quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Crônicas da Autobiografia - Não Bastava "Entender" de Música - Por Luiz Domingues

Aconteceu em 1990, quando eu estava sem atuar em uma banda autoral, mas a realizar diversos trabalhos avulsos

Ainda em 1989, eu já havia escutado muitos boatos a respeito da criação de uma filial da MTV no Brasil. O grupo Abril Cultural tentara obter a sua concessão de TV nos anos oitenta, mas não passara de uma experimento tal ação, quando montara uma programação de sua responsabilidade mediante um espaço alugado da TV Gazeta de São Paulo, para iniciar os seus trabalhos, enquanto a permissão para ter o seu canal próprio, não saia nos gabinetes de Brasília. Mas isso nunca ocorreu e logo a dita, "TV Abril", deixou o espaço da TV Gazeta. 

Mas isso não significou que desistira da ideia, pois ao final dos anos oitenta, não como TV Abril, mas a dar vazão a outro nicho de atuação, eis que a mesma empresa abriu a franquia brasileira da MTV, a famosa "Music Television", um canal exclusivamente dedicado à música, e com o foco na música Pop em geral, com abertura para diversas vertentes do Rock. 

A novidade gerou alvoroço no meio, principalmente no patamar abaixo, o dito underground da música profissional, onde eu habitava e sei bem que o sentimento que eu e todos os colegas que militávamos nesse subterrâneo da música, nutrimos em termos de esperanças para que um canal exclusivo para a difusão musical, no sentido de que este novo canal poderia não estar comprometido com os interesses escusos que regiam as resoluções tomadas pelos canais abertos e o seu odiável "apartheid" em relação aos artistas independentes, o nosso caso. 

E logo surgiu a nova de que o canal ocuparia como instalação física para os seus estúdios e maquinário para prover o seu aparato técnico, o antigo prédio da extinta Rede Tupi de Televisão, na Avenida Alfonso Bovero, localizado no charmoso bairro do Sumaré, na zona oeste de São Paulo.

Incrível, aquele prédio detinha história, por ter sido o primeiro canal de TV do Brasil a produzir tantos programas, jornalismo e inúmeras novelas que ali foram produzidas a partir de 1950, portanto, um resgate desses, após quarenta anos, haveria de fornecer sorte ao jovem canal musical. 

Já em 1990, por volta de fevereiro ou março, eu recebi o telefonema de um amigo de longa data, que havia tomado conhecimento de que uma seleção houvera sido anunciada pela produção da Abril Cultural a fim de recrutar pessoal para trabalhar na emissora que estava a ser formatada. 

Haveriam vagas para todo o pessoal técnico, redação e claro, os apresentadores do canal, que seriam chamados como: "VJ's", para cooptar a ideia antiga a cerca dos "DJ's", das emissoras de rádio. 

O meu amigo ficara eufórico, pois recebera a informação de que privilegiariam pessoas que tivessem bom conhecimento do mundo da música, não sendo necessário ser jornalista ou ter curso universitário de rádio & TV, para pleitear uma vaga. 

Então, ele exortou-me a ir com ele nessa seleção, que fora marcada para ocorrer em uma famosa casa de espetáculos situada na zona oeste de São Paulo (Aeroanta, localizada no Largo da Batata, no bairro de Pinheiros), em um dia de semana no período da tarde. 

Eu ainda argumentei que não desejava participar dessa seleção, pois a despeito de naquela época estar a viver um breve hiato sem estar inserido em uma banda de carreira, o meu objetivo seria prosseguir na luta, mas ele logo contra-argumentou a dizer-me que isso em nada atrapalharia a minha carreira e pelo contrário, se eu fosse aprovado, muito pelo contrário, eu deveria associar tal fato como uma grande oportunidade para abrir portas e conhecer contatos dos patamares mais altos da esfera musical, ou seja, a facilitar a minha carreira, em qualquer outra banda pela qual eu fosse atuar, doravante. Certo, um argumento sensato.

Então, ele mesmo prontificou-se a datilografar (sim, a maioria das pessoas ainda não acessavam computadores, nessa época) e assim, preparou o meu currículo e se a ideia fosse assim tão simples, a denotar valorizar-se uma história na música e "entender" minimamente desse universo, o meu histórico ficara bem razoável. 

