Desta vez, tivemos muito o que comemorar, pois estava em nossas mãos, finalmente, o nosso primeiro registro fonográfico oficial. Estava lançado o primeiro compacto, e a missão principal nessa aparição na TV, seria mesmo divulgá-lo e imbuídos dessa tarefa, fomos muito confiantes para a gravação da TV. Tocamos as músicas : "Luz" e "Anjo Rebelde", esta última, uma criação nova que estava a ingressar no repertório da banda.
https://www.youtube.com/watch?v=lYRnfhGGG
"Anjo Rebelde" foi uma das primeiras músicas compostas em uma nova fase da banda, onde passamos a ter a preocupação em imprimir mais peso, ao tentar trazer mais elementos de Hard-Rock, e visar assim, uma adequação ao mercado, que sinalizava (via boatos de bastidores), que as gravadoras abririam uma nova safra de contratações, por supostamente abrir um nicho direcionado aos adeptos das tendências do Hard-Rock e Heavy-Metal, oitentistas.
A música foi composta por eu, mesmo, Luiz Domingues e Rubens Gióia, e a letra, foi uma oportunidade que aproveitamos, quando adaptamos um poema do Edgard Puccinelli Filho, vulgo "Pulgão". Então, ao não abandonar as nossas características tradicionais em usarmos elementos do Jazz-Rock setentista, nosso arranjo privilegiara diversas convenções rítmicas ousadas. Na TV, contudo, traídos pela adrenalina toda da ocasião, iniciamos a música além do seu andamento normal, para torná-la mais difícil para a execução ao vivo. Ainda mais pelo fator ao vivo, com a banda a esforçar-se para imprimir um mise-en-scené agressivo.
Porém, a nossa performance foi muito boa, conforme pode notar-se no vídeo. Eu tive a incumbência em falar como porta voz da banda, sobre o compacto recém lançado, e aí, um fato curioso ocorreu. Aliás, dois. O primeiro, foi que assim que a música encerrou-se, eu estava muito ofegante pois exagerara na minha performance individual. Mesmo sendo um jovem com apenas vinte e quatro anos de idade (incompletos naquela ocasião), fiquei esbaforido, e como tinha muitas coisas a dizer, fui a perder a voz, e as últimas palavras que pronunciei, foram quase incompreensíveis, com a emissão a falhar, aos sussurros.
https://www.youtube.com/watch?v=G4d0AZu2VPg
O link acima direciona para o vídeo do You Tube, onde o voo do disco é mostrado. Um literal "lançamento de disco"...
Outro aspecto que hoje em dia considero absolutamente prosaico, deu-se no recado em si. Por querer ser objetivo, expus, ainda que ingenuamente, a fragilidade empresarial da banda, pois insisti em dizer que o compacto só estaria à venda na loja Baratos Afins, de São Paulo. Ao fornecer o seu endereço completo e conclamar fãs a adquiri-lo por esse endereço, via correio, decretei essa fragilidade.
Certo, faço essa "mea culpa", mas ao mesmo tempo, relevo, pois foi uma outra época, e mesmo por ser uma manifestação ingênua, foi a nossa realidade naquela ocasião, e tratou-se de uma informação vital para a banda, no sentido de que a distribuição era precária, portanto muito diferente de uma distribuição realizada por uma gravadora multinacional.
Mas o mais inusitado aconteceu posteriormente. Enquanto eu falava, ouvia gritos da plateia, a pedir o disco que estava em minhas mãos. Quando eu estava quase a concluir o recado, lembro-me de dois rapazes mais ousados, que invadiram o palco, a avançar sobre a minha pessoa, para arrancá-lo de minha mão, quando sob um rampante, decidi jogá-lo à plateia, do outro lado do teatro. Mas eis que o disco subiu e ganhou um efeito aerodinâmico insólito no ar, e tal qual um aviãozinho de papel, planou. E nesse impulso inusitado, foi alojar-se em uma fresta da estrutura metálica do teatro do Sesc Pompeia, muito próximo ao teto ! Quando o disco fez esse voo e parou nesse lugar improvável, o público vibrou, pois realmente foi algo muito inesperado. Os dois garotos que quase arrancaram-no de minhas mãos, saíram a resmungar, e sob uma fração de segundos cheguei a pensar no quanto o artista passa de uma situação de veneração à de repúdio, em um piscar de olhos. Ainda sob impulso, ainda fui ao microfone e exclamei : -"foi Deus que quis assim", para referir-me ao fato do compacto ter ficado quase no teto, portanto, aparentemente perdido. Começamos a tocar a próxima música e quando a encerramos, fui surpreendido, pois um sujeito abordou-me com o compacto na mão, a pedir-me um autógrafo. Fiquei estupefato e perguntei-lhe onde arrumara-o, pois não havíamos levado mais cópias para sorteio ou outras ações desse tipo. Foi então que ele deixou-me atônito, ao dizer-me que escalara a estrutura do teatro, e o buscara naquele lugar inóspito ! Sua justificativa deixou clara a facilidade de sua façanha atlética : ele era um componente do Corpo de Bombeiros...
https://www.youtube.com/watch?v=_15MWhy061M
E assim foi a nossa última participação no programa, "A Fábrica do Som". Infelizmente o programa saiu do ar pouco tempo depois, por uma mudança de mentalidade na cúpula da TV Cultura, e nunca mais houve outro programa tão democrático para exibir bandas novas com trabalho autoral, na TV, sem o famigerado jabá das cartas marcadas. Houve a tentativa para reviver a fórmula com o "Musikaos", na mesma TV Cultura, no início dos anos 2000, mas apesar de seguir mais ou menos a linha da velha, A Fábrica do Som, não teve o mesmo élan e saiu do ar, rapidamente. A Chave do Sol deve à Fábrica do Som, o seu primeiro impulso para atingir o grande público. Mesmo por ser uma emissora estatal e educativa, a TV Cultura chegou a cravar quatro pontos de audiência nas tardes de sábado, além da procura maciça de público para assistir as gravações ao vivo, no Teatro do Sesc Pompeia.
Continua...
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