segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 11 - Por Luiz Domingues


Em relação às pessoas que citei no capítulo anterior, só fiquei conhecido praticamente, sem aprofundar-me na amizade com nenhum deles, em específico. No caso do Ney Haddad, tive notícias suas, anos depois, a dar conta que estava no interior, em Ribeirão Preto, a tocar em uma banda de bailes. Já no início dos anos noventa, soube que voltara à São Paulo e montou um estúdio.
Frequentei o estúdio Quorum, de sua propriedade (em sociedade com os irmãos Molina), onde gravei uma fita demo de um trabalho paralelo de um guitarrista, cuja história eu conto no capítulo adequado ("Projeto Rock'n Roll", leia essa história no capítulo dos "Trabalhos Avulsos").

Já no futuro, entre 1992 e 1994, encontramo-nos muitas vezes pelos bastidores de emissoras TV, Rádio, e shows, por ele ser baixista do Neanderthal, nessa ocasião, banda que estava presente também na coletânea em que o Pitbulls on Crack gravou no selo Eldorado. No caso do Catalau, ele quase tornou-se um integrante do Terra no Asfalto, em uma fase onde cogitou-se termos três guitarristas na formação, mas isso não deu certo, por não passar de algumas reuniões e ensaios acústicos, infrutíferos.
No início de 1983, ficamos mais próximos quando A Chave do Sol fechou um contrato no Victoria Pub, para dividir a noite, ou com o Tutti-Frutti, ou com o Fickle Pickle (a depender da noite), banda essa na qual ele era o vocalista nessa ocasião. Essa história conto com detalhes nos capítulos da Chave do Sol.

O outro rapaz amigo da banda, que era irmão de um dos componentes do grupo Uakti, eu nunca mais encontrei ou tive notícias sobre o seu paradeiro. Ele morava em um prédio de apartamentos também nas imediações, no bairro das Perdizes e tinha uma particularidade : quando ficava em estado alterado de percepção, digamos assim, ostentava uma gargalhada descomunal.
Muitas vezes provocou epidemia de risadas entre nós, nem tanto pelo motivo da graça em si, mas pelo efeito avassalador de sua gargalhada, que causaria inveja ao Coringa, inimigo do Batman...

Um outro rapaz, que cujo nome esqueci-me, mas apelidado como : "Catito", era completamente aéreo, e tinha aquele comportamento típico de Freak setentista.
Lembrava o personagem, "Lingote", do Chico Anysio, pois praticamente só comunicava-se através de monossílabos. Era fanático pelo John Lennon, e na sua Kombi (que muitas vezes transportou a banda para apresentações), só ouvia discos solos do Lennon, e enlouquecia ao cantar ao dirigir, quando berrava músicas como, "Isolation", uma canção forte do álbum do Lennon, de 1970, "Plastic Ono Band". Fora o Edmundo, que citei logo nos primeiros capítulos, e mais um ou outro não tão marcante que tivesse ficado na memória, creio que o núcleo básico de amigos da banda, nessa fase inicial, foi esse.

Continua...

Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 10 - Por Luiz Domingues


Dessa forma, Gereba e Mu, um simpatizou o outro. Era difícil não ficar amigo do Gereba, logo de início, pois ele era um sujeito muito simples, mas extremamente comunicativo, brincalhão. Não lembro-me em tê-lo visto mal humorado, nenhuma vez. Ele não era um Rocker, certamente. Sua cultura musical era estreita, pois mal sabia o nome de muitas bandas clássicas, quiçá as obscuras. Seu talento é que era enorme para tirar de ouvido coisas complexas, e reproduzir fielmente, nota por nota, sem entender nada de teoria musical, e nada de técnica de guitarra ou violão.
Já o Mu, mostrava-se o inverso. Conhecia o campo harmônico e escalas na ponta da língua, tinha excelente leitura de partitura, e dominava a história do Rock de cor e salteado. 

Aproveito para mencionar, que havia uma turma que gravitava em torno da banda. Eram amigos do Paulo Eugênio; Gereba e Wilson, principalmente.

