domingo, 30 de dezembro de 2012

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 36 - Por Luiz Domingues

Defenderíamos a música "Diva", nessa primeira eliminatória. Era uma canção meio taciturna do Laert, e a sair um pouco de suas características normais dentro do humor, tinha uma letra introspectiva. Ele a havia composto ao piano, certamente inspirado no Milton Nascimento, e a letra era no estilo da MPB mais introspectiva, cerebral. Eis os primeiros versos de "Diva" :


"Diva, eu divaguei


Pela imensidão do tão pouco,


Pelo incomensurável... nada"...



O Laert Sarrumor a cantou a tocar um piano, “Fender Rhodes 88”, lindíssimo, e seu sonho pessoal de consumo. Mas havia dois aspectos a ser considerados :

1) Ele era iniciante ao piano, não tinha grande desenvoltura, e...

2) Apesar de sonhar em ter um piano elétrico, Fender Rhodes, ele nunca havia tocado em um instrumento desses. Quem é tecladista, sabe que a tensão das teclas de um piano elétrico é muito mais sutil que a de um piano acústico, tradicional. Então, ele estranhou demais na passagem de som, e sabia que estaria em apuros na hora de tocar para valer, e ainda com a incumbência em cantar e interpretar o melhor possível.

Quantos aos demais, o arranjo para cada um, foi simples. O Osvaldo Vicino estava seguro a realizar a base harmônica, Wilton Rentero faria contrasolos e desenhos para ornamentar a canção e eu e Fran Sérpico, faríamos uma condução de baixo e bateria bem simples, sem voos, mesmo por quê, não sabíamos voar naquela época. Entretanto, a hostilidade foi imensa por parte do público. Podia subir os Beatles ali, e seriam maltratados, igualmente, pois essa fora a determinação daquela horda de vândalos, como torcida uniformizada de futebol. Entramos no palco, e sob vaias e insultos, voaram diversos objetos inusitados. 




Uma moeda com valor de CR$ 0,50 (para quem lembra-se dessas moedas de centavos de cruzeiros, dos anos setenta, há de recordar-se que eram enormes e pesadas), bateu na lente direita dos óculos do Laert e rachou-a. A depender de onde batesse, poderia gerar um hematoma com certa gravidade, pois tinha a massa de uma pedra, e com a deslocação aérea, ficara ainda mais pesada, no impacto. O Laert assustou-se, é claro, mas fingiu naturalidade. Ao tirar os óculos para examinar o estrago, vi adolescentes a rir da situação, logo nas primeiras filas. Que babacas...



Ele estranhou muito o piano. De fato, ele martelava as teclas com a força típica de quem toca piano tradicional, mas no piano elétrico, a tensão das teclas é muito mais leve. Piano elétrico precisa ser tocado com menos força, e isso faz muita diferença na execução. Soma-se isso ao fato de que não era um grande pianista, e claro, estava nervoso, como todos nós, pela grandeza do evento em contraste com a sua / nossa, inexperiência naquele momento. Claro que a violência atrapalhou. Se fosse um público respeitoso, teria amenizado bastante a nossa performance. Mas se é que existiu um lado bom (e eu acho que sim), foi nesse tipo de situação que crescemos, como sob um batismo de fogo. Sim, a complementar o raciocínio anterior, claro que isso contribuiu para o crescimento da banda, enquanto unidade. Certamente isso colaborou para amenizar a tensão em relação à segunda apresentação, uma semana depois.


De volta ao fato em si, o Wilton Rentero passou a ironizar os adolescentes hostis do público, ao deixá-los, possessos. Uma chuva de aviõezinhos de papel cobriu-o, que a rir, continuou a tocar...

Manuscrito com a caligrafia do Laert, a conter a letra, e uma exótica marcação de acordes numerados (que não é uma cifra, naturalmente), da canção "Diva" 

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário