais uma participação no programa : "A Fábrica do Som", da TV Cultura. Nessa participação, que foi ao ar no dia 31 de março de 1984, tocamos : "Luz"; "Crisis (Maya), e novamente "Átila". 

Somente as duas últimas músicas que citei, foram ao ar, e os respectivos vídeos, estão no You Tube. Desta vez, a produção do programa foi irredutível e o Zé Luiz teve que usar a bateria Gope e acrílica da TV Cultura, como houvera sido durante a nossa terceira aparição, em novembro de 1983. 


 http://www.youtube.com/watch?v=oZlb0BzsKhI

O link acima direciona para o vídeo de "Crisis (Maya)", performance da quarta aparição da banda no programa : "A Fábrica do Som", gravado no dia 27 de março de 1984, e que foi ao ar em 31 de março de 1984 

O Rubens aparece nesse vídeo com o cabelo bem mais curto do que o habitual, pois questão de dias antes, foi padrinho de casamento de sua irmã mais velha, Roseli Gióia. Apesar de "negociar" insistentemente com a sua irmã para ir ao casamento com o cabelo preso, ela foi irredutível, e ele teve que empreender um corte exagerado para os nossos padrões como Rockers setentistas que éramos. O Zé Luiz iria usar uma camiseta com o Logotipo novo que acabáramos de adotar, e estaria na capa do compacto. Era a famosa ilustração da pomba a voar em direção ao Sol. Mas a encomenda das camisetas não ficou pronta a tempo, infelizmente.
Esta camiseta retratada acima, eu nunca usei, mas a preservei como peça de memorabilia d'A Chave do Sol

Esse logotipo foi usado nessa remessa inicial de camisetas e também em bottons que mandamos fazer. Foi um sujeito chamado, Paulo, que propôs-nos esse merchandising e mediante um pacote,  fechamos o negócio. A arte final foi de um rapaz chamado, José Vicente Dias, do qual já comentei anteriormente. De todas as nossas seis apresentações na Fábrica (somente cinco foram ao ar, e logo mais eu explicarei como aconteceu essa sexta aparição, que contém uma história sui generis), essa foi a mais comedida de todas para nós, tanto em termos técnicos, quanto na recepção do público.

https://www.youtube.com/watch?v=hGpDdoPyDJc

O link acima direciona para o vídeo da música `: "Átila",  executada ao vivo no programa, "A Fábrica do Som", gravado em 27 de março de 1984, e que foi ao ar no dia 31 de março de 1984  

Mas de forma alguma eu poderia afirmar que foi ruim. Foi boa a apresentação, só não teve o calor efusivo das anteriores e da derradeira, posterior.



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sexta-feira, 28 de março de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 99 - Por Luiz Domingues


Com a mixagem encerrada no estúdio Mosh, em sua antiga instalação da Vila Pompeia, o próximo passo seria o processo do "corte". Por indicação do Luiz Calanca, o corte foi realizado no estúdio da RCA, pelo competente, Oswaldo Martins, acostumado a cortar discos há muitos anos, e que futuramente, já em plena Era digital, abriu o seu estúdio de masterização, e em seu estabelecimento (chamado : "Turbo"), o CD Chronophagia da Patrulha do Espaço, do qual eu faria parte, foi finalizado, em 2000, coincidentemente.

Para quem não sabe o que significava o "corte" no processo dos antigos vinis, explico rapidamente que era a etapa de acabamento final pós estúdio, onde a fita mixada do estúdio recebia a última camada com frequências agudas e graves, no cômputo geral, onde esse "corte final" definia a cópia matriz que seria imprimida no acetato de vinil, e que serviria então de base para a prensagem das cópias na fábrica.