Neste casarão, funcionava a pensão onde moravam Gereba e Wilson, e que serviu de QG do Terra no Asfalto nos primeiros tempos da banda, como ponto de encontro

O Paulo Eugênio morava na Rua Traipu, e Wilson e Gereba dividiam um quarto de pensão em rua estreita, chamada São Geraldo, travessa da Rua Turiaçú, ambos os endereços a fazer parte do bairro das Perdizes, zona oeste de São Paulo. E ali era o ponto de encontro dessa turma toda. A pensão em que moravam, chamava-se São Geraldo (apelidada por eles mesmo como "Sãope"), e os outros moradores espantavam-se com a movimentação de cabeludos a carregar instrumentos para lá e para cá.
Lembro-me que o baixista, Ney Haddad, era um desses amigos.Ele era um adolescente nessa época e alguns anos depois, abriria o estúdio Quorum, no mesmo bairro das Perdizes, além de que tornar-se-ia o baixista da banda, Neanderthal, com quem tanto o Pitbulls on Crack (minha banda nessa ocasião futura), dividiria espaço em bastidores de shows e TV, nos anos noventa.
Outro rapaz que chamava-se Sérgio, era irmão de um dos músicos da banda experimental, Uakti, que dava seus primeiros passos naquela época. Ele chegou a contar-me que seu irmão idolatrava o Gentle Giant, na década de setenta, e tocava bateria.
Outro que conheci bem no início de 1980, era um tipo muito magro e elétrico, que respondia pelo apelido de "Catalau". Morava em uma rua próxima (Rua Ministro Godoy), e mesmo por ser muito jovem, informaram-me que tinha sido parceiro de composições do Casa das Máquinas, nos anos setenta. 

A namorada do Mu, tocava flauta. Chegamos a cogitar ter sua participação como convidada, a planejar tocarmos canções do Moody Blues; Jethro Tull, Focus etc. Chamava-se Virginia, e acabara de voltar de Londres, quando contou-nos uma novidade : tinha visto um show do King Crimson... eu e Cido Trindade ficamos pasmos, pois nem sabíamos que o velho Rei Escarlate havia voltado à cena.
E empolgada, disse-nos que o baixista, um sujeito careca, usava um instrumento exótico que tinha som de baixo, mas não era baixo (o tal do "Stick"). Bill Brufford não usava uma bateria convencional, mas um conglomerado de instrumentos de percussão exóticos e os rapazes tocavam trajados com terno & gravata, fora o fato de  usar cabelos bem curtos, ao estilo dos "nerds", componentes da banda Techno alemã, Kraftwerk... cáspite, os anos oitenta estavam a chegar... socorro !

Continua...

Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 14 - Por Luiz Domingues



Mas apesar do clima amistoso, eu só fui visitá-los nesse único ensaio, na casa dos irmãos Lucas, na Vila Olímpia, por uma questão de falta de oportunidade somente, depois que deixei a banda.

E lembro-me em ter falado com o Pituco Freitas ao telefone, certa vez, quando ele contou-me que estavam por começar a gravar o primeiro LP, no estúdio do Tico Terpins, ex-baixista do Joelho de Porco. Fiquei muito feliz por saber disso, pois como convivi bastante com o Laert, desde 1976, sabia muito bem o quanto o Joelho de Porco influenciara-o, e Tico Terpins era um artista que ele admirava muito nos anos setenta, exatamente pela veia debochada que tinha em cena, e a questão do humor sempre foi importante para o jovem, Laert Julio, mesmo antes dele tornar-se "Sarrumor".
Nesse telefonema, o Pituco estava eufórico, e contou-me vários detalhes da gravação. Havia músicas novas, mas o grosso do material fora o que eu costumava tocar, quando fui membro da banda, forjado naqueles anos iniciais, entre 1979 e 1981. Claro, fica a ressalva de que eu quase não participei em 1981, e só marco a data pelo fato de ter feito uma última apresentação como membro da banda, em janeiro desse ano. 



Continua...

Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 13 - Por Luiz Domingues

Mas esses sinais de que o Língua estava a ascender, só foram tomar grande proporção mesmo, no ano de 1982, quando a ditadura militar começou a afrouxar, e permitiu a primeira eleição para governadores, após muitos anos sob nomeações de governadores biônicos, verdadeiros fantoches dos militares. Com isso, o Língua que estava forte no circuito de shows universitários, teve o seu grande impulso, quando tocou em inúmeros comícios do PT, por apoiar o sindicalista, Luis Ignácio "Lula" da Silva, para o governo do estado de São Paulo. Chegaram a tocar para públicos gigantescos e aliado a isso, haviam enturmado-se com o pessoal daquela cena conhecida como : "Vanguarda Paulista". Estavam contratados pelo selo Lira Paulistana, e daí lançaram o primeiro LP, que foi um estouro de crítica e vendas. Lógico que eu senti muito orgulho por ver meus amigos a subir como um rojão, e foi natural que eu sentisse, também, que deveria estar junto, mas por outro lado, em 1982, minha animação era tão grande com a formação da "A Chave do Sol", que isso amortizava em muito esse sentimento, não de arrependimento, mas de uma certa frustração por não estar mais na banda.


Lembro-me em ter ido a um ensaio na casa dos irmãos Luiz e João Lucas, para assistir um ensaio deles, em 1982. Curiosamente, eles moravam na Rua Gomes de Carvalho, na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo e digo curioso, porque morei anos em uma rua paralela próxima (na Rua Quatá, entre o final de 1967, e início de 1971), e estudei a vida toda, praticamente, no colégio estadual do bairro, onde nessa mesma rua, Gomes de Carvalho, conheci o Laert, seis anos antes (1976), época do início de nossa primeira banda, o Boca do Céu...

Nesse ensaio do Língua em que compareci como convidado, Pituco Freitas; Lizoel Costa; Guca Domenico e Laert Sarrumor, membros do "meu tempo" (o Fernando Marconi, percussionista, também), contaram-me animadamente muitas novidades ótimas sobre a banda. Fiquei muito contente com as novas. Foram muito animadoras, mesmo.


E cheguei a tocar um pouco, ao usar o baixo do Luiz Lucas, um exótico, Gibson Les Paul. Luiz e João, os irmãos, haviam tocado muitos anos a acompanhar o Ronnie Von e tinham muitas histórias para contar, dessa experiência.
Continua...

domingo, 30 de dezembro de 2012

Autobiografia na Música - Trabalhos Avulsos (Zuraio) - Capítulo 20 - Por Luiz Domingues


Ainda a repercutir sobre as histórias engraçadas de bastidores dessa micro-temporada que realizei com esse horista sui generis, durante um desfile de moda : outro dia, o Lizoel, que adorava provocá-lo, fez-lhe uma pergunta : - "Zuraio, e se alguém chama-lhe de "bicha", na rua, você reage" ? O Zuraio ficou exaltado e respondeu : - "Eu brigo, porque não sou bicha, eu sou veado"...
Mas a pior aconteceu uma vez, quando ele chegou com semblante de choro, e o Lizoel perguntou-lhe o que significava aquilo, ao que o Zuraio, respondeu -lhe: 
- "Estou muito triste hoje, pois descobri que não posso ter um filho"... o Lizoel, apesar de conhecer as suas palhaçadas, desta vez caiu na armadilha do gay fanfarrão, pois o Zuraio completou : 
- "Eu não tenho útero"...

Foram seis apresentações, nos dias 20; 26; 27; 28; 29 e 30 de maio de 1980. A primeira apresentação que era a estreia do desfile, foi muito concorrida, com cerca de quatrocentas pessoas presentes, equipes de TV, muitos fotógrafos etc. Mas nos dias posteriores, o movimento caiu bastante, com públicos a oscilar entre cinquenta a oitenta pessoas por dia. No último dia, eu e Lizoel tivemos que fazer um esforço muito grande, pois no mesmo dia, iríamos tocar com o Língua de Trapo em uma eliminatória de um Festival de MPB na cidade de Bauru, interior de São Paulo.

Saímos rapidamente do show do Zuraio para a rodoviária, e entramos no ônibus para Bauru, a enfrentar cinco horas de viagem.
Essa história da apresentação nesse festival, já está devidamente contada no capítulo sobre o Língua de Trapo. E foi assim essa aventura maluca em acompanhar o ator / humorista / cantor e transformista, Zuraio.

Algumas considerações finais são cabíveis no encerramento deste capítulo :

1) Claro que fora constrangedor sob diversos aspectos. Nada contra o trabalho do Zuraio. Até acho que ele era criativo e versátil como humorista. Mas aquele humor ultrajante dele, era para lá de deslocado naquele ambiente esnobe.

2) Outro fator de constrangimento, foi pela questão musical forjada pela absoluta displicência, sem ensaios etc.

3) O fato daquele ambiente ser bastante antagônico aos três músicos, naturalmente, também é digno de nota. O baterista, Jeribal, era evangélico, e muito simples; Lizoel com aspecto de beatnick, e eu, hippie de Woodstock...

4) O cachet pago foi com um valor bom para os padrões da época. Algo entre 120,00 ou 150,00 cruzeiros, por show, não recordo-me claramente.

5) A convivência com o Zuraio foi tranquila. Ele era um sujeito muito simples, sem estrelismo algum, e a sua homossexualidade não incomodou-nos. E como era comediante, sempre proporcionava-nos risadas com suas palhaçadas ultrajantes.

6) Nunca mais toquei com ele, e o Lizoel também ficou só mais um pouco a acompanhá-lo em boites, que eu saiba. Nessa época o Lizoel também estava fixo na formação do Língua de Trapo em seus primórdios e tinha outros trabalhos musicais, em paralelo. Em um deles, culminou em convidar-me, igualmente, como contarei logo mais, neste capítulo dos trabalhos avulsos.

7) Tocar no fosso foi bem esquisito, mas também providencial, pois deixou-nos mais preservados dos climas constrangedores com as senhoras esnobes ali presentes, a constranger-se com as imitações escrachadas, e principalmente sobre as piadas sujas, certamente sob baixo nível e deslocadas, da parte do Zuraio.



Continua...

Autobiografia na Música - Trabalhos Avulsos (Zuraio) - Capítulo 19 - Por Luiz Domingues

E o Zuraio não parava de falar, mas naturalmente a usar sua imitação da voz das cantoras, e emendar às vezes, vozes masculinas, por exemplo, a do Chacrinha a anunciar a "próxima atração". E devo admitir, ele não deixava o seu número entrar no vácuo, nem enquanto vestia-se, pois não parava, como se estivesse sob uma incorporação mediúnica.
Mesmo sendo uma apresentação grotesca para o tipo de evento em que estávamos, e mais aproximada do humor popularesco, ele realmente imitava bem as cantoras, devo admitir, a mudar bastante a sua voz, e assim trazer registros vocais semelhantes aos delas, o que tornava a sua performance engraçada. 

Nos bastidores, víamos as modelos, garotas realmente muito bonitas. E várias pessoas famosas a circular, e aproveitar o cocktail.
Fomos instruídos a ficarmos expostos o menos possível, para não causar constrangimentos ao convidados. Mesmo porque os homens usavam Black Tie, e as mulheres, jovens ou não, estavam trajadas como para uma festa.
Lembro-me em verificar, ali a circular os atores, John Herbert; Mário Benvenutti e Nicolle Puzzi; a jornalista Marília Gabriela, e o empresário da noite, e dono da boite, "Gallery", José Victor Oliva.
 

No convívio fora do seu espetáculo, o Zuraio mostrava-se engraçado, igualmente. Na verdade, ele era um humorista em potencial, e por conta desse potencial, anos depois, eu o vi a participar do elenco de programas humorísticos da TV, como, "A Praça é Nossa", e correlatos desse gênero de humor popularesco. Uma vez nesses bastidores do atelier de modas em que estávamos a realizar seu show, contou-nos que nos anos setenta, fazia shows de transformismo no Rio de Janeiro (ele era mineiro, mas morou muito tempo no Rio), e que ele e outros travestis saíam da boite, e iam para o Maracanã, direto, sem tirar maquiagem e perucas, para assistir os jogos do Flamengo...
  Continua...

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 36 - Por Luiz Domingues

Defenderíamos a música "Diva", nessa primeira eliminatória. Era uma canção meio taciturna do Laert, e a sair um pouco de suas características normais dentro do humor, tinha uma letra introspectiva. Ele a havia composto ao piano, certamente inspirado no Milton Nascimento, e a letra era no estilo da MPB mais introspectiva, cerebral. Eis os primeiros versos de "Diva" :


"Diva, eu divaguei


Pela imensidão do tão pouco,


Pelo incomensurável... nada"...



O Laert Sarrumor a cantou a tocar um piano, “Fender Rhodes 88”, lindíssimo, e seu sonho pessoal de consumo. Mas havia dois aspectos a ser considerados :

1) Ele era iniciante ao piano, não tinha grande desenvoltura, e...

2) Apesar de sonhar em ter um piano elétrico, Fender Rhodes, ele nunca havia tocado em um instrumento desses. Quem é tecladista, sabe que a tensão das teclas de um piano elétrico é muito mais sutil que a de um piano acústico, tradicional. Então, ele estranhou demais na passagem de som, e sabia que estaria em apuros na hora de tocar para valer, e ainda com a incumbência em cantar e interpretar o melhor possível.

Quantos aos demais, o arranjo para cada um, foi simples. O Osvaldo Vicino estava seguro a realizar a base harmônica, Wilton Rentero faria contrasolos e desenhos para ornamentar a canção e eu e Fran Sérpico, faríamos uma condução de baixo e bateria bem simples, sem voos, mesmo por quê, não sabíamos voar naquela época. Entretanto, a hostilidade foi imensa por parte do público. Podia subir os Beatles ali, e seriam maltratados, igualmente, pois essa fora a determinação daquela horda de vândalos, como torcida uniformizada de futebol. Entramos no palco, e sob vaias e insultos, voaram diversos objetos inusitados. 




Uma moeda com valor de CR$ 0,50 (para quem lembra-se dessas moedas de centavos de cruzeiros, dos anos setenta, há de recordar-se que eram enormes e pesadas), bateu na lente direita dos óculos do Laert e rachou-a. A depender de onde batesse, poderia gerar um hematoma com certa gravidade, pois tinha a massa de uma pedra, e com a deslocação aérea, ficara ainda mais pesada, no impacto. O Laert assustou-se, é claro, mas fingiu naturalidade. Ao tirar os óculos para examinar o estrago, vi adolescentes a rir da situação, logo nas primeiras filas. Que babacas...



Ele estranhou muito o piano. De fato, ele martelava as teclas com a força típica de quem toca piano tradicional, mas no piano elétrico, a tensão das teclas é muito mais leve. Piano elétrico precisa ser tocado com menos força, e isso faz muita diferença na execução. Soma-se isso ao fato de que não era um grande pianista, e claro, estava nervoso, como todos nós, pela grandeza do evento em contraste com a sua / nossa, inexperiência naquele momento. Claro que a violência atrapalhou. Se fosse um público respeitoso, teria amenizado bastante a nossa performance. Mas se é que existiu um lado bom (e eu acho que sim), foi nesse tipo de situação que crescemos, como sob um batismo de fogo. Sim, a complementar o raciocínio anterior, claro que isso contribuiu para o crescimento da banda, enquanto unidade. Certamente isso colaborou para amenizar a tensão em relação à segunda apresentação, uma semana depois.


De volta ao fato em si, o Wilton Rentero passou a ironizar os adolescentes hostis do público, ao deixá-los, possessos. Uma chuva de aviõezinhos de papel cobriu-o, que a rir, continuou a tocar...

Manuscrito com a caligrafia do Laert, a conter a letra, e uma exótica marcação de acordes numerados (que não é uma cifra, naturalmente), da canção "Diva" 

Continua...

sábado, 29 de dezembro de 2012

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 35 - Por Luiz Domingues

E se o leitor prestar bem atenção nos relatos de coisas paralelas à minha banda, verificará que o ano de 1977, foi recheado por eventos muito significativos, com shows, e efervescência cultural a estourar em outros ramos artísticos, apesar dos ventos do baixo astral que já sopravam na Inglaterra.


