O homem
romântico, em geral, não é compreendido pelas demais pessoas do mundo.
Parece ingênuo, mesmo tolo. Vou basear-me, para tentar caracterizar o
Homem Romântico, em Taiguara, incompreendido já na sua época; houve
mesmo quem o achasse melodramático pela canção "Hoje", que me parece
extremamente atual.
"Hoje, homens da aço esperam da ciência
Eu desespero e abraço a tua ausência.../
Eu não queria a juventude assim perdida
Eu não queria andar morrendo pela vida"
(Hoje)
Só
que o homem romântico é um tipo superior de homem. Por favor, entendam
que não me refiro à um fenômeno literário apenas, que, no nosso caso
específico, foi o que sofreram os chamados poetas do "mal do século",
que foi um caso datado, sem querer desmerecê-los. Falo do romântico
atemporal, o próprio arquétipo do cavaleiro valente, do homem honrado e
ético.
"Sorriso bom, só de dentro
Ninguém é bom sendo o que não é
Pra ser feliz com mentira
Melhor que eu chore com fé"
(Piano e Viola)
Além de uma visceral
autenticidade, o que mais poderia caracterizar o Homem Romântico? Colin
Wilson, em prefácio à um livro de H. P. Lovecraft, conta a seguinte
história, para diferenciar o Homem Romântico do homem prático.
Um navio vai em alto mar, em viagem tediosa, carregando toda uma
tripulação condenada, apenas, numa viagem sem fim, a descascar batatas.
De repente, toda tripulação começa a ouvir um canto misterioso, vindo
das profundezas do oceano. Os homens práticos, desconfiados de que
aquilo poderia ser um delírio perigoso, voltam as costas aquele canto e
seguem, na viagem interminável, descascando suas batatas. Os homens
românticos, presumindo que aquele som mavioso poderia ser o canto das
sereias, mergulham fundo no oceano, abandonando o navio, partindo em
busca do maravilhoso, do desconhecido.
O homem romântico é um aventureiro, mas não um irresponsável. O amor
é sua prioridade máxima na vida; não o amor apenas por uma mulher, mas
pelas causas artísticas, sociais, políticas; na verdade, ele está
empenhado em concretizar uma utopia qualquer. O Homem romântico, ao
contrário dos práticos, não é um comerciante, é um comunitário.
Preocupa-se, responsabiliza-se, não compete; alegra-se em praticar a
solidariedade, não para receber aplausos. Praticar o bem é uma guerra
particular dele, tanto como sua alegria. O reconhecimento que espera são
as amizades que conquista, o sorriso de uma criança ou a paz profunda, a
sensação do dever cumprido. É claro que sofre decepções, tristezas
profundas, mas ninguém se lhes iguala em entusiasmo.
"Eu desisto, não existe
Essa manhã que eu perseguia
Um lugar que me dê trégua ou que sorria
E uma gente que não viva só pra si"
(Universo Do Teu Corpo)
'Vai, não espere venha a vida em suas mãos
Faz em fera a flor ferida e vai lutar
Pro amor voltar/
E o mundo inteiro vai ser teu"
(VIAGEM)
Por
apoiar-se em valores reais, a força do romântico é incomensurável. Por
ser sincero, faz amigos com facilidade; por ser amoroso, conquista o
amor do povo; por ser confiável, conquista a proteção dos poderosos.
Como o amor e a generosidade são o seu lema, pois ignora preconceitos, o
homem romântico vive em qualquer lugar como se fosse sua casa.
"Hoje a minha pele já
Já não tem cor
Vivo a minha vida
Seja onde for"
(O Sonho Não Acabou)
Fernando
Pessoa dizia que é preciso ser prático para ser gerente de uma fábrica
de tachinhas, mas é preciso ser romântico para criar um mundo.
Entendam
que quando falo "prático", não me refiro ao estereotipo fácil. Eu sei
que pensar dá trabalho, mas é preciso. É possível realizar-se utopias. O
romântico é um sonhador, não um deslumbrado. Não creio que Taiguara, o
romântico da vez, haja tido maiores problemas com suas contas.
Romântico é aquele que aceita suas visões, seus sentimentos. É
aquele que age por paixão, não a paixão que escraviza, mas a que
liberta. Não teme a loucura, pois sabe que quem quiser fazer-se de sábio
neste mundo, tem que fazer-se de louco. O homem romântico sofre de uma
curiosidade insaciável; quer saber de tudo, lê de tudo, acumula
sabedoria das mais variadas fontes. Uma vez perguntaram a Chopin, ao
vê-lo com uma pilha de livros sobre vários assuntos, se ele não tinha
medo de enlouquecer. A resposta ?
- "Bem, se eu não ficar louco, serei um gênio."
E a mulher, que
papel desempenha para o homem romântico? O fim último desta vida
terrena, sua conquista máxima. O refúgio da sua solidão, o seu consolo
no desencanto. Alguém que ele ama e protege como a sua Igreja; o amor é a
religião do romântico. Cavaleiro, homem algum pode tratar melhor uma
mulher; fraterno, ninguém pode ser melhor companhia. O próprio mundo
feminino justifica-se pelo homem romântico, que o honra e protege.
'"Nessa rede ela prendeu
Minha dor civil, minha solidão
Nessa rede eu vi nascer
Minha liberdade"
(Maria do Futuro)
"Vem que eu digo
Que estou morto
Pra esse triste mundo antigo
Que meu corpo, meu destino, meu abrigo
São teu corpo amante amigo em minhas mãos"
(Universo Do teu Corpo)
E
agora, enfim, diante da realidade, que é a de que a humanidade não é
exemplo de bondade para fera alguma, que o número de egoístas e
insensíveis é infinitamente maior e que, nos tempos que correm,
apequenam-se cada vez mais, vítimas da peste emocional a que William
Reich já alertara, como pode subsistir o homem romântico? Qual o segredo
da sua sobrevivência? Simples: a grandeza de sua própria alma.
O homem romântico vive no seu próprio mundo. Apenas passa por este,
deixando algumas flores do seu ideal maior, que seria a realização plena
de sua humanidade. Mas ele é muito roubado pelo caminho, em termos de
criação. Sofre uma solidão insuspeitada, pois tem olhos de águia. Vê e
presente coisas que passam despercebidas ao outros. De modo que ele
morre, quando não completamente desiludido, satisfeito por saber que a
morte pode ser uma nova utopia, uma nova aventura, ainda que a do
descanso eterno.
Certa vez, no programa Sem Censura, a apresentadora perguntou a
Taiguara porque ele havia deixado o país. Com um sorriso enigmático,
grandeza de menino, ele responde:
- "Não posso viver num país que não compartilha das minhas ideias.
E, ali, pude compreender o quanto um homem pode ser grande e, um país, pequeno.
Marcelino Rodriguez é sazonal do Blog Luiz Domingues 2. Escritor de vasta e consagrada obra, aqui nos apresenta uma crônica que tem o peso de um ensaio, refletindo na obra do compositor Taiguara, a dificuldade de ser romântico, sem correr o risco de ser mal interpretado.