O céu se tornou cinza, um cinza de uma cor que o homem não consegue pintar.
A água desceu feliz, lavando a terra, o ar, as sementinhas ocultas pelo chão.
Eu voei por entre as gotas da chuva e de mãos abertas recebi a dádiva que escoava da funda abertura no cinza.
O meu peso era peso de pluma e, sem medo, me tornei pluma endoidecida de felicidade na vastidão do espaço.
Voei
por sobre prados, deixei que as gotas de chuva se misturassem às das
cachoeiras onde eu brincava, toquei de leve a espuma das ondas, fiz
parte dos bandos de passarinhos que cantavam bendizendo a chuva, sobrevoei bosques intermináveis e minha alma foi atraída por um deles.
Desci
por entre as árvores, senti o limo macio das suas raízes e o cheiro
daquele chão coberto de vida me fragmentou em água e verde.
Foi quando eu a vi.
E era uma Fonte e eu soube então que ela estivera sempre ali, desde tempos imemoriais, me aguardando.
Seu
murmúrio era feito de Segredos tão antigos e imemoriais quanto ela
própria, que recebia as gotas de chuva transformadas em pérolas quando
tocavam suas águas.
Pousei à beira da Fonte dos Segredos que, prenhe de verdades, me revelou coisas que eu sequer supunha, porém simples e vitais.
Ela
me segredou a beleza dos raios e trovões, a importância do trabalho
sereno de uma formiguinha, a sublimidade das mãos que amparam, que doam e
têm a grandeza de saber receber; minha Fonte chorou pelos que choram
sem esperança, pelos que riem ignorando o gemido baixinho e triste ao
lado, pelo orgulho que estraçalha gentes e raças.
Minha
Fonte compôs sinfonias delirantes com cada gota que caía do céu, se
enfeitou com cada minúscula teiazinha de aranha e teceu delicados
raminhos de flores a serem entregues à humanidade, repleta de vazios e
desamor.
E eu cantei, e o meu canto era o
marulhar doce da água que, repleta de segredo e dança, descia calma por
sobre as pedrinhas, transbordante de ternura e placidez.
Minha
Fonte me mostrou as pequenas aberturas nas árvores onde moram gnomos,
os pequeninos ramos onde fadas brincam, as notas coloridas de cada gota
de orvalho que docemente cai sobre as folhinhas tenras, os unicórnios
que, tranquilos passeiam e vêm beber das suas águas e por entre flores,
galhos, folhas, musgos, fadas, unicórnios, gnomos e terra, me tornei
parte do bosque.
Em seu sussurro repleto de mil
vozes, minha Fonte se curvou, plena, perante a minha pequenez e
paciente como o colo de mãe, me ensinou o cantar mais alto, o amar mais
profundo, o abraçar mais denso, o viver mais verdadeiro, o silêncio mais
primordial, o perdão mais translúcido, o olhar mais límpido, o rodopiar
mais louco na imensidão dos astros e, como no colo de mãe me abandonei,
e adormeci.
Quando acordei, ainda me sentia
nos braços milenares da Fonte dos Segredos e em meu corpo brilhavam,
divinamente, gotas de chuva e orvalho.
Tereza Abranches é colunista fixa do Blog Luiz Domingues 2. Escritora e artesã, realiza estudos sobre espiritualidade e literatura, também.