Capa do programa do Festival VI Fico, onde o Boca do Céu concorreu em duas eliminatórias, nos dias 7 e 14 de outubro de 1977 

No caso do FICO, tratava-se de um festival particular de um colégio chamado, Objetivo, mas tinha grande estrutura. As eliminatórias foram realizadas no salão de festas do Palmeiras, com cinco mil adolescentes ensandecidos na plateia; palco com P.A. e luz profissional; e artistas mainstream para fazer os shows, a cada eliminatória etc. Vou esmiuçar a seguir a nossa experiência em tal festival...

Para a nossa alegria total, classificamos duas músicas no Festival FICO. Tocaríamos "Diva" e "O Mundo de Hoje". Havíamos enviado outras músicas, incluso "Revirada", nossa maior aposta, e certamente a mais forte do nosso repertório, mas sabe-se lá por quê, as classificadas foram as que citei acima. O FICO, era um Festival colegial, mas muito badalado, por ter infraestrutura forte; com patrocínios; equipamento de nível profissional; eliminatórias realizadas no salão de festas do Palmeiras; com a grande final no ginásio do Ibirapuera; a presença da orquestra do maestro, Záccaro para acompanhar quem assim o desejasse; e artistas mainstream a fazer os shows de entretenimento, a cada noite.




Fomos tocar com aquele calafrio típico para principiantes, na primeira eliminatória, dia 7 de outubro de 1977. Lembro-me em chegarmos por volta das quinze horas, no Ginásio do Palmeiras, para o soundcheck, e ficarmos deslumbrados com o tamanho do palco; o equipamento, e o tamanho do salão, onde muitos shows de Rock e MPB aconteceram anteriormente, fora os tradicionais bailes de carnaval do clube. Passado o som com toda a rapidez peculiar com a qual os técnicos lidam com artistas desconhecidos, fomos esperar nossa vez de tocar. Foram horas a perambular pelas áreas permitidas dentro do Parque Antárctica, e quando abriram os portões para o público, deu aquela ansiedade, ao vermos aquela massa a entrar e rapidamente abarrotar o salão. Seguramente, havia cinco mil pessoas presentes. Era um público formado por alunos, com cem por cento de adolescentes dispostos a bagunçar a todo custo. Sabíamos que ao tocar bem ou mal, seríamos hostilizados só por conta do bullying natural que representava aquela experiência infanto-juvenil. Antes, assistimos o soundcheck dos artistas que apresentar-se-iam após os concorrentes. 



Naquela primeira noite, seriam "Os Originais do Samba" e com sua formação clássica, com Mussum, o trapalhão, na formação dos sambistas. Então, quando o festival começou, ficamos naquela expectativa para chegar a nossa vez. E os concorrentes anteriores já haviam sido bem hostilizados...

Continua.....

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 9 - Por Luiz Domingues

Foi pelo fato do Mu ter um temperamento altivo, que esperávamos possíveis atritos dele, com o Gereba. É muito raro um guitarrista entender-se bem com outro, em uma banda com duas guitarras, na formação. É preciso dividir muito bem os espaços na hora de elaborar arranjos, pois um choque de egos é inevitável.

E geralmente bandas com dois guitarristas só vão bem, se ambos são amigos, e sabem controlar seus respectivos instintos. O Paulo Eugênio conhecia bem a personalidade dos dois. Convivera com o Fernando Mu em uma banda cover, no ano de 1978, e conhecia o Gereba, desde a adolescência.
Com o Gereba não haveria problemas, pois ele era bonachão, sempre a brincar, mas o Mu tinha aquela pose de estrela. Porém, para a surpresa geral, eles entenderam-se muito bem. A sorte foi que o Gereba o cativou pela sua humildade. Como mostrou-se disposto a colocar-se como o segundo guitarrista, o Mu apreciou essa postura.

E além do mais, o Mu ficou muito fascinado pela técnica instintiva do Gereba, principalmente no estilo brasileiro. Como o Mu não tinha muito esse traquejo com a MPB, quis absorver essa influência, e o Gereba aprendeu muita coisa sobre o Rock internacional, que era a especialidade do Mu, além da teoria, a estabelecer-se assim, um intercâmbio sadio entre os dois. E de fato, logo o Mu receberia uma proposta profissional irrecusável, e precisava ter essa bagagem brasileira mais na ponta da língua. Falarei sobre isso na cronologia dos fatos.
Continua...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 8 - Por Luiz Domingues

A maldade está solta por aí, infelizmente. Bem, histórias trágicas desse nível com o Terra no Asfalto, só lembro-me de uma, mas ocorreu bem depois, na segunda fase da banda, mais ou menos em fevereiro de 1981, e da qual, contarei na sua devida cronologia. E quanto ao Fernando "Mu", esse assalto e agressão foi um telegrama do que acontecer-lhe-ia alguns anos depois, tragicamente. Soube que mais ou menos em 1997, ele morrera assassinado, em uma mesa de bar. O motivo teria sido um acerto de contas por conta de dívida com traficantes.

Mas de volta à cronologia, preciso contar que o Mu tocava violino também. Ele fazia os solos do Jerry Goodman e do Jean Luc Ponty (nas respectivas épocas de ambos na Mahavishnu Orchestra), com perfeição, além de diversas demonstrações de virtuosismo dentro do estilo da Country Music norteamericana. Estava nos planos usar esse expediente, e de fato, assim que Gereba e Wilsinho incorporaram-se novamente à banda, chegamos a tocar a canção, "Hurricane", do Bob Dylan, com o Fernando Mu a pilotar o violino.
A próxima apresentação ocorreu no dia 20 de janeiro de 1980, no mesmo Bar Opção.


A Rua 13 de Maio no Bairro do Bixiga, no início dos anos oitenta, época em que era extremamente agitada, com muitas casas noturnas a apresentar bandas ao vivo, sob vários estilos, simultaneamente.

Desta vez, conseguimos arregimentar a presença de cinquenta pessoas, quase o dobro da primeira apresentação. Isso foi uma proeza, primeiro pelo fato da banda ainda nem ter um nome próprio definido, e segundo pela localização do bar, no boêmio bairro do Bexiga, mas longe do foco do seu grande movimento, que acontecia na Rua 13 de maio. Aí, o primeiro voo maior ocorreu, quando fomos tocar enfim em uma casa mais sofisticada. Ocorreu em um bar na Alameda Lorena, bairro Cerqueira César, na região da Av. Paulista, e chamado : Le Café.
A partir desse show no Bar Opção (ocorrido no dia 24 de janeiro de 1980, e com ´pessoas pessoas presentes), o Gereba havia voltado do Nordeste, e o Wilson reingressou na banda, agora a tocar violão, e contribuir com os backing vocals. Com os três a empreender côro sob harmonia vocal e três cordas a harmonizar, além do baixo, o som cresceu demais. Passamos a tocar mais Beatles, com vocalizações bonitas dos três (Paulo Eugênio; Fernando "Mu" & Wilson).
O Mu passou a dar muitas informações para o Wilson, que cresceu muito como músico, a melhorar bastante. Ele era extremamente dedicado e sonhava em tocar bem. Uma particularidade dele, dava-se pelo fato de que seu pai fora o alfaiate do Pelé, em Santos, nas décadas de 1960 e 1970. O Wilson, que era santista de nascimento, e torcedor do Santos F.C., passou a infância a estabelecer esse contato com o "Rei" do futebol, e vários outros jogadores do Santos FC. 

Esperávamos um clima hostil do Fernando "Mu" em relação ao Gereba, mas pelo contrário, eles entenderam-se tão bem, que isso surpreendeu-nos. Mas hoje eu enxergo tal fenômeno com precisão : O Mu, na verdade, respeitou o talento nato e bruto do Gereba. Ele, Gereba, não sabia nada sobre teoria musical, mas seu ouvido era extraordinário. E o Mu, ao contrário, que era um músico com sólida formação teórica, percebeu isso. Além do mais, o Mu ficou fascinado com a escola brasileira do Gereba, via Pepeu Gomes, principalmente e quis absorver tal técnica.
Continua...