A um anjo, tudo é permitido conhecer.
Quando é um anjo nosso e de mais ninguém, é permitido que ele conheça e saiba de tudo, mesmo porque, mesmo que a gente não fale nada, a gente sabe que ele sabe, pois que é um anjo.
E como anjo que é, às vezes voa pra longe, me faz procurar por ele até cansar, e eu procuro pelas colinas, através dos mares e suas ondas, atrás das árvores onde gosta de se esconder, e às vezes me faz procurar no tempo, mas por fim... volta.
Eu não ligo, ele estava só conhecendo outras terras, mas nunca deixa ou deixou de ser meu, o meu anjo.
E de travesso que é, às vezes volta cansado de tanto brincar de esconder e, sem uma palavra, porque também sabe que eu sei de tudo (ou quase tudo), plácido, deita em meu colo, se aninha em meu peito... e adormece.
O
meu anjo é, de todas as famílias que existem de anjos, o mais risonho e
alegre, mas confesso, feliz da vida, que também é o mais zureta e lerdo
de todos os anjos e isso é tão belo como a mais bela relva que desce,
cascateando pela montanha das terras altas, de mim.
E lá ninguém vai, ninguém tem acesso, só ele.
Quando sou planta e a chuva me escorre ao toque do vento bom e a seiva passeia por meus caules, generosa e sem pudor, só a ele é permitido partilhar o frescor dessa chuva que me escorre, farta e feliz.
Quando criança, brinco às gargalhadas com um mundo de sonho, a ele (de quem nada e nada se pode esconder), de alguma forma... de alguma forma não, de todas as formas, falo com as mãos, sorrisos e gestos o quanto estou e sou feliz, a ele falo, ao meu anjo.
Ao meu anjo, só meu e de
mais ninguém, posso contar as maravilhas que se escondem nas canções que
me rondam (sim, porque foi ele quem me ensinou a cantá-las), posso
falar do limo verde abundante e macio que me habita porque ele é um anjo
e a ele, tudo é possível conhecer.
Quando me escondo do mundo e não quero brincar, meu anjo percebe e, menino, me pega no colo e me afaga os cabelos, cantando em saturnês, que é uma linguagem que só a gente entende, porque ele é o meu anjo e de mais ninguém.
Ninguém
sabe mas ele sempre foi, é e será só meu, porque juntos aprendemos a
rir, a cantar e, acima e além de tudo, aprendemos a amar. Mas isso
também ninguém sabe, só ele e eu.
Ah, e ele tem uma coisa que quase nenhum anjo tem (mas isso é segredo): ele toma a si a forma que quiser.
Às
vezes, quando é muito, mas muito feliz, é louro como um campo de trigo a
perder de vista, mas quando está longe seu cabelo escurece. Os olhos
escurecem também mas não na cor e eu me pego a matutar o por quê, pois
como não sou anjo, não sei de tudo, como ele.
Ele tem cheiro, cor, som. Cheiro de flor que não foi colhida ou colhida pela metade, cor de dias que não foram vividos e o som de palavras que foram voando, como ele, pelo vento... o som da saudade que eu gritei tantas vezes enquanto ele se escondia de mim e eu, boba, quase acreditei que era verdade o seu esconder.
Meu anjo às vezes pensa que me
feriu... bobo que é. Como um anjo pode ferir alguém?
Os anjos não machucam, eles tão somente são levados pelo vento forte que varre os céus e do qual eles não tem controle porque são só anjos, pequenos, meninos. Anjo não fere e não machuca, mas ele (bobo que é), não acredita quando eu falo.
Teimoso que só ele...
A um anjo, tudo é permitido conhecer.
E o meu anjo me sabe, mesmo quando não está por perto ele sabe, pressente.
E quando toma a si a forma de arco-íris então... aí sim, ele me leva com ele porque é um Arco-Íris bendito, que só um anjo de verdade é capaz de ser: um Arco-Íris que ama como só um anjo sabe amar e que nos leva, irremediavelmente, aos confins do Infinito.
Tereza Abranches é colunista fixa do Blog Luiz Domingues 2. Artesã, poetisa e escritora, realiza estudos no campo da literatura, esoterismo e espiritualidade.
Nesta sua primeira colaboração, faz um exercício lúdico sobre a relação do ser humano, com a sua conexão extrafísica.