quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Meu Anjo - Por Tereza Abranches





A um anjo, tudo é permitido conhecer.

Quando é um anjo nosso e de mais ninguém, é permitido que ele conheça e saiba de tudo, mesmo porque, mesmo que a gente não fale nada, a gente sabe que ele sabe, pois que é um anjo.

E como anjo que é, às vezes voa pra longe, me faz procurar por ele até cansar, e eu procuro pelas colinas, através dos mares e suas ondas, atrás das árvores onde gosta de se esconder, e às vezes me faz procurar no tempo, mas por fim... volta.
Eu não ligo, ele estava só conhecendo outras terras, mas nunca deixa ou deixou de ser meu, o meu anjo.

E de travesso que é, às vezes volta cansado de tanto brincar de esconder e, sem uma palavra, porque também sabe que eu sei de tudo (ou quase tudo), plácido, deita em meu colo, se aninha em meu peito... e adormece.
O meu anjo é, de todas as famílias que existem de anjos, o mais risonho e alegre, mas confesso, feliz da vida, que também é o mais zureta e lerdo de todos os anjos e isso é tão belo como a mais bela relva que desce, cascateando pela montanha das terras altas, de mim.

E lá ninguém vai, ninguém tem acesso, só ele.

Quando sou planta e a chuva me escorre ao toque do vento bom e a seiva passeia por meus caules, generosa e sem pudor, só a ele é permitido partilhar o frescor dessa chuva que me escorre, farta e feliz.

Quando criança, brinco às gargalhadas com um mundo de sonho, a ele (de quem nada e nada se pode esconder), de alguma forma... de alguma forma não, de todas as formas, falo com as mãos, sorrisos e gestos o quanto estou e sou feliz, a ele falo, ao meu anjo.
Ao meu anjo, só meu e de mais ninguém, posso contar as maravilhas que se escondem nas canções que me rondam (sim, porque foi ele quem me ensinou a cantá-las), posso falar do limo verde abundante e macio que me habita porque ele é um anjo e a ele, tudo é possível conhecer.

Quando me escondo do mundo e não quero brincar, meu anjo percebe e, menino, me pega no colo e me afaga os cabelos, cantando em saturnês, que é uma linguagem que só a gente entende, porque ele é o meu anjo e de mais ninguém.
Ninguém sabe mas ele sempre foi, é e será só meu, porque juntos aprendemos a rir, a cantar e, acima e além de tudo, aprendemos a amar. Mas isso também ninguém sabe, só ele e eu.

Ah, e ele tem uma coisa que quase nenhum anjo tem (mas isso é segredo): ele toma a si a forma que quiser.
Às vezes, quando é muito, mas muito feliz, é louro como um campo de trigo a perder de vista, mas quando está longe seu cabelo escurece. Os olhos escurecem também mas não na cor e eu me pego a matutar o por quê, pois como não sou anjo, não sei de tudo, como ele.

Ele tem cheiro, cor, som. Cheiro de flor que não foi colhida ou colhida pela metade, cor de dias que não foram vividos e o som de palavras que foram voando, como ele, pelo vento... o som da saudade que eu gritei tantas vezes enquanto ele se escondia de mim e eu, boba, quase acreditei que era verdade o seu esconder.
Meu anjo às vezes pensa que me feriu... bobo que é. Como um anjo pode ferir alguém? 

Os anjos não machucam, eles tão somente são levados pelo vento forte que varre os céus e do qual eles não tem controle porque são só anjos, pequenos, meninos. Anjo não fere e não machuca, mas ele (bobo que é), não acredita quando eu falo.

Teimoso que só ele...

A um anjo, tudo é permitido conhecer.
E o meu anjo me sabe, mesmo quando não está por perto ele sabe, pressente.

E quando toma a si a forma de arco-íris então... aí sim, ele me leva com ele porque é um Arco-Íris bendito, que só um anjo de verdade é capaz de ser: um Arco-Íris que ama como só um anjo sabe amar e que nos leva, irremediavelmente, aos confins do Infinito.





Tereza Abranches é colunista fixa do Blog Luiz Domingues 2. Artesã, poetisa e escritora, realiza estudos no campo da literatura, esoterismo e espiritualidade.