O Rubens foi assistir o processo, e mesmo sem condições de opinar, pois tratava-se de um processo técnico, essencialmente, assim ao menos representou a banda, como apoio moral nessa operação final. No tocante à capa, tivemos alguns problemas com o fotolito da gráfica, e também com algumas provas rejeitadas por erro no uso de cores. Além disso, tivemos problemas com a revelação das fotos da capa, especificamente com a foto do Rubens. A ideia de escurecimento para dar clima sombrio na foto do Rubens, sugerida pelo fotógrafo, Fábio Rubinato, pareceu-nos muito boa em tese, mas na prática, o laboratório fez muitos esforços para clareá-la.

O certo teria sido abrir uma nova sessão e tentar capturar outras fotos boas do Rubens, mas não obstante o fato de termos essa foto comprometida pela ausência de luz, nós gostávamos dela em si, pela expressão facial do Rubens, e enquadramento. Dessa forma, fomos muito teimosos, ao bancar a sua permanência, e mesmo com os esforços do laboratório para clareá-la (em uma era pré-digital, sem photoshop e que tais). Mas esse processo durou um tempo enorme. Por vários problemas de agendamento no estúdio RCA, que proveria o processo do "corte"; da gráfica com suas idas e vindas, e do laboratório que trabalhava nas fotos, o processo tornou-se lento. Por esse motivo, o disco só foi ficar pronto, meses depois, por volta de maio de 1984.
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Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 98 - Por Luiz Domingues


A sessão de overdubs, marcada no dia seguinte, foi tranquila e um dos técnicos mais experientes do estúdio na ocasião, chamado como, "Primo", foi acompanhar um pouco o desenrolar dos trabalhos. No mesmo dia, começamos a sessão de voz solo. Na verdade foi fácil a tarefa, por ser apenas uma música cantada ("Luz"). E no mesmo dia, fizemos também os backing vocals, nós três da banda, e a contar com o reforço de Soraia Orenga e Rosana Gióia.

Quanto ao vocal solo do Rubens, foi bem rápido, pois ele já estava seguro desde quando incorporamos essa canção ao repertório, e por termos tocado-a em quase todos os shows que fizemos no ano de 1983, e assim estar mesmo, bem preparada para gravá-la. Quanto aos backings vocals, foram tranquilos também. Fizemos uma círculo em volta do microfone Neumann, e gravamos juntos em um único canal.

Ao gravarmos em apenas oito canais, foi inevitável que fizéssemos reduções e dessa forma, alguns timbres ficariam mesmo achatados nesse processo reducionista. Alguns dias depois, fizemos a sessão de mixagem de ambas as faixas. No dia da mixagem, o ex-vocalista do Made in Brazil, Caio Flávio, apareceu, e ficou a assistir a sessão. Com redução e aliado à nossa inexperiência, a mix ficou a melhor possível, dentro desse cenário.

Ao ouvir hoje em dia, acho que tem excesso de reverber, e a extrema leveza da base da guitarra do Rubens, em "Luz", incomoda-me um pouco. Se houvesse um dobro de guitarra base, com um pouco mais de "drive", creio que a música ficaria mais encorpada. Também acho que poderia haver um pouco menos de reverber na bateria, no geral, mas entendo perfeitamente que não foi possível operar milagres em uma redução para dois canais de um instrumento complexo como é a bateria. Gosto, contudo, do Flanger nos pratos, durante um trecho do seu solo em "18 Horas", e isso foi proposital evidentemente, com a aprovação da banda inteira. No tocante ao baixo, hoje em dia eu extraio um timbre tão espetacular a usar amplificador e caixas ampeg, principalmente nos trabalhos do Pedra, que realmente fico chateado por ter gravado em linha, sem nem cogitar usar um amplificador nessa gravação d'A Chave do Sol. Não está ruim, mas o meu Fender Jazz Bass rende cem vezes mais nessa circunstância que descrevi acima. O timbre comedido, quase flat desse compacto, poderia ter sido matador, pois o Fender Jazz Bass é o mesmo, com cordas novas etc. Mas admito que há um fator limitador nesse caso, a mais. Os baixistas puristas vão execrar-me, mas o fato de nessa época eu tocar exclusivamente na técnica "Pizzicato", contribuiu também, decisivamente.

Desde 1992, eu eliminei esse estilo de tocar na minha vida, e com o uso de palheta, não tem comparação a qualidade "timbrística". Com os dedos, a tendência é perder o brilho. Com palheta, o baixo ronca de forma violenta, ao produzir o máximo que um instrumento vintage tem de bom, ou seja, a sua sonoridade natural. Dessa forma, há anos estou acostumado a explorar o máximo de baixos Fender e Rickembacker. Ouça qualquer gravação do "Pedra", e o leitor mais acostumado com produção musical, sentirá quando é Jazz Bass; Precision; ou Rickembacker, pois isso é nítido. Mas estou a comentar tecnicamente, apenas. Não queixo-me e pelo contrário, orgulho-me muito desse primeiro trabalho d'A Chave do Sol, por representar mesmo a concretização de um sonho pessoal que eu acalentava desde 1976, quando formei a minha primeira banda.

Ele é importante para a minha carreira, por esse aspecto pessoal, e também pelo trabalho em si, ao representar muito para a carreira d'A Chave do Sol. Esse compacto, aliado às aparições no programa da TV Cultura de São Paulo : "A Fábrica do Som", foram os dois principais fatores que catapultou-nos de uma condição sob anonimato para uma exposição midiática, ao dar-nos oportunidade ímpar para impulsionar a nossa trajetória, e foi exatamente o que ocorreu.


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Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 97 - Por Luiz Domingues



A gravação da base da música : "Luz", foi relativamente rápida. Dado o caráter em gravarmos ao vivo, tivemos que fazer dois ou três tomadas apenas, motivados por pequenos erros pontuais de um ou de outro. Mas realmente foi muito pouco, ao demonstrar que a nossa eficácia fora um fruto adquirido por conta de uma pré-produção esmerada, com muito ensaio.

Hoje em dia, acho que o andamento dessa música deveria ser um pouco para trás. Daquele jeito que gravamos, tem um entusiasmo, mas acho que um pouco mais lento traria um balanço maior. Penso nisso pela questão da linha melódica em primeira instância, claro, mas também pelo fato de que muitas convenções poderiam (e deveriam na verdade), ter saído com mais "swing".

Na base da otimização máxima do tempo, apenas checamos a afinação, e partimos direto para a gravação da base de : "18 Horas". Naturalmente, esse tema seria bem mais difícil, por ser longo, cheio de convenções precisas, e por apresentar solos da parte dos três instrumentos. Começamos a gravar com muito foco, e apesar do grau de dificuldade maior, além de estarmos muito bem ensaiados,  sentimo-nos muito mais a vontade na hora de gravar, "18 Horas", pelo fato de estarmos aquecidos e ambientados ao estúdio.

Isso sem mencionar o fato em termos adquirido confiança no técnico, Robson T.S. , fator fundamental também nesse processo. No momento em que chegou o meu solo, senti uma certa insegurança por conta do fone de ouvido. Faltou-me a experiência para pedir ao técnico que empreendesse um ganho de volume naquele momento, ao pilotar o som do baixo na mandada do monitor. Com isso, toquei de forma linear como foi o plano durante a música normal. Por outro lado, o fato da guitarra parar naquele trecho, conforme o arranjo que criamos, contribuiu para a minha melhor audição. Somente a constar a bateria do Zé Luiz, a acompanhar-me, ficou mais fácil, evidentemente. Na hora do solo do Zé Luiz, a nossa preocupação foi em não alterar em demasiado o andamento, para arriscarmos arruinar a volta à música na sua parte final.
Como não estávamos a usar metrônomo, esse risco mostrara-se muito grande, pois ao tratar-se de um solo, em algum momento ele desviaria a atenção da marcação e sem chão, o pulso seria perdido.
De fato, nós tentamos ensaiar com o "click", mas músicos intuitivos que éramos, a rigidez espartana do metrônomo atrapalhava-nos demais, ao tirar-nos toda a segurança. De volta à gravação, digo que sim, naturalmente que o andamento voltou oscilado, mas aos ouvidos do grande público leigo, e sejamos francos, também de quase todos os críticos e muitos músicos, tratou-se de um erro imperceptível. Só maestros; musicólogos ou produtores perfeccionistas percebem tal sutileza. E passados esses dois momentos críticos da música, apesar do longo solo de guitarra, e algumas convenções difíceis, foi mais fácil gravar a base.

