domingo, 31 de março de 2019

Crônicas da Autobiografia - O Camarim Esvaziou. Onde Está o Meu Instrumento? - Por Luiz Domingues


Aconteceu no tempo do Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, em 2012

Fomos participar de um festival produzido pelo Sesc, através da sua unidade da cidade de São Carlos-SP, mas não em suas ótimas dependências locais. 
 
Entretanto não lamentamos tal locação proposta, visto que o evento fora concebido para realizar-se na plataforma de uma antiga e charmosa estação ferroviária em pleno uso, ou seja com enormes composições a passarem o tempo todo e completamente abarrotadas por produtos agrícolas, minérios & afins, a caracterizar a riqueza das commodities vindas do interior de São Paulo e estados do centro-oeste, sobretudo, rumo ao porto de Santos-SP. 
Sobre os pormenores desse show, eu já narrei no capítulo adequado sobre essa banda em meu livro autobiográfico, mas ainda restaram alguns detalhes para narrar. 
 
Como por exemplo, o fato de que após o show, nós fomos convidados a deslocarmo-nos do camarim improvisado para um outro ambiente desse bastidor montado em meio aos trilhos, para atender a solicitação de uma equipe de TV local, afiliada da Rede Globo na região, que manifestou o desejo de entrevistar-nos. 
 
Sobre tal ocorrência, não há muito o que descrever, pois foi algo bem ligeiro e trivial, sem nenhum fato diferenciado que mereça ser mencionado. Entretanto, a motivação que tirou-nos do nosso camarim tão devassado, provocou-me um lapso imperdoável.
 
Ocorreu que no exato momento em que fomos chamados, havia um razoável contingente de pessoas ligadas à produção do evento, a ocuparem o mesmo espaço. Dessa forma, inspirado na falsa impressão sobre a suposta segurança que isso transpareceu ali naquele instante, todos nós, sem nem cogitar algum receio, saímos do camarim sem levarmos os nossos pertences conosco e nesse aspecto, incluam-se instrumentos e acessórios. 
 
Foi algo muito imprudente e certamente inadmissível em meu particular caso, pois exatamente dez anos antes dessa data, em 2002, eu mesmo houvera sido vítima de uma ação de furto no camarim do Sesc, nessa mesma cidade, quando atuava com a Patrulha do Espaço. Portanto, entre todos da nossa banda e comitiva, eu deveria ter sido o mais atento a tal tipo de procedimento imprudente. 
Ocorre que a entrevista foi relativamente curta, mas no meio do caminho houve bastante distração, com membros de diversas bandas que haviam tocado anteriormente a abordar-nos, além de amigos de São Carlos-SP que surgiram para efetuarem um cumprimento etc. e tal. 
 
Nessa circunstância, o tempo que todos perdemos para voltarmos ao camarim, foi maior que o esperado inicialmente. Pois quando eu cheguei ao camarim, ele estava completamente vazio. Fui então até a van que serviu-nos nessa produção e verifiquei que os companheiros já estavam todos ali, mas quando perguntei-lhes sobre o meu instrumento, ninguém soube responder-me sobre o seu paradeiro. 
 
Pedi ao motorista para abrir o bagageiro e ele não estava ali. O coração acelerou, acrescido pelos inevitáveis calafrios e imediato desconforto estomacal certamente motivado pela secreção de ácidos gástricos disparados pela sensação do medo ante a concretização de uma má notícia. 
Como uma última medida desesperada, eu corri novamente ao camarim e mesmo a saber que eu o vira minutos antes, completamente vazio, não tive outra opção a não ser estabelecer uma nova vistoria desesperada. 
 
Foi quando ao adentrá-lo e já haviam apagado os luminárias improvisadas que proviam a luz de serviço ali naquele espaço, eis que resolvi agachar-me para olhar embaixo de uma mesa ali colocada e ... ufa, apalpei o seu estojo (case), cuja textura do seu revestimento, eu conhecia muito bem. 
 
Alívio parcial, no entanto, pois o verdadeiro teste de fogo viria a seguir. Eu precisava abri-lo e verificar a presença do instrumento em questão, em seu interior. Segundos tensos sobrevieram enquanto eu abria as suas dobradiças. E então, quando a caixa abriu-se, o alívio chegou, para fazer-me respirar fundo. Lá estava o meu velho amigo, Rickenbacker!
 
Bem, não posso queixar-me dos colegas, pois o mesmo sentimento dispersivo que ocorrera-me, também sucedeu-se com os demais. Ninguém ali, sequer cogitou que o meu instrumento ficara para trás na hora de carregar o nosso material para a van.
 
Cada um pegou os seus pertences e naturalmente consideraram que todos haviam feito o mesmo, sem exceção. E vou além, quando saímos do camarim para a tal entrevista, o meu estojo do instrumento estava visível, junto à guitarra e pedaleira do guitarrista Kim Kehl e peças de bateria do Paulo Pires. 
Sendo assim, o fato dele ter sido colocado debaixo da mesa, a posteriori, só pode ter sido perpetrado por alguém que o viu ali, visível e ao preocupar-se, tratou por camufla-lo até que o seu proprietário, no caso, eu mesmo, pudesse vir resgatá-lo. 
 
A despeito desse fato, tudo foi muito bom nesse show e posso acrescentar, até esse susto em seu desfecho, para alertar-me mais uma vez sob as normas de segurança a serem observadas, mesmo eu que eu já tivesse cinquenta e dois anos de idade naquela ocasião, com trinta e seis de carreira, ou seja, a denotar experiência e com a agravante de haver passado por uma situação desagradável de furto no camarim, naquela mesma cidade e sob a produção da mesma instituição, dez anos antes.

quinta-feira, 28 de março de 2019

Crônicas da Autobiografia - A Noite em que Eu Tocava um Blues, Quando Vi o Meu Carro Quase Ser Furtado - Por Luiz Domingues

      