Nesta sua primeira colaboração, faz um exercício lúdico sobre a relação do ser humano, com a sua conexão extrafísica.

sábado, 23 de novembro de 2013

A Falta - Por Marcelino Rodriguez

Tive uma sensação estranha essa manhã, ao acordar; tive um feeling, se me permitem usar essa palavra inglesa para definir o sentimento que me tomou. 

A sensação de que estava me faltando alguém. Ora, sou solteiro a muitos anos, desde que nasci. E minhas namoradas nunca permaneceram mais que quatro dias na minha cama. De modo que acordar sozinho é o meu cotidiano. A alma já era para estar mais que acostumada.
Essa manhã, porém, foi diferente. Não houve nem conformismo nem consolo pela clara falta que havia, acrescentada da sensação de vazio mais impotência. 

E veio a melancolia da banda que faltava. Eu poderia até chorar um pouco de saudade pela falta real de alguém que eu sentia, claramente. Descobri, perplexo, que eu sou eu mais alguém que falta. Isso é tão comovedoramente romântico quanto trágico.
 

Quem é ela? Quem é a outra que não acordou comigo hoje? A outra que é minha ?  
Existe alguém no meu coração, na minha vida, na minha alma. Mas não dormimos, infelizmente (minha boca enche de água e deve haver uma atmosfera soturna ao meu redor quando lembro disso, uma espécie de sombra pela falta desse pequeno e fatal detalhe amoroso).
 

Seria dela a estranha saudade de hoje? Uma saudade única e comprometedora? De quem dei por falta hoje, ao acordar? De um anjo que não me velou? Um amor de outra vida ?
Não era apenas um sentimento de solidão. Era como se alguma parte de mim, outra pessoa (não alguma compensação psicológica) estivesse me faltando e me enfraquecendo, como se faltasse-me um membro com a falta dela. Era como um absurdo eu estar acordando só.
 

Esse acontecimento soa-me sobre a vida deveras revelador, tanto como sou mais que penso como de perplexidade de saber que outra vida, que não sei por onde vai, vai levando a minha junto. Só resta saber porque deixa-me, a tantos e tantos anos, acordar impiedosamente só. E por que só hoje dei-me conta dessa saudade infinita ?  
Talvez desde o Éden essa parte de mim esteja apartada. Mas só hoje, verdadeiramente, dei-me conta da sua real e tangível existência.
 

Pode ser que aquela que hoje me toma o coração tenha alguma participação nesse mistério, pois fora dela não há nem o sonho de outra Eva, nem a esperança de outro paraíso.
Alguns que se pensam realistas dirão que tive um surto e tentarão até explicar o fato perceptivo com alguma definição psiquiátrica. Outros me acusarão de sonhador, rótulo nem sempre cabível a mim, xerife da selva. Terceiro nem saberão do acontecido, por falta de cultura ou interesse.
 

Mas a realidade que já torna-se prolixa de tão certa é que dei por falta do meu amor, um amor que é mistério e certeza, ainda que temporariamente apartado de mim pelo ilusório tempo e o não menos ilusório espaço, um amor que me faz reconhecer a minha incompletude e faz saber que hora haverá em que as misteriosas leis do universo trazer-lo-á de volta a mim, árvore e fruto dessa fatalidade divina.
Essa crônica foi extraída do livro "A Ilha".



Marcelino Rodriguez é colunista esporádico do Blog Luiz Domingues 2. Escritor de vasta e consagrada obra, aqui faz uma reflexão sobre o tema da "solidão".


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Kim Kehl & Os Kurandeiros - dia 23/11/2013 - Sábado - 21:00 h. - Santa Sede Rock Bar - São Paulo - SP

Kim Kehl & Os Kurandeiros

Dia 23 de novembro de 2013

Sábado - 21:00 h.