Nesse caso, invertemos um fator em relação à gravação de "Luz", pois tocamos realmente como se fosse ao vivo, com o solo do Rubens tendo sido gravado de fato e a dispensar o uso do "overdub". Dessa forma, ele reforçou algumas facetas apenas em um rápido overdub, no dia seguinte. E como sobrou um tempo dentro de nossas previsões, resolvemos incorporar um luxo extra, de última hora. Como havia muito equipamento dos Pholhas à disposição no estúdio, resolvemos reforçar o riff principal de "18 Horas" com intervenções de teclados. 

Queríamos usar o vistoso Mini-Moog, mas como não sabíamos que timbre escolher, e o objetivo seria apenas reforçar a convenção e não fazer solos ou efeitos exagerados no decorrer do tema, resolvemos optar pelo uso do Clavinete Hohner D6, outro teclado tipicamente setentista.

O Rubens fez a gravação e apesar do timbre marcante do teclado, na soma com baixo e guitarra, ficou como um mero reforço, ao estabelecer uma espécie de sombra, quase invisível. Quase não dá para notá-lo, mas eu sei que está lá. E assim encerramos o primeiro dia de gravações, satisfeitos com o resultado, e certamente já a eliminar cerca de 75 % do processo, pois os overdubs de guitarra, e as vozes seriam bem mais fáceis para ser concluídos. 


Continua...
 

quinta-feira, 27 de março de 2014

Artérias - Por Julio Revoredo

 
Artérias já, artérias aqui.

Multicores, por entre multiflores, vácuos, vazios, tubos, triângulos.
Artérias em fogo, fogo-fátuo.

Distorcidos mares que abrem em flor, em 7.
O vento desvidra o lineal utópico do homem solitário e violáceo, que cruza o Azul com Syd Barrett, no mais tudo dissipa-se em artérias, originais, abissais, por hora vírides sereias astrais, as naves do espaço exíguo, não escolhem entre a noite e o dia, apenas segue-se o contrarefluxo em artérias, artérias, artérias, arte.


Julio Revoredo é colunista fixo do Blog Luiz Domingues 2. Poeta e letrista de diversas músicas que criamos em parceria, em três bandas pelas quais eu atuei: A Chave do Sol, Sidharta  Patrulha do Espaço.
Neste poema, o poeta nos fala sobre o fluxo surreal proposto na psicodelia, a correr como um rio caudaloso e pleno de arte.

sábado, 22 de março de 2014

Tudo o que eu quero é não querer - Por Tereza Abranches

Não quero fatos imperdoáveis.

Não quero o choro baixinho no lugar do que não foi dito.

Não quero que o cheiro de malva se extinga.
Não quero ignorar arrependimentos e sim enfrentar todos eles (e tem gente que fala que não se arrepende do que fez e sim do que não fez). Papo furado. Todo mundo se arrepende de alguma coisa (somos falíveis sim).

Não quero sorrisos afixados nos rostos por puro convencionalismo.
Não quero crianças sem a infância real que precisa ser vivida e com urgência.

Não quero arrastar correntes pela vida, pesos que já se tornaram obsoletos e desnecessários.

Não quero palavras que disfarcem pensamentos ao invés de traduzi-los, desnudos e sem medo.
Não quero abraços onde os corações de um e de outro não possam ser sentidos pelos que se abraçam.

Não quero mil flores de mentira, e sim um soco bem dado no estômago causado pela verdade simples e transparente, não tem problema, eu sobrevivo.
Não quero perder a lembrança do cheiro bom e aconchegante da minha vó.

