domingo, 28 de maio de 2023

Entrevista: Lincoln Baraccat (artista multimídia, polivalente e super talentoso)

Lincoln Baraccat em destaque, com os guitarristas, Roy Carlini e Caio Durazzo a rodeá-lo. Uncle & Friends no estúdio V8 de São Paulo. 15/9/2019. Click: Vanderlei Bavaro

É com muito prazer que eu apresento aos meus leitores uma entrevista com um dos artistas mais plurais das últimas décadas, a se tratar de alguém que transita pelo mundo da música como um partícipe direto (por ser guitarrista, cantor e compositor), mas que acumula uma vida inteira de trabalho também como um ilustrador brilhante, arte-finalista, webdesigner e fotógrafo do mais alto nível. E por ser muito bom em todos esses ramos correlatos, também atua nos bastidores da música de uma outra forma, ou seja, a fornecer suporte no sentido de que empresta o seu talento para criar e finalizar arte para a confecção de capas de discos, livros, cartazes para divulgação, articular sessões de fotos promocionais, também por empreender uma incrível cobertura de fotos de shows ao vivo e preparação de sites & comunicação virtual para uma infinidade de artistas, colegas seus.

Lincoln Baraccat a atuar com músicos monstruosos do espectro do Rock e blues do Brasil! Na primeira foto, com seus grandes amigos, Luiz Carlini e Franklin Paolillo (na bateria), e na segunda com a fera do Blues, Marcos Ottaviano. Click 1: Bolívia & Cátia. Click  2: Kacau Leão  

Ele transita pela música de uma maneira geral, embora o seu coração bata mais forte pelo Rock e Blues clássicos, todavia, já prestou enorme serviço para outras vertentes artísticas, tais como a MPB e o Jazz, trabalhou no exterior e também tem destacada atuação no setor do jornalismo, por ter trabalhado por muitos anos na editora Abril e igualmente no universo da publicidade, ao criar arte visual para a propaganda de produtos e serviços, os mais diversos.

Em 2018, ao vivo com Uncle & Friends, eu (Luiz Domingues) e Lincoln Baraccat em ação. Click de Marcos Kishi

Eu, mesmo, Luiz Domingues, já tive o prazer de tocar ao vivo em sua banda, "Uncle & Friends", por muitas vezes desde 2018, já tendo participado até de vídeoclip com tal trabalho, e além disso, eu pude contar com o seu brilhantismo como fotógrafo, a assegurar a minha boa apresentação como escritor nas respectivas fotos de autor publicadas nas "orelhas" de quatro livros que lancei entre 2020 e 2023.

Em suma, Lincoln Baraccat é um artista com tantos atributos, que eu prefiro que ele mesmo nos conte sobre a sua trajetória, através da entrevista abaixo disponibilizada. Desfrutem, amigos leitores, pois  lhes apresento: Lincoln Baraccat, artista de múltiplo talento e sobretudo, a usar o coração em tudo o que faz. 

INÍCIO NA ARTE

1) Blog Luiz Domingues 2 - Eu deduzo que você tem esse talento incrível para a ilustração, o desenho e a pintura em geral, desde criança. Conte-nos então um pouco desse seu início na arte.

Lincoln Baraccat - Pelo que me lembro, através do meu tio Aymoré Cavalcante, que foi um daqueles desenhistas que mais se destacaram nos anos 1940, ilustrando para jornais, revistas e peças publicitárias. E foi por ele, na marra, que eu comecei a rabiscar com lápis todos os papéis que encontrava pela frente... inclua-se aí, paredes, portas de geladeiras e armários de cores claras.

Por que “na marra”?

Porque diante da minha vontade de seguir seus passos, de desenhar como ele, frases que eu costumava dizer sempre que o encontrava, aos 7 anos, mais ou menos, um dia ele nos visitou e me separando de todos – meus pais e meu irmão – me entregou um papel em branco, um lápis e mandou na lata, com voz de comandante: “deseja um cavalo”. Diante da minha resposta: “não sei desenhar cavalo, tio”, ele insistiu: “se vira, crie” e após minha segunda negativa, ele tirou o cinto, dobrou ao meio, deu uma pancada na mesa e repetiu: “desenha um cavalo”. Nunca mais me esqueci do som do cinto batendo na mesa... e desenhei um cavalo com características caninas. Ao apresentar o desenho, ele me disse: “tem muito pra aprender, mas como sendo a primeira encomenda, esse 'cãovalo' ficou mais ou menos”... e me deu uma moeda, como pagamento.