Eu tocava desde 1976, passara por bandas com projeção, gravara discos e participara bastante de programas de TV e rádio, ou seja, acumulara uma significativa bagagem pessoal.

E sobre conhecimentos musicais, é óbvio que eu não era nem um expert, tampouco musicólogo catedrático, mas ao acompanhar o Rock com foco (e outras vertentes, igualmente), desde 1968, pelo menos, a minha vivência não era nada desprezível, convenhamos.

Então, em uma tarde quente de verão de 1990, eu e o meu bom amigo, Carlos Muniz Ventura, fotógrafo de algumas capas de disco que eu gravei, fomos ao apontamento. 

Entretanto, assim que aproximamo-nos da entrada do Aeroanta, eis que toda a nossa inocente expectativa gerada em torno de música, propriamente dita, demoliu-se por completo, ao verificarmos que a gigantesca fila formada na porta de tal estabelecimento, estava composta por modelos, meninas muito bonitas em predominância, com "photobook" debaixo do braço e todas, extremamente produzidas, exatamente prontas para um teste de câmera, para compor elenco. 

Foi quando sob um arroubo de consciência, eu e o Carlão travamos um rápido diálogo a dar conta que não haveria nenhum cabimento em postarmo-nos naquela fila, pois o critério para a seleção seria pautado pela beleza física dos postulantes, desenvoltura diante de uma câmera e talvez a dicção e capacidade para pronunciar palavras em idiomas estrangeiros, notadamente o inglês. 

Eu nada tenho a reclamar sobre tais critérios, é bom fazer a ressalva, mas definitivamente, "entender de música" seria o quesito menos importante ali e então, demos meia volta e abandonamos resolutamente a nossa equivocada pretensão. 

Saber quem foi Ray Davies ou Peter Hammill, ou mesmo citar a discografia do Traffic, seria irrelevante para sensibilizar um recrutador, certamente. 

Antes de encerrar esta crônica, preciso estabelecer uma ressalva: a despeito da maioria dos VJ's e redatores que passaram por tal emissora, certamente não entenderem patavina de música, houveram exceções honrosas e no primeiro time de profissionais que assumiu, em 1990, eu tive ali três amigos que foram (são) muito bem preparados e bem-intencionados, sem dúvida alguma: Gastão Moreira, Fábio Massari e Luiz "Thunderbird". 

Além de pessoal da parte técnica, onde também houveram pessoas muito gabaritadas, tais como Eduardo Xocante e César Cardoso. Mas a imensa maioria que ali trabalhou, fora contratada pelos critérios que animaram aquelas meninas bonitas que ficaram horas na fila do Aeroanta, com o seu Book de modelo em mãos...

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Os Kurandeiros - 31/1/2019 - Quinta-Feira / 21:00 Horas - Santa Sede Rock Bar - Tucuruvi - São Paulo / SP

Os Kurandeiros

31 de janeiro de 2019  -  Quinta-Feira  -  21:00 Horas

Santa Sede Rock Bar

Avenida Luiz Dumont Villares, 2104
Tucuruvi
Estação Parada Inglesa do Metrô
São Paulo  -  SP

Os Kurandeiros :
Kim Kehl : Guitarra e Voz
Carlinhos Machado : Bateria e Voz
Luiz Domingues : Baixo

sábado, 26 de janeiro de 2019

Crônicas da Autobiografia - Elogiado por não Exalar Maus Odores! - Por Luiz Domingues

Aconteceu no tempo da minha segunda passagem pelo Língua de Trapo, por volta de 1984

Em minha segunda passagem pelo Língua de Trapo, conforme eu já narrei com detalhes em meu livro autobiográfico, a banda atingira um outro patamar de profissionalismo, pelo qual eu não vivenciara em minha primeira participação na formação dessa banda. 

E por conta disso, em meio aos inúmeros fatores que me atordoaram a partir da minha volta, em outubro de 1983, um deles foi a grande profusão de shows e viagens para se cumprir turnês longas. 

Ótimo, não trata-se de uma queixa de minha parte de forma alguma, pois pelo contrário, isso representou de fato o que eu mais desejava em termos de realização pessoal, desde que imbuíra-me da determinação de ser um músico profissional, nos primórdios da minha primeira banda, o Boca do Céu e na companhia, coincidentemente, de meu amigo e também fundador do Língua de Trapo, o Laert Julio, vulgo Laert "Sarrumor".