Não quero impedir que minhas lágrimas desçam ou que eu dance até cansar quando uma música me levar à combustão espontânea (não mergulhar na música que se ouve deveria ser proibido por lei).
Não quero passarinhos em gaiolas.

Não quero deixar de me surpreender com as coisas, tanto as belas como as feias e tristes.

Não quero que a natureza deixe de me cortar o coração de tão bela e quero sentir profundamente o vento que traz consigo sussurros de fadas e duendes e o cheiro da terra, invadindo meus recantos.
Não quero nunca esquecer de pisar na grama molhada e abrir os braços, sentindo a chuva lavar minha alma de forma profunda e acolhedora.

Não quero deixar de rir tão alto e tão forte, que esse riso ecoe nas matas, penhascos e montanhas.
Não quero nunca esquecer que tudo está em seu devido lugar, colocado pela Vida, que é pra lá de sábia muita coisa.

Não quero deixar de ver beleza e poesia mesmo nas situações mais difíceis, porque existe beleza e poesia em tudo, basta olhar e ver.
Não quero que a minha decisão de ser feliz passe despercebida aos que têm talento pra infelicidade.

Não quero gestos estudados, polidos e cheios de etiquetas lamentáveis; quero gente espontânea, densa, de coração na mão, gente apaixonada perdidamente pela simplicidade.
Não quero nunca perder o contato com a criança que mora em mim e que, às cambalhotas, sempre enxergue tudo isso.

... mas todos os meus não quereres esbarram na realidade, por isso canto, danço, voo dentro de mim e pingo um cadinho de luz à minha volta, sempre na expectativa bendita de que a minha luzinha chegue à alma do filhos da Terra !

Tereza Abranches é colunista fixa do Blog Luiz Domingues 2. 
Artesã e escritora, desenvolve também estudos nos campos da literatura e da espiritualidade. 

Neste novo texto, nos mostra o que é tomar posição diante da vida, deixando claro seus propósitos.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 96 - Por Luiz Domingues

Eu, Luiz Domingues, a estabelecer pose como a imitar "Brian Jones" (Lp Beggar's Banquet dos Rolling Stones, em 1968, veja o encarte interno do álbum e confira), no Estúdio Mosh, em janeiro de 1984

E finalmente chegou o dia. Estava marcado para às 15:00 horas de um dia de janeiro de 1984 (não anotei o dia certo, peço perdão ao leitor / fã d'A Chave do Sol).

A sala de gravação no antigo Mosh, era um quarto muito amplo, cuja suíte foi retirada, e tornou-se uma casinha isolada para a bateria. Com uma elevação substancial, víamos o Zé Luiz como se estivesse em um praticável de show ao vivo, com a bateria suspensa. Dessa forma, apesar de fechado na casinha, tínhamos a comunicação visual essencial para uma gravação, ainda mais ao considerar-se que gravaríamos toda a base ao vivo.
Ele levou a sua bateria Tama, e usou três pratos (Crash 18' ; Ride 22' e China 24' ); os pratos de chimbau que ele usava nessa época, eram da marca, Zildjian. Pedal de bumbo, Speed King. Ele usou peles Remo hidráulicas em todos as peças, incluso na caixa.
No meu caso, eu usei o meu Fender Jazz Bass, com cordas GHS (040), mas plugado diretamente na linha. E o Rubens usou a sua guitarra Fender Stratocaster, plugada em um amplificador Music Man, com dois falantes de 12". O Rubens tinha na pedaleira nessa época, um Phase 90 da MXR; Wah-wah Cry Baby; Compression / Sustainer da Boss, e Chorus da Boss, como principais opções. Ele usava também, cinco pedais da Coloursound, que acoplava esporadicamente ao vivo, um ou outro, mas não lembro-me em vê-los todos na pedaleira.