Santa Sede Rock Bar

Avenida Luiz Dumont Villares, 2104

Santana - Estação Parada Inglesa do Metrô

São Paulo - SP

KK & K :

Kim Kehl - Guitarra e Voz
Carlinhos Machado - Bateria e Voz
Luiz Domingues - Baixo

Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 47 - Por Luiz Domingues


Seguiu-se mais um show no Bar Casablanca, em 24 de abril de 1981, e depois disso (25 de abril de 1981), fomos tocar em uma nova casa para nós, chamada, "Taverna Boêmia", no coração da Rua 13 de Maio, no tradicional bairro do Bixiga, de São Paulo. Esse bar tinha uma característica engraçada. O fato, foi que o palco estava colocado sob um mezanino altíssimo, e assim, na parte de baixo, era quase obrigatório ficar com o pescoço muito levantado para ver a banda, e a depender do ponto onde a pessoa estivesse, simplesmente não conseguiria enxergar o baterista da banda. E outro fator bizarro : não havia proteção alguma para os músicos, e o perigo era evidente, diante daquele precipício.
A única margem de segurança fora um arame esticado na extensão do comprimento do palco, e que segundo o dono, servia como uma lembrança "psicológica" tão somente, pois em um eventual acidente, não conteria uma pessoa de forma alguma. Apesar de tocarmos com cuidado, na realidade, éramos seis músicos ali em cima munidos de nossos enormes amplificadores Palmer; bateria, e um piano elétrico Würlitzer, a quase três metros de altura do solo... 

Isso ocorreu no dia 25 de abril de 1981, e esse esforço em colocar e tirar todo o equipamento dessa altura, foi compensado com uma bilheteria boa, oriunda de trezentos e cinquenta pagantes, nessa noite. E no dia seguinte (26 de abril de 1981), tivemos mais uma boa apresentação no "Roda D'água", do bairro do Brooklin, apesar do pequeno público com apenas quinze pessoas presentes, sob um domingo nublado, e já com o frio de outono a intensificar o seu ímpeto.

Continua... 
 

Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 46 - Por Luiz Domingues


Nessa época, abril de 1981, passamos por uma fase com mais ensaios, para acrescentarmos novas músicas ao repertório. E a oportunidade surgiu quando o nosso baterista, Cido Trindade, disponibilizou-nos a sua casa, localizada no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo, para ensaiarmos inicialmente, às terças e quartas, no período vespertino. Com tempo para trabalhar, melhoramos e aumentamos o repertório, para torná-lo enorme, ao ponto de termos músicas extra para qualquer eventualidade. E um fato bizarro ocorreu nessa época durante os ensaios...
Em um certo dia, percebemos que um rapaz passava de um lado e outro da calçada, a olhar-nos com atenção a tocar na sala da casa, improvisada como estúdio. Como ensaiávamos com as janelas abertas e despreocupados com qualquer tentativa para coibir o ruído, já que os vizinhos suportavam-no sem reclamar, deixávamos tudo aberto para ventilar bem. Um dia, após várias vezes em que o flagramos a observar-nos, eis que o referido rapaz criou coragem e tocou a campainha a fim de abordar-nos. Não recordo-me de seu nome, mas sei que ele apresentou-se ao dizer-nos ser um compositor e por observar-nos por dias, animou-se a abordar-nos, e assim, pedir-nos que o ajudássemos a gravar duas músicas de sua autoria, pois visava inscrevê-las em um festival de MPB.

Infelizmente, as canções do rapaz eram muito fracas, com harmonia e melodias pobres, letras com forte teor brega / romântico. Bem, aceitamos ajudá-lo, e aí o Sérgio Henriques e o Aru Júnior elaboraram um arranjo praticamente Prog-Rock nas músicas do rapaz ! Claro que o sujeito não entendeu nada, mas o fato é que gravamos as duas canções, com belos arranjos para ambas, que quase mascarou a sua condição simplória. E de fato, com duas guitarras; baixo; bateria e teclados, eis que ficaram quase irreconhecíveis. E foi além essa história, pois em determinada apresentação nossa (infelizmente, não lembro-me em qual, especificamente), ele apareceu e nós tocamos as suas duas canções ao vivo. Nunca mais tive notícias dele, apesar de supostamente ele ter alegado morar perto da minha residência e também do Cido Trindade, na ocasião. Nem ao menos sei se as músicas por nós gravadas, foram classificadas em tal festival.

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Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 45 - Por Luiz Domingues


Seguiu-se mais uma apresentação no Casablanca, com a média normal em torno de duzentas pessoas presentes. E logo a seguir, uma nova casa apareceu-nos, chamada : "Roda D'água". Foi em um domingo tal apresentação, com cachet fechado, pois tratou-se de uma festa particular.

A casa tinha uma decoração rústica, porém muito charmosa, ao lembrar uma residência de fazenda. O que remetera ao Rock ali, foi um poster gigante dos Beatles, do tamanho da parede inteira, com a foto do Fab Four, com os quatro sentados em cadeiras de cabeleireiros, ao ser penteados por quatro garotas. A namorada do Aru Júnior à época, revelou-nos uma história engraçada ocorrida com ela própria, nos bastidores de um show da cantora, Zizi Possi, na noite anterior, enquanto arrumávamos o equipamento no palco, ocorrida na mesma noite em que tocáramos no Casablanca, lembro-me bem dessa particularidade. Foi uma apresentação boa, com o dono do estabelecimento a sinalizar que contratar-nos-ia em outras ocasiões. E cerca de cento e cinquenta pessoas estiveram presentes na referida festa, e dançaram e cantaram ao som do Terra no Asfalto. Ainda com Sérgio Henriques na banda, tocamos no Casablanca novamente, no dia 24 de abril, mas desta feita, com um reduzido público em torno de apenas vinte pessoas. Foi em uma quinta feira, um dia mais difícil para atrair público, talvez tenha sido essa a explicação para tal baixa frequência...

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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 44 - Por Luiz Domingues

Fizemos uma apresentação digna, correta, apesar das sete testemunhas ali presentes. E acredite, caro leitor, essas sete pessoas não estavam nem um pouco interessadas em nossa performance. A seguir, no dia 26 de março de 1981, tocamos novamente no bar Bang-Bang. Desta vez com vinte pessoas dentro da casa. Um público diminuto, todavia mais animado que os desinteressados do Deixa Falar. E no dia seguinte, outra incursão ao Deixa Falar, desta feita com vinte pessoas, o que foi até bom por considerar-se ser um dia útil. Ocorreu no dia 27 de março de 1981, com boa performance, novamente. No dia seguinte, uma oportunidade muito melhor : após um longo hiato, fomos convidados a tocar no Casablanca, um bar que era bem concorrido na época, e onde o Terra no Asfalto havia tocado um ano antes, com a formação que contava com o guitarrista Fernando "Mu". Aliás, casa onde vivemos uma história bizarra a envolver policiais e que já relatei, capítulos atrás. Foi uma apresentação perfeita, com a casa abarrotada ! Em minhas anotações, está marcado como um público exato na marca de trezentas e sete pagantes. E dali em diante, a banda ganharia uma fase com estabilidade, muito boa. Logo no início de abril, tornamo-nos um sexteto novamente, com o tecladista, Sérgio Henriques a voltar a atuar no Terra no Asfalto, ao aproveitar-se do hiato entre a turnê da Rita Lee que terminara, e os ensaios da nova turnê da Elis Regina, que iria iniciar-se, ambas com a sua presença.
Com esse reforço, a banda ficou ainda mais rica. Passamos a incorporar novas músicas, para explorar-se a possibilidade do teclado. Músicas dos Beatles com teclados; Stevie Wonder, mais temas na estética do Rock Progressivo, com Yes e outros artistas dessa seara etc. E o primeiro show dessa nova fase com a volta de Sérgio Henriques, foi no dia 2 de abril de 1981, no Bang-Bang, mas infelizmente, com um pequeno público presente, a registrar-se com apenas nove pessoas. No dia seguinte, uma nova apresentação no Deixa Falar, com somente cinco testemunhas presentes. Mas a essa altura, encarávamos o Deixa Falar como uma oportunidade para um ensaio aberto. A semana foi salva no entanto com uma apresentação no Casablanca, onde duzentos pagantes compareceram.
          Filipeta de um show posterior ao que mencionei acima

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Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 43 - Por Luiz Domingues


Confesso que era um sonho que eu cultivara, tocar naquele lugar, pois entre 1975 e 1976, eu passava na sua porta quase diariamente, por ser próximo, relativamente, da escola onde eu estudava, e delirava ao ver os cartazes a anunciar as atrações da semana ! Som Nosso de Cada Dia; Joelho de Porco; Veludo; Alceu Valença; Sindicato; Made in Brazil, e tantos outros que ali apresentaram-se.
Não vou esticar muito a descrição sobre como estava o agora, Café Teatro Deixa Falar, nesse momento de 1981, pois já fiz tal descrição com bastante detalhamento nos capítulos iniciais d'A Chave do Sol, pois o berço dessa banda foi essa casa, e graças à sua proprietária, Dona Sabine, virtual sogra do guitarrista, Rubens Gióia. Por ora, digo que fizemos esse teste para um público de a contar exatamente com apenas sete pessoas. 


Fora um domingo, é bem verdade. Mas o fato é que, muito diferente das glórias do passado do Be Bop A Lula, o Deixa Falar não passava de um arremedo, nesse outro momento de sua existência. A despeito da decoração muito louca (leia nos capítulos d'A Chave do Sol), não detinha um público habitue; o aspecto era decadente, pouco asseado e os serviços a envolver comidas & bebidas deixavam a desejar. O palco ainda era bom, pois mantinha a estrutura de teatro, e havia ainda vários spots de iluminação a funcionar, no entanto, a casa não tinha mais um P.A. Portanto, cada banda tinha que levar absolutamente tudo. Tínhamos sorte por possuirmos um equipamento, mas transportar e montar tudo para tocar para apenas sete pessoas...

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Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 42 - Por Luiz Domingues

 

A vida continuou... depois desse deslize ético. Se por um lado falhamos feio, na parte pratica da música, a banda obviamente cresceu com a presença de Cido Trindade, por este ser bem mais técnico que o Edson "Kiko". E devo relatar que o Terra no Asfalto entrou aí, em sua fase mais firme, com sucesso, remuneração, e só não teve uma continuidade ainda maior, por um fator extraordinário ocorrido no meio do ano, que destruiu o embalo da banda, infelizmente. De volto a focar na cronologia, tocamos nos dias 14 (oitenta pessoas presentes); 20 (cinquenta); 26 (sessenta) e 6 de março de 1981 (quarenta), no 790 Bar.

Na apresentação do dia 26 de fevereiro, o tecladista, Sérgio Henriques apareceu e tocou, a aproveitar uma folga da turnê da Rita Lee, em que atuava na sua banda de apoio. Fizemos um teste para uma nova casa, chamada : Bang-Bang, perante um público com apenas vinte pessoas presentes no recinto, no dia 11 de março de 1981.

Usamos o equipamento da banda que tocava naquela noite, chamada, "Flashback", formada por músicos veteranos" (ora veja só... o que eu sou hoje em dia ?), e com um repertório bem versado pelo Soft e Pop Rock das décadas de 1960 & 1970. Assistir a apresentação deles era como ligar uma velha jukebox, pelo seu repertório. Tocavam bem, mas pecavam pelo excesso de docilidade. Todavia, a intenção foi essa mesma, sem espaço para sons mais pesados. Tivemos outra volta ao "790", em 13 de março de 1981, desta feita com duzentas pessoas, e um público bem animado. Então fomos novamente ao Bang-Bang, desta vez como atração contratada. Sessenta e três pagantes assistiram-nos na noite de 19 de março de 1981. Esse Bang-Bang ficava na Alameda Lorena, no bairro de Cerqueira César (perto da Avenida Paulista), no quarteirão entre o Barbarô, e o Victoria Pub. Continha uma decoração de saloon de velho oeste, interessante, mas o palco era minúsculo. Tivemos que fazer uma ginástica para tocar lá. E no dia 22 de março de 1981, fizemos um teste no Café Teatro Deixa Falar. Esse lugar era emblemático por ter sido na década de setenta, o saudoso : "Be Bop A Lula", uma casa de shows concorrida, e que abrigou shows dos maiores nomes do Rock Brasileiro naquela década, e que tinha um glamour muito grande.
Em tempo : esta filipeta acima é de outra data, posterior, à que mencionei no último parágrafo.

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Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 41 - Por Luiz Domingues



Claro, não estou afirmar isso, mas, digamos que eles pensaram mais friamente no melhor para a banda, sem deixar-se levar pelo sentimentalismo daquela situação. Não lembro-me ao certo a data onde tivemos que conversar com o Edson Kiko, mas esse dia chegou, e na reunião fatídica, realizada em sua residência, a incumbência maldita estourou em minhas mãos, lamentavelmente. 

Sob um clima constrangedor, fui eu o designado a falar, e assim, senti-me terrivelmente mal por encará-lo e dizer-lhe que chegáramos à conclusão de que o melhor para a banda seria manter o substituto, Cido Trindade, no posto, a despeito dele, Kiko, ter recuperado-se. Aquele silêncio constrangedor enquanto eu falava a gaguejar, foi horrível. O Kiko ficou bravo. Teve toda a razão por sentir-se traído; humilhado; desprestigiado, etc. Além do fato de que mesmo não por não ser um simpatizante dos nossos ideais na música, teve toda a força de vontade para adequar-se à banda e ao repertório, emprestara a sua casa para ensaios, ajudou-nos financeiramente na aquisição de equipamento, em uma compra recente, e acidentara-se, lamentavelmente. Alguns minutos depois, menos exaltado, ele disse-nos que tudo bem, sobreviveria e desejava-nos boa sorte, ao ponderar que realmente não era um Rocker, e que pretendia tocar outro material que gostava, na MPB e música instrumental, música étnica etc. 
E o pior, foi quando ao dirigir-se especificamente à minha pessoa, afirmou estar muito desapontado comigo. Aquilo cortou-me o coração, pois justamente eu, fui o que mais relutei com essa atitude, justamente por ter considerado essa situação como uma questão antiética e abominável. Mas aos olhos dele, fui diretamente culpado pois ele deve ter considerado que pelo fato de eu ter tomado a palavra, fora o mentor da ideia. Conclusão : assumo a minha parcela de culpa nessa história, pela falta de empenho em ter brigado mais pela causa do Kiko, quando surgiu esse movimento interno na banda. 

Essa foi uma mácula que criei na minha carreira, e humano que sou, estou sujeito a erros, como todo mundo. Pedi desculpas a ele naquele momento, mas foi algo praticamente imperdoável, convenhamos. Três ou quatro anos depois, eu estava já com A Chave do Sol a conquistar uma certa proeminência na mídia, e soube de uma notícia dele. Edson "Kiko" estava a tocar em um projeto ligado à música étnica, algo relacionado com música africana. Acho que foi mesmo a sua predileção, por apreciar a dita, World Music. Espero que esteja bem, e se souber deste relato meu, aproveito e registro mais uma vez, o meu sincero pedido de desculpa.



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terça-feira, 19 de novembro de 2013

Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 140 - Por Luiz Domingues

Lizoel Costa
Lizoel Costa mostrava-se o mais engajado na música, quando o conhecemos no segundo semestre de 1979. Enquanto os demais eram estudantes de jornalismo a envolver-se com a música, ele já colocava-se como um músico profissional que estudava jornalismo. Através dele, tive oportunidades para ganhar dinheiro como músico, quando este impulsionou-me por diversos trabalhos avulsos que realizei, através de suas indicações. Tais histórias bizarras que vivemos juntos nesses trabalhos, estão relatadas nos capítulos dos "Trabalhos Avulsos".

O Lizoel era uma figura muito agradável no convívio, e certamente entre todos os membros, o que mais ligara-se em questões estratégicas de construção de carreira. Enquanto os demais divagavam a sonhar com o sucesso, mas sem planificação objetiva alguma, ele enxergava na frente, sempre a pensar na estratégia, em aproveitar as oportunidades, contatos etc.


Nessa época em que o conheci, décadas antes da Internet tornar-se aberta e popular, ele costumava carregava em sua bolsa, um caderno com centenas de nomes e números de telefones de músicos. Tratava-se de um cadastro que organizara, e de onde vivia a indicar instrumentistas e cantores para diversos trabalhos. Sempre procuravam-lhe a perguntar : -"Lizoel, preciso de um guitarrista para tocar tal estilo de música"...; -"preciso de um saxofonista para tocar Jazz"; "preciso de uma cantora de MPB"...