Posto isso, o fato é que logo nas primeiras viagens, a adaptação com os novos companheiros foi instantânea. Muitos eram egressos do momento inicial da banda, ou seja, foram meus colegas entre 1979 e 1981 e os que eu não tivera convivência direta, eu também já conhecia por outras circunstâncias, portanto, não havia nenhum estranho ali para eu conviver. 

E sendo dessa forma com amizade e liberdade com todos, assim que chegávamos a um hotel para estabelecer o check-in, não havia nenhuma restrição de minha parte em relação a ninguém e vice-versa, para dividirmos quartos duplos ou triplos para a hospedagem. 

A conversa e a camaradagem foi sempre boa com todos. Mas um dia, uma manifestação de um dos colegas, surpreendeu-me e aos demais, ao motivar risadas generalizadas e a graça dessa manifestação foi exatamente pelo fato do depoimento do colega em questão, ter sido feito sob absoluta sinceridade e seriedade, ou seja, ele não estava a propor uma piada para causar a descontração geral, mas apenas a tecer um comentário honesto.

E o que ele disse? Bem, na hora do check-in, o meu amigo, que era (é) um músico extraordinário, compositor, cantor e um sujeito culto e muito gentil (mas cujo nome eu não vou citar para não constrangê-lo), afirmou que preferia dividir o quarto comigo, Luiz Domingues, em detrimento do outro colega nosso, que fora ventilado ali na hora, pois considerava-me um sujeito educado, que não falava alto, não tinha "chulé" e também por nunca ter flagrado-me a "arrotar" e sobretudo, por conta de eu não costumar "peidar"... 

Bem, após elencar tais virtudes da minha pessoa com uma voz pausada e sob absoluta seriedade, a gargalhada generalizou-se no saguão do hotel, pois mais do que enaltecer a minha pessoa por tais quesitos, alguns deles bizarros, diga-se de passagem, o contraponto foi imediato em relação ao outro colega (cujo nome eu não citarei, pelo mesmo motivo alegado sobre o autor da frase), por supostamente ele não ter as mesmas qualidades em termos de decoro, que eu possuía. 

Em suma, tínhamos ali um grupo formado por homens entre vinte e trinta anos de idade, mas como acontece em qualquer comitiva, não importa a maturidade atingida pelo fator cronológico, pois a tendência é que todos nós tornemo-nos meninos em idade escolar, quando agrupados em excursões... 

Por isso, não teve jeito, pois o colega rejeitado tornou-se alvo das brincadeiras e apelidos jocosos decorrentes de tal exposição, por pelo menos alguns dias, com a fama adquirida por expelir odores desagradáveis durante o seu adormecer noturno...

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Simpatia Pelas Cores - Por Luiz Domingues

Em meio às percepções confusas e difusas nos primeiros meses de vida, a viver o torpor que gera o incômodo pela incapacidade de raciocinar em sua plenitude, tudo é movido pelo instinto e nesses termos, a parca compreensão pauta-se pelas simpatias e antipatias. 

Ora, trata-se de uma questão paulatina, naturalmente e assim, a cada dia, a cada semana e mês pelos quais avançamos, a sofisticação do raciocínio ganha os seus acréscimos. Isso é o básico, óbvio ululante. 

Todavia, nessa fase em que nada faz sentido, os cinco sentidos representam a mais primordial porta de entrada para o mundo material e nesse sentido, as cores chamam a nossa atenção por múltiplos fatores. Se o mundo é colorido, a começar pelos nossos próprios corpos que apresentam matizes diversas em sua constituição, é lógico que tais nuances chamam a atenção do pequeno Ser, em profusão. 

Este não é um postulado com teor médico e/ou pediátrico, tampouco versa por aspectos da psicologia ou em termos de pedagogia infantil, é apenas uma reflexão pessoal e empírica e aonde eu quero chegar, é algo muito simples: a minha própria memória nesta tenra idade e aliás, objeto de todas as crônicas que escrevi para esmiuçar o tema: "Memórias de um Menino de Um Ano de Idade". 