Veja abaixo algumas ilustrações de Lincoln Baraccat, a comprovar que depois do seu primeiro "cãovalo" desenhado na infância, a sua arte floresceu, talvez exatamente como o seu tio previu e usou da veemência estratégica para estimulá-lo subliminarmente:

INFLUÊNCIA

2) Blog Luiz Domingues 2 - Você teve o privilégio de ter sido criança na década de cinquenta e adolescente nos anos sessenta. Como o Rock (e a música em geral) o influenciou nessas duas décadas, tanto como ilustrador, quanto músico e compositor que também se tornou?

Lincoln Baraccat - Pelo que me lembro, como ilustrador, só comecei profissionalmente nos anos 1970. Antes disso, destaco apenas as notas 10 em trabalhos na matéria "artes", nas escolas por onde passei. 

Aproximadamente em 1975, em um domingo, caminhando pela Avenida Paulista, encontrei um amigo que me perguntou se eu gostaria de trabalhar na Editora Abril e conversando sobre, ele me contou que tinha uma vaga no Depto Cartográfico, para início imediato.

Mesmo sem saber exatamente o que seria a cartografia, pedi o endereço e no dia seguinte, me apresentei, sem portfólio e fui contratado para o tal período de experiência. Descobri que o emprego era para desenhar mapas e quase desisti. Mas como tinha curtido o ambiente e os colegas, aceitei e além dos mapas técnicos, comecei a desenhar os prédios e referenciais para aplicar como vinhetas, nos locais onde estavam fisicamente. Acredito que assim foi meu "debut" como ilustrador.  

Como músico e compositor, quando tinha uns 14/15 anos, ouvindo os discos dos meus pais, bateu uma vontade de tocar violão... pedi e me deram um Giannini maravilhoso, "sunburst" e com furos em curva. Quando o testei, descobri que não era aquilo que eu queria, porque não saia aquele som alto e com efeitos que eu ouvia nos discos e aí, pesquisando entre amigos, me falaram que para isso, ele teria que ser amplificado e sugeriram que eu comprasse um captador que ficava preso por pressão, na boca do instrumento.

Comprei, instalei e não mudou nada. Pesquisei novamente e me falaram que eu tinha que ligar na tomada. Peguei o cabo, cortei fora o plug, pedi pra minha irmã, com uns 5 anos na época, que tocasse na corda pra eu ver se saia o som que eu queria... e enfiei as 2 pontas na tomada. Quase matei a criança... o violão explodiu e eu desisti de tentar novamente.

Aí, 3 anos depois, me convidaram para cantar e tocar na banda "Maníacos" quando eu falei que não tinha instrumento e o dono da banda me disse: “eu tenho vários, isso não é um problema”... e então, totalmente autodidata, comecei a tocar "covers" com eles e fechamos um contrato de 1 ano pra tocar no Círculo Militar SP, aos sábados “Bubuca” e domingos “Domingueiras”.


Veja um clip ao vivo da banda de Lincoln Baraccat, "Uncle & Friends", a defender a sua canção: "Situação". A acompanhá-lo nessa ocasião, vemos as presenças de Carlinhos Machado (bateria), Caio Durazzo (guitarra), Roy Carlini (guitarra) e eu (Luiz Domingues), no baixo. 15 de março de 2020 no estúdio V8 de São Paulo

Eis o link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=0P3mzY4BrAE

A FOTOGRAFIA

3) Blog Luiz Domingues 2 - A fotografia como uma arte adicional e que o tornou famoso entre os Rockers brasileiros, entrou quando na sua vida, exatamente?

Lincoln Baraccat - Meu primeiro contato com uma câmera, foi aos 17 anos, quando ganhei uma Voigtländer 6X7 de fole, no Natal de 1965. Me apaixonei ao primeiro click.

Pouco tempo depois, trabalhando como ilustrador, fiz um "freela" para a Prefeitura (de São Paulo) e por esse trabalho, recebi um valor que dava pra comprar um carro... e comprei um Fusca zero e uma Nikon com 2 lentes 1.2.

E na Editora Abril, vendo as fotos que os fotógrafos contratados faziam de shows, resolvi que queria fazer aquilo e pedi ao meu Diretor pra fazer um teste sem compromisso... e ele autorizou. Assim, consegui uma lente profissional emprestada e fui – credenciado – registrar Alice Cooper.

