Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 108 - Por Luiz Domingues

O próximo evento na agenda d'A Chave do Sol, foi absolutamente inesperado e inusitado para nós. Nós havíamos sido convidados para assistir a gravação de mais um programa, "A Fábrica do Som", mas na condição como convidados, tão somente. Foi o dia 19 de junho de 1984, e estávamos agendados para participar a gravar uma nova atuação, somente na semana seguinte, dia 26. Fomos assistir a gravação e quando fomos alojados em um lugar estratégico do mezanino sobre o palco, fomos reconhecidos pela plateia, e muitos gritinhos ecoaram no teatro, ao dar-nos a sensação boa de que a banda crescia a olhos vistos.

Então, um pouco antes de iniciar-se as filmagens, vimos que o clima estava tenso entre os produtores do programa e alguns técnicos da TV Cultura. Um bate-boca começou e de-repente os técnicos do P.A. começaram a desmontar o equipamento, a gerar um alvoroço na plateia. Não sabíamos o que estava a acontecer ao certo, mas sentíamos a tensão aumentar a cada segundo. Foi quando um produtor da TV Cultura abordou-nos, e pediu-nos para fazermos um micro show relâmpago, pois eles temiam que o público revoltasse-se com o cancelamento das filmagens do programa naquela noite, e iniciasse um quebra-quebra generalizado nas dependências do Sesc Pompeia. De fato, havia mais de mil pessoas dentro do Teatro do Sesc Pompeia, naquela noite, e seria muito perigoso cancelar-se, pura e simplesmente. Sobre o acontecimento, a explicação que deram-nos foi a seguinte : durante o soundcheck, no período da tarde, um músico de uma banda, discutiu com veemência com um câmera man da TV. A discussão acalorou-se, e chegou às vias de fato. Em meio a pancadaria, alguém pegou um pedestal de microfone para utilizá-lo como arma, e o quebrou, ao causar a revolta dos responsáveis pelo equipamento do PA., que também entraram na confusão. Mesmo com a turma apaziguadora a separar os brigões, o clima azedou, naturalmente. Até aquele instante, os produtores do programa tentavam convencer os turrões a relevar a situação, e filmar assim, normalmente o programa. Contudo, os técnicos do P.A. solidarizaram-se com os da TV, e todos recusaram-se a trabalhar.

Com essa situação criada, os produtores do programa, e os responsáveis pelo Teatro do Sesc Pompeia, ficaram muito preocupados com o desfecho desse imbróglio, visto que faltava dar a notícia às mil pessoas que estavam nas dependências, a maioria jovens, com a adrenalina em absoluta ebulição. Então, em consideração aos produtores do programa, que sempre foram muito gentis para conosco, aceitamos fazer uma apresentação de emergência.

Mas não seria nada fácil, pelas circunstâncias técnicas adversas Sem o apoio do P.A, só teríamos o som dos amplificadores e sem meios para termos um som de bateria minimamente condizente com o espaço, e com a agravante de mil pessoas a berrar, ensandecidas e irritadas com o cancelamento sumário da filmagem. E mais um problema : o equipamento de palco também seria levado embora pela equipe técnica e sendo assim, antes que começassem a desligar, um produtor da TV ainda usou o microfone no PA e deu o recado à plateia que um show d'A Chave do Sol seria feito de emergência para entretê-los, e que precisaria de dois favores do público : 

1) Que esperassem mais uns minutos enquanto o equipamento da banda fosse providenciado e;

2) Que entendessem que seria sem P.A., ou seja a banda tocaria em condições sonoras, insalubres. 

Claro que a maioria não entendeu nada, mas pelo menos evitou-se uma tragédia que seria difícil de conter, inevitavelmente sendo encerrada com a tropa de choque da Polícia Militar a descer a borracha em vândalos ensandecidos. O Rubens e o Zé Luiz foram voando ao nosso local de ensaio, e trouxeram nossos instrumentos e equipamento backline e o nosso humilde PA de ensaio. Sem roadies, nós mesmo montamos tudo na frente do público, sob gritos, porém positivos de incentivo, e os produtores da TV entreolhavam -se aliviados, pois estavam a temer por algo muito pior.

Claro, sem PA, ficamos com um alcance muito inadequado para aquela situação, e mesmo ao darmos tudo de nós para entreter o público, tecnicamente a falar, o nosso som reduziu-se a um radinho de pilhas, e só podia ser ouvido timidamente, muito perto do palco. Não foi um show propriamente dito, e nem preocupamo-nos com qualquer possibilidade em agradar ou não, o público naquelas condições. Víamos as pessoas a ir embora sossegadamente e ao longo de uns quarenta e cinco minutos, onde tocamos heroicamente sob condições sonoras terríveis, agradamos quem dispôs-se a ficar bem perto do palco, e entender as limitações sonoras ali delineadas. E como foi algo excepcional, tanto o pessoal da TV, quanto do SESC, permitiu que pessoas assistissem sob o palco, sentados à nossa volta. Foi um exercício hercúleo, mas fico contente em lembrar que ajudamos, em uma hora muito periclitante para todos.

Continua...