Portanto, em minha experiência pessoal, a minha lembrança para o mais remoto contato com as cores que meus pequeninos olhos enxergaram, remete às simpatias naturais que nutri. Certamente que sob um estudo mais apurado, há de existir explicações plausíveis sobre tais simpatias formatadas e de antemão, mesmo ao ser um leigo nesse tipo de pesquisa sob cunho acadêmico, deduzo que todas as simpatias redundam de experiências pautadas pela experimentação do prazer e desprazer, na contrapartida, ou seja, associamos a simpatia ou antipatia pelas cores, mediante outras percepções dos sentidos, em conjunto.

Entretanto, tal dedução é primária, pois não se pode descartar a livre fomentação de uma impressão ao melhor estilo livre, através de uma simpatia movida apenas pela percepção da cor, mediante o seu contraste, iluminação e ouso dizer, pela vibração que emite, sob parâmetro extra-sensorial. 

E assim, tendemos a levar, vida adiante, a simpatia por certas cores e antipatia por outras, mas claro, ao atingirmos mais idade, fatores culturais bombardeiam-nos com outras impressões e mudanças poderão ocorrer. 

E não há nada de errado nisso, pelo contrário, o enriquecimento natural que a vida proporciona-nos é o nosso maior privilégio de termos a chance de viver.

sábado, 19 de janeiro de 2019

Crônicas da Autobiografia - Flatus no Estúdio - Por Luiz Domingues

        Aconteceu no tempo da Patrulha do Espaço, em 2002

Fomos convidados a participar de um programa de TV, que não seria em uma emissora aberta sob imensa audiência, mas em um modesto canal comunitário, mediante parcos recursos técnicos e infelizmente, a arregimentar uma audiência desprezível. 

E lastimamos tal fator, não apenas por haver uma baixa possibilidade de capitalizarmos uma melhor exposição para a nossa banda, mas sobretudo por tratar-se de um ótimo programa, a revelar-se uma espetacular revista cultural televisiva, conduzida por dois apresentadores bem preparados, cultos e com ligação direta com o mundo das artes & espetáculos (o rapaz era um ator com trabalhos significativos no meio teatral e a moça, uma estudante de cinema). 

Em suma, foi uma pena que tal atração não estivesse alojada na grade de uma emissora aberta, com massacrante apelo popular, dado o seu caráter cultural nobre. 

Bem, apresentamo-nos ao vivo sob uma adaptação semi acústica para adequarmo-nos às condições modestas do pequeno estúdio ali montado e realizamos uma entrevista em tom de conversa descontraída com o casal de apresentadores e foi tudo muito agradável, mesmo com o pesar de sabermos que na prática, a capitalização de resultado de divulgação para o nosso trabalho, fosse nulo. 

Todavia, um fato bizarro ocorreu nos bastidores e ainda que não houvesse acarretado nenhum prejuízo direto à nossa banda, certamente que gerou um constrangimento. 

Foi o seguinte: assim que chegamos ao estúdio dessa pequena emissora, a nossa comitiva procurou pela produção para saber do cronograma a ser cumprido, visto que seria uma apresentação ao vivo. Então, rapidamente os nossos roadies descarregaram o equipamento e o montaram. 

Foi pouca coisa, é bem verdade, visto que faríamos uma apresentação semi-acústica, com simplicidade. Rapidamente, os apresentadores vieram cumprimentar-nos e a simpatia total de ambos, cativou-nos antes mesmo do programa começar. 

Após tudo estar preparado, restaram alguns minutos para o programa entrar no ar e então, a nossa comitiva dispersou momentaneamente, com alguns a visitarem a copa & cozinha do estabelecimento para tomar um café pontual e outros a manterem-se perto do estúdio, a conversar com membros da produção e técnicos da emissora. 

Eu estava dentro do estúdio com mais dois membros da nossa comitiva, quando em tom de pilhéria, um dos membros da comitiva (e não fui eu, asseguro ao leitor), cometeu um deliberado ato de flatulência, ao melhor estilo: "molecagem da quinta série". 

Pois eis que concomitantemente ao ocorrido, a nossa reação imediata foi a de uma explosão de riso pela abominação (pois é engraçado em via de regra, tanto que os romanos costumavam afirmar que: "a flatulência é a prova cabal de que os Deuses tem bom humor"), mas simultaneamente, tivemos uma reação sob profundo desagravo, pelo fétido material gasoso ali expelido, a contaminar completamente o ambiente e deixar-nos em dúvida se aquilo teria sido o resultado de um desajuste intestinal da parte de um Ser Humano, ou simplesmente um pouco da bruma advinda do enxofre concentrado, que viera diretamente dos portais do inferno?  