Momento histórico para o Brasil, que ainda não fazia parte do circuito regular de turnês internacionais dos grandes astros do Rock, eis que Lincoln Baraccat clicou Alice Cooper a atuar em São Paulo, em março de 1974

Ainda sem entender como funcionava o credenciamento, achei um cantinho e dele, fiz toda a cobertura. No dia seguinte, apresentei o resultado ao Diretor e ele divulgou para as revistas da casa... e assim, começaram a me escalar para saídas fotográficas importantes.

Veja abaixo algumas outras poucas fotos, das milhares que ele fez em coberturas de shows nacionais e internacionais:

CAPAS DE DISCOS

4) Blog Luiz Domingues 2 - Você já era um artista das artes visuais consagrado e fotógrafo super requisitado pelo meio Rocker nacional, além de reconhecido como um músico e compositor, quando também foi convidado para criar capas de discos. Conte-nos qual foi a primeira exatamente que assinou, por favor.

Lincoln Baraccat - Muito difícil essa pergunta. Não me lembro qual foi a primeira, mas acredito que tenha sido a da banda “Tutti Frutti” em 1980. Na sequência, vieram as do “Shampoo” em 1982, “Patrulha do Espaço" em 1982, “Made in Brazil” em 1986, e todas as outras, onde criei as artes, os "letterings", os logos e as fotos.

Veja algumas capas criadas por Lincoln Baraccat, para muitos artistas do Rock brasileiro:



OUTRAS CAPAS

5) Blog Luiz Domingues 2 - E depois da primeira, acredito que os pedidos foram muitos vindos de outras bandas para que assinasse outros trabalhos.

Lincoln Baraccat - Realmente, foi uma época de muito trabalho, tanto para bandas que me procuravam, como para as gravadoras que queriam um trabalho com a minha assinatura. Uma situação que marcou, pela urgência e quantidade, foi quando a "PlayArte" me contratou para fazer 8 capas no mesmo pedido. Fiz as artes, as diagramações e os fechamentos gráficos em 3 dias.

Acredito que eram tempos de difíceis negociações com os detentores de imagens, porque as gravadoras me procuravam para ilustrar o que iriam nas capas e assim, algumas que fiz foram Vinicius de Morais, Beatles, Waldick Soriano, Deni & Dino, entre outras.

Veja abaixo alguns discos ilustrados por Lincoln Baraccat, com extrema rapidez, como ele nos contou na resposta acima:

CONCEITO

6) Blog Luiz Domingues 2 - Cite as demais capas que criou e aproveite para explicar o conceito de cada uma na sua concepção pessoal e também em relação ao que esses artistas, membros dessas bandas te pediram.

Lincoln Baraccat - Na verdade, raros foram os trabalhos onde me pediram alguma coisa ou que me "brifaram". A exceção fica com a banda Made in Brazil, onde o Oswaldo Vecchione me procurou e já veio com a ideia do que ele queria. Isso aconteceu com as 2 capas de vinil “Pirata 1 e Pirata 2” onde ele chegou no Estúdio com a modelo e anos depois, com a capa do CD “Rock de Verdade” onde ele trouxe toda a memorabilia, o bolo com as velas e a caixinha de fósforos para acendê-las.

Na primeira foto, a capa do disco "Rock de Verdade" do Made in Brazil e abaixo, a capa do álbum: "Chicken Alive'n Pickin" do guitarrista, Guto Vichi. Mais duas obras de Lincoln Baraccat

Mais recentemente, também o Guto Vichi me procurou dizendo o que estava pensando para o seu CD e nesse caso (essa passagem é ótima), armamos uma reunião em seu apartamento, onde ele mantinha seu estúdio. Como era apenas uma reunião para conversarmos, assim que ouvi o que ele queria, propus fazermos uma sessão para layout com meu celular de primeira geração.

A luz estava boa, o clima sensacional e assim, fiz 3 fotos com ele (2 com uma Teleca* e 1 com o dobro*) e algumas das guitarras Telecaster maravilhosas de sua coleção e nos despedimos, após eu combinar que mandaria uma proposta naquele mesmo dia... e assim foi. 

Enviei (não a proposta, mas a arte final) e não teve a sessão fotográfica que teríamos na semana seguinte. A capa saiu de uma foto de celular e sem a menor intenção de se tornar aprovada.

Sobre conceitos, nunca foram pensados ou estudados. Meu estilo sempre foi explosivo e eu costumo resolver enquanto estou na linha, conversando com o cliente. E felizmente, até hoje eu nunca me arrependi ou murmurei pensando: “eu poderia ter feito algo melhor”.