Ele parecia uma agência de empregos ambulante... e assim, ajudou muita gente a colocar-se no mercado e garantir o pão nosso de cada dia. Quando voltei à banda em 1983, a sua veia natural para a logística e construção de carreira, estava ainda mais aguçada. Tivemos muitas conversas nesse sentido, e certamente que aprendi muito com ele. Depois que o Língua de Trapo deu uma parada, por volta de 1988, ele engatilhou um trabalho com o ex-Secos & Molhados, Gerson Conrad, na verdade, ambos formaram uma banda : "Banda Nacional", mas que não teve longa carreira, infelizmente. Na volta do Língua de Trapo, no início dos anos noventa, ele já não fazia parte da nova formação, e estava de volta à sua cidade natal, Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde por muitos anos foi um radialista com sucesso. Inclusive, falei com ele em 2006, ao visar divulgar o CD de estreia do Pedra, recém lançado na ocasião. Com minha entrada na vida virtual em 2010, reativamos o contato através da extinta Rede Social Orkut, de onde soube que havia mudado-se para Brasília e trabalhava na ocasião, como assessor de imprensa do Conselho Federal de Odontologia.

Infelizmente, tivemos uma péssima notícia sobre o Lizoel Costa, em 2014. É com muito pesar, que anuncio que ele faleceu no dia 7 de maio desse ano, em sua cidade natal, Campo Grande / MS, aos 58 anos de idade, vítima de uma aneurisma cerebral. Fico com as lembranças boas do tempo em que trabalhamos juntos no Língua de Trapo, além de alguns trabalhos paralelos em que ele mesmo encaixou-me, dentro daquela prerrogativa citada anteriormente, a exaltar a sua capacidade para abrir portas para diversos músicos poder trabalhar e ganhar dinheiro. 

Em 9 de maio de 2014, o programa, "Rádio Matraca", realizou um programa especial em sua homenagem, que está disponível em arquivo permanente na Internet, através do Link abaixo, no site da emissora USP FM / 93.7 de São Paulo. 

http://www.radio.usp.br/programa.php?id=20

Abaixo, o Link da Folha de São Paulo, a anunciar o seu falecimento :

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/05/1451596-morre-aos-58-anos-o-musico-lizoel-costa-da-banda-lingua-de-trapo.shtml

Abaixo, o Link da Revista Rolling Stone a noticiar também o falecimento do Lizoel Costa :

http://rollingstone.uol.com.br/noticia/morre-lizoel-costa-da-banda-lingua-de-trapo/

Vá em paz, velho amigo e muito obrigado por tudo, "Bitcho" !

Pituco Freitas

Antonio "Pituco" Freitas, era um rapaz com potencial vocal espetacular, quando o conheci em 1979. Mas no início, mostrava-se sério, compenetrado. Assim foi a apresentar-se nos primeiros tempos difíceis da banda, até que um fato inusitado do destino mudou a sua perspectiva artística. Graças ao nervosismo em enfrentar cinco mil pessoas em meio a um festival universitário de MPB, realizado na cidade de Bauru / SP, em 1980, transformou-se completamente, e dali em diante, explodiu como um frontman com enorme desenvoltura cênica, praticamente a tornar-se um ator performático em cena.

Como pessoa, um colega excepcional; amigo; prestativo e solidário. Por meio indireto, foi o responsável por eu ter conhecido o baterista, José Luiz Dinola (por conta de seu irmão, o guitarrista, Pitico Freitas), com o qual fundei e atuei com A Chave do Sol.
Pituco  Freitas vive no Japão há muitos anos, onde sedimentou uma carreira como cantor / violonista e compositor, quando voltou às suas raízes como um intérprete "sério", para deixar o humor de lado, mas a encantar os nipônicos com a sua Bossa Nova muito bem tocada e cantada. 

Laert Sarrumor

Laert "Sarrumor", claro, sempre foi o centro irradiador, o grande dínamo da energia criativa da banda, e assim, o tem sido até hoje, e sempre será. Agradeço-o por ter levado-me ao "Grupo de Poesia e Arte Faculdade Cásper Líbero", quando inseriu-me em um novo núcleo, de onde eu supostamente não fazia parte , inicialmente. De certa forma, graças a tal gesto de amizade de sua parte, garantiu que a semente do Boca do Céu germinasse, para dar início a uma nova cria, que só um ano mais tarde, tornar-se-ia assim, o Língua de Trapo. 

Como já disse, fomos encontrando-nos posteriormente nesses anos todos, após a minha saída do Língua de Trapo, em 1984, em muitas circunstâncias. Por divulgar outros trabalhos meus, com outras bandas em que fui componente, no seu programa de Rádio (Rádio Matraca / USP FM); encontros fortuitos em lugares inusitados (encontros de rua, como até em uma papelaria, certa vez); bastidores de shows; e pelo fato dele ter afeiçoado-se ao Pedra e ter assistido muitos shows dessa banda, da qual eu fui componente, de 2004 a 2011 e 2012 a 2015. Estive em festas de aniversário dele, e mantemos um ótimo contato permanente, pelas Redes Sociais da Internet.

Quando encerrei o texto bruto da minha autobiografia referente ao Boca do Céu, aqui no meu Blog 2, mandei-lhe imediatamente o Link para que ele lesse tudo. Vivo a instigar-lhe para que escreva a sua autobiografia também. Ele, que já escreveu livros com muito sucesso (foi best-seller absoluto por várias semanas, inclusive), e tem o traquejo, faria / fará, um trabalho magnífico. Todavia, em conversa reservada, disse-me que ainda reluta em dar início. De minha parte, tem o meu apoio total, e nas partes onde nossas respectivas trajetórias cruzam-se, eu adorarei ter o ponto de vista dele sobre o Boca do Céu e o Língua de Trapo, bandas onde atuamos juntos. E revelo um dado que considero pertinente, e sei que isso não o aborreceria : na época do Boca do Céu, ele mantinha o hábito em escrever um diário. Portanto, munido dessas anotações, ele tem tudo para escrever tal história com muito maior riqueza de detalhes do que eu fiz, pois as minhas anotações de apoio resumiram-se a datas de shows; locais e respectivo público presente, além de formação da banda e uma ou outra ocorrência especial.

Bem, é isso...  falei sobre todos os músicos que foram componentes nas duas passagens em que eu estive na banda; os membros honorários que muito contribuíram para o sucesso dela, e de todos os que estiveram mais diretamente ligados à sua produção. Agradeço a cada um, pela oportunidade em ter feito parte dessa história. Último capítulo dessa importante etapa de minha trajetória musical. A encerrar, peço desculpas pelas saídas que tive de efetuar, e pelas mágoas e transtornos decorrentes desses dois atos desagradáveis que cometi contra a instituição, Língua de Trapo. Sinto orgulho por ter feito parte dessa história. 

A banda está em atividade até os dias atuais (no ano de 2016, quando encerrei o texto bruto da autobiografia, o Língua de Trapo estava prestes a participar da premiação do Grammy Latino, nomeado em várias categorias pelo seu último e ótimo álbum, lançado nesse ano, denominado : "O Último CD da Terra"). Espero que assim prossiga por muitos anos, para arrancar as gargalhadas sinceras do público, e também para fazê-lo pensar, pois o humor do Língua de Trapo não é o popularesco, mas sim o de poder reflexivo. Quando o Língua de Trapo provoca risadas nas pessoas, elas riem de si mesmas, refletidas no espelho, ao ver que a sociedade e o poder político e econômico, são meramente reflexos da nossa própria mentalidade. Riem, mas pensam a seguir. 

Meu muito obrigado a todos que estiveram comigo nessas duas etapas de minha carreira. Meu muito obrigado ao Laert "Sarrumor" Julio Pedro Jesus Falci, um artista genial que conheci em um dia em 1976, e que graças ao seu talento e perseverança, deu-me a mão, e puxou-me a sair de um sonho impossível para a realidade da música e da arte. Vida longa ao Língua de Trapo !

Daqui em diante, a minha autobiografia na música segue com os capítulos dos "Trabalhos Avulsos", que realizei, fora das bandas oficiais onde atuei.