Mas o pior ocorreu, quando nessa fração de segundos em que tal situação consolidara-se, eis que a simpática apresentadora do programa, adentrou o estúdio e veio sorridentemente em nossa direção, a fim de conversar conosco. 

Pois diante dessa constrangedora perspectiva, de uma forma sorrateira, nós saímos rapidamente do ambiente a fingir uma súbita necessidade de resolver algum assunto pendente, reação coletiva e instintiva, inclusive com a participação do autor da proeza, mas um dos nossos colegas vacilou nessa retirada estratégica e ficou para conversar com a amável mocinha. 

Na rua, a explosão de gargalhadas demorou para cessar, intensificada pela bizarra lembrança de que um colega ficara no ambiente a carregar o ônus gerado pelo ânus alheio (com o perdão pelo trocadilho infame). 

O que teria pensado aquela meiga nissei? E como teria sido o constrangimento do colega que ficara no ambiente infestado e sem poder rir, evadir-se e nem mesmo justificar que aquela contaminação sofrível do ar, não fora por sua culpa? 

E mais uma pergunta: pela rapidez entre o ocorrido e a chegada da moça ao estúdio, teria sido impossível que ela não tivesse escutado o estrondo causado pela ventania fecal, portanto, como essa moça disfarçou tão bem ao chegar sorridente e a aparentar não ter percebido nada? 

Enfim, quanto mais perguntas pertinentes ao episódio fizemos na calçada, em frente ao estúdio, mais provocamos risadas. 

E no fim, foi uma apresentação ótima, com o casal a tratar-nos com imensa camaradagem e ao que tudo indicou, ou a moça foi muito discreta ou esteve com algum problema de ordem otorrinolaringológico, pois não ouviu nenhum estrondo, tampouco sentiu nenhum aroma desagradável.  

domingo, 13 de janeiro de 2019

A Palha de Aço como Chave para o Futuro - Por Luiz Domingues

Era um lugarejo distante, eminentemente rural e cujos poucos colonos que ali habitavam, viviam dos parcos recursos da atividade extrativista que garantia a sua subsistência. 
 
Acostumados a viverem de uma forma muito despojada, demorou anos para que a energia elétrica fosse instalada e mais algum tempo para que chegasse o rádio. E assim, o rádio tornou-se a maior referência com o resto do mundo, no cotidiano daquela gente simples e que vivia basicamente para trabalhar duro e na prática, não ter uma grande perspectiva de fazer de seu suor, a esperança por dias melhores. 
 
Distante da possibilidade de assistir um filme sequer, em uma sala de cinema, visto que a cidade mais próxima nem dispunha desse tipo de equipamento cultural, o rádio fora o único elo com o mundo, além dos jornais e revistas velhas, que chegavam com incrível atraso naquele vilarejo. 
 
Até que um dia, veio a novidade: um aparelho de TV seria entregue, ao visar melhorar a vida daquelas pessoas. Teoricamente, tal gesto haveria de repercutir de uma maneira retumbante, portanto, claro que gerou uma expectativa enorme entre os seus moradores, que mal esperavam a chegada do aparelho que seria instalado em uma rústica instalação feita com madeira, uma espécie de “rack” pré-histórico, e colocado no dito “centro” da localidade, para ser desfrutado coletivamente.
Contudo, mediante a tecnologia tosca a toda prova, eis que assim que foi ligado o aparelho, este apresentou uma imagem horrorosa, sem definição alguma, plena de “chuviscos”; com o sinal de “horizontal” indomável, sem esboçar parar de embaraçar as vistas das pessoas.
 
Indiferentes aos “problemas técnicos”, as pessoas gritavam eufóricas, enquanto os técnicos lutavam para tentar colocar aquele aparelho sob uma condição mínima de uso. Foi quando um desses rapazes que haviam vindo da cidadezinha à qual o vilarejo pertencia, falou ao seu companheiro, que achava que seria melhor colocar uma palha de aço na antena para ver se melhorava a imagem. 
 
Sem entender como um artefato usado geralmente na limpeza doméstica poderia contribuir com uma questão que se julgava ser altamente tecnológica, rapidamente crianças e adolescentes correram às suas casas para procurar por tal produto prosaico. Foi quando um menino entregou o material para um dos técnicos e este começou a envolvê-lo na antena, que um sujeito gritou em meio a multidão, "que aquilo não funcionaria de maneira alguma". 
Nesse ínterim, eis que um homem idoso e que parecia assistir toda a cena de forma catatônica, soltou um grito inesperado e que impôs o silêncio e a atenção sobre si. Enquanto todos olhavam-no estupefatos, eis que o idoso proferiu: 
 
-“Deixa o homem colocar a palha de aço na geringonça, porque assim vai garantir o nosso futuro". 
Ora, visto assim de forma superficial, a intervenção do idoso poderia sugerir uma antevisão profética, a enxergar no advento da chegada da televisão para o usufruto daquelas pessoas, um autêntico “passaporte para o futuro”, ao abrir-lhes possibilidades culturais, sociais, reflexão, conexão com a modernidade e também com o mundo e a sociedade, enfim, uma verborragia previsível, mas ao se pensar friamente, será que a profecia do ancião procedera? A perspectiva aberta pela televisão levou-nos para o progresso, mesmo?

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Família - Por Telma Jábali Barretto

Mexe com emoções, as melhores e as piores (testa a todo momento nossa coerência...e...?!...) e deixa marcas profundas de quem somos...Freud que o diga !!! E... por quantas mudanças viemos passando ? Quantas, ainda, passaremos... e, como não pensar o DNA que carregamos, as heranças genéticas e afetivas impregnadas em células e poros e, bem além disso, mais sutil, na alma... Cheiros, texturas, sabores, continuamente, rememoram vivências e há que lembrar, atentar para aquilo que deixaremos. Sim !!! Daquilo que viemos e o que de nós ficará... Também e bem, concomitantemente, temos laços paralelos que vamos construindo. Gestados por afinidade, alimentadas e tal como a ancestral, originária, cutucam e provocam nossos mais delicados sentires! 
Muitas vezes comparando com a de raiz ou...?!...distanciando, proposital ou inconscientemente, porque refrescam ou apaziguam a memória que lateja... lembrando quem somos, saudosos, ou, torcendo para que uma amnésia nos alcance. Fato é que a depender da história trazida até aqui, definirão com quanto apego ou aversão abraçaremos a essas mais adultas que constituiremos e, quando dizemos dessas mais maduras, não nos referimos às usuais, pós união afetiva e a dois, queremos refletir sobre aquelas que por carência (nossa...) adotamos ou somos adotados (por eles...), muitas vezes buscando ou fugindo da que tivemos e, nesse caso, afinidade ou rejeição, precisaremos de cura, harmonização...ou num melhor aspecto, distribuindo aquilo que tivemos boa ‘sorte’ de merecer ! 

Certo é que, de onde viemos ficarão marcadas, positiva ou negativamente, as outras que influenciaremos ou absorveremos num agigantar, multiplicador da beleza ou dor que carregamos... Quantos ruídos ou silêncios propagaremos e que tamanho tomarão nas muitas mais famílias que integraremos, até chegarmos a ser capazes daquele fraterno pertencimento à humanidade, ao planeta, ao processo cósmico numa bela sintonia que a resiliência soube forjar e nossa permeabilidade, também, aprendeu a absorver! Quanta troca e doação, informação que vai e vem, num incrível mimetismo e metamorfose em que transformamos e somos transformados, encontrando e reconhecendo facetas lapidadas de nós nos outros, colorindo a nós de novos tons... De quantas bênçãos saímos e quantas diferentes nos nutrimos, ofertando nessa mega e tão ampla genealogia constituída por essa consciência ampliada, equânime, universalista, que soube apequenar para poder expandir, unificar! Agora, só aqui, podemos viver o mais puro, sonoro e reverente NA MAS TÊ! 



Telma Jábali Barretto é colunista fixa do Blog Luiz Domingues 2. Engenheira civil, é também uma experiente astróloga; consultora para harmonização de ambientes e instrutora de Suddha Raja Yoga. Nesta reflexão, fala-nos sobre a questão da relação familiar, como um elemento fortemente importante dentro do nosso desenvolvimento pessoal.