MUDANÇAS COM A TECNOLOGIA

7) Blog Luiz Domingues 2 - Você é um ilustrador clássico a usar o nanquim, lápis especiais etc. O que mudou na sua forma de trabalhar quando a tecnologia digital avançou, ainda no seu tempo como profissional da mídia e publicidade?

Lincoln Baraccat - Eu vejo que pouquíssimas coisas mudaram do meu trabalho analógico para o digital. A tecnologia trouxe mais rapidez e agilidade. Antes era tudo na mão, na prancheta, na raça.

Hoje, para criar uma capa de disco, assim como todos os profissionais da área, eu uso "templates" de formatação, linhas guia e cortes exatos. Antes, eu tinha que desenhar as marcas do formato do disco em um papel branco, depois imprimir as fotos do tamanho correto e colar no papel... desenhar e colorizar o logotipo a mão, escrever todos os textos, como arte final e como referência para o pessoal da gráfica montar. 

Hoje, abro o "template", jogo sobre ele a foto, o logo (cedido ou criado por mim), o título do álbum e todas as informações (letras, créditos) fornecidas e a chata lombada na vertical, com leitura de baixo para cima. Para mim, o que mudou foi a rapidez e a agilidade. Para os meus clientes, não mudou nada... eu continuo entregando os trabalhos contratados no dia seguinte (ou em 2 dias) da aprovação.

Veja abaixo, mais ilustrações feitas pelo Lincoln Baraccat:

LINGUAGEM

8) Blog Luiz Domingues 2 - Além das capas de discos, é notório o quanto colabora com muitas bandas e o faz com muita dedicação, aliás, ao elaborar cartazes, banners, filipetas/flyers e outras tantas peças de divulgação que os artistas precisam. Sobre a sua criatividade eu não tenho dúvida e sobre você ter consigo a linguagem Rocker perfeita para entender a demanda, também não.
Portanto, a minha pergunta é: o fato de ter sido ilustrador de revistas de alta circulação da imprensa mainstream e sobretudo, do campo da publicidade, também te ajudou a ser assertivo na hora de elaborar uma peça de divulgação para uma banda de Rock?

Lincoln Baraccat - Luiz, aqui eu vejo o gosto pessoal. Desde o começo da minha vida profissional, ainda sem nenhuma experiência ou referências, eu sempre fiz o que meu coração mostrava.

 

Algumas das centenas de ilustrações que o Lincoln Baraccat  publicou em diversas revistas do grupo Abril Cultural

As ilustrações do início para as revistas da Editora Abril, para outras editoras e depois, para as agências de publicidade, assim que encomendadas, no trajeto do escritório do cliente até meu estúdio, já estavam totalmente definidas em minha cabeça. Não teve aquelas de rosquear a lâmpada.

Lincoln Baraccat a emprestar o seu talento para a publicidade, igualmente

Já ilustrei assuntos tão diversos que não dava tempo para pesquisar em livros ou mais pra cá, nos Googles da vida. Assim, esse “assertivo” vem desde o cãovalo, contado na resposta 1, porém sem pressão.

Recentemente, fiz flyers para clientes divulgando coleiras para cachorros, inauguração de clínica médica, loja de camisetas... que na minha visão e crítica, fizeram tão assertivos quanto os flyers que fiz para bandas de Rock e bares onde os shows acontecem.

Veja abaixo, mais capas de discos criadas por Lincoln Baraccat:

CONTATO

10) Blog Luiz Domingues 2 - Por último, deixo o espaço aberto para que você divulgue o seu contato ao leitor que se interessar em contratá-lo como ilustrador, designer gráfico, fotógrafo, arte-finalista, webdesigner, enfim, em todas as áreas que domina com muita excelência.

Lincoln Baraccat:

Instagram:

@_lincolnbaraccat

Facebook:

https://www.facebook.com/lincoln.baraccat.1

* "Teleca" é uma espécie de apelido carinhoso que os músicos costumam usar para citar as guitarras Fender, modelo "Telacaster"

* "Dobro" é um violão com um componente de aço na sua boca de ressonância, criado para extrair um som metálico peculiar e que se mostra muito conveniente para o uso do recurso do "slide" ou 'bottleneck". Na verdade, a palavra "Dobro" foi registrada pela fábrica "Gibson", no entanto, tal termo ganhou tanta popularidade ao ser usado entre os músicos, que qualquer violão dessa característica passou a ser chamado como "'Dobro", mesmo que fabricado por outras indústrias concorrentes.