O Chorus ele usava pouco, é verdade. Sua preferência era pelo Phase 90, aliás uma marca registrada que marcou o som d'A Chave do Sol, pois quase todos os solos dele, eram feitos com o pedal ativado. Muitos guitarristas comentam que isso era típica característica d'A Chave do Sol, e é verdade. Gravamos inicialmente a base de "Luz", por ser um Rock mais simples. Teoricamente apenas, pois se a estrutura harmônica era baseada no Rock'n Roll básico cinquentista, havia diversas convenções e verdadeiros momentos sob inspiração jazzística, com escalas de baixo andantes, por exemplo. 

O Zé Luiz fez viradas difíceis e por ter sido assim, apesar de parecer fácil para um baterista de seu nível, exigiu-lhe concentração. A guitarra ficou isolada por um biombo com madeira almofadada à moda de estúdios vintage, no fundo da sala. Não recordo-me sinceramente qual foi o microfone usado para a captação do amplificador. Remotamente lembro-me que era um da marca AKG, mas foge-me o seu modelo específico. A verba foi curta, portanto não tivemos outra alternativa a não ser gravar a base ao vivo, para reservar apenas solo e contrasolos para uma sessão extra a gravar os overdubs, além da voz e backing vocals, evidentemente. Faltou-nos experiência em estúdio, pois na ausência de um maior preparo nesse sentido, o Rubens equalizou o seu amplificador para uma base limpa, mas exagerou na dose. Ficou quase uma base ao estilo da Country Music, bem Nashville. 

Sua guitarra Fender Stratocaster soa como uma Telecaster, praticamente, nessa base que ficou registrada no disco. Não posso dizer que seja feia, pelo contrário, são desenhos rítmicos muito bem engendrados por ele e agradáveis naquela base limpíssima, mas faltou um contraponto que seria necessário com uma segunda guitarra base mais suja, para abrir no estéreo. Foi o primeiro disco da minha vida, como banda minha de fato. Antes disso eu gravara uma faixa em um disco de um cantor de MPB em 1980 (já relatado no tópico "Trabalhos Avulsos"); uma demo-tape com o Língua de Trapo (também já relatado no capítulo dessa banda), e algumas gravações mambembes de demos (inclusive uma com a própria A Chave do Sol, em 1983), para inscrever músicas em festivais etc. Em suma : mostrava-se muito pouca a minha experiência nessa ocasião.
Zé Luiz de costas; o ex-vocalista do Made in Brazil, Caio Flávio, que acompanhou a gravação como convidado do Mosh, e o técnico Robson T.S., de bigode

Estava seguro e muito calmo, mas faltou-me experiência em lidar com o estúdio, coisa que hoje tenho de sobra. Para o Zé Luiz também foi o primeiro disco. Fora disso, a sua experiência resumira-se à fitas demo com a sua banda anterior, o Contrabando. E o Rubens havia gravado um compacto com a banda, Santa Gang, em 1981, o que também mostrava-se muito pouco. A nossa sorte foi que estávamos excepcionalmente bem ensaiados, e tranquilos, seguros. E também pelo fato do técnico de som designado para servir0nos, ter apreciado o nosso som, e ser extremamente solícito.
Ao estabelecer amizade e sintonia musical instantânea, conosco, foi um amigo que auxiliou-nos do início à mixagem, com extrema boa vontade, e espírito cooperativo. O nome desse técnico é : Robson T.S. Ele era jovem, mas bastante competente e interessado em mostrar serviço, por ter dado o melhor de si para o som ficar o melhor possível. O dono do estúdio era (é) o Oswaldo Malagutti, ex-baixista dos Pholhas, e muito do equipamento do Mosh, naquela época, pertencera à tal banda, e foi muito usado na década de setenta.
Robson T.S. compenetrado na sessão de overdubs de guitarra do Rubens. Sentado ao seu lado, Caio Flávio, e à esquerda, só no detalhe, o Zé Luiz Dinola.A Chave do Sol a gravar o seu primeiro disco. Janeiro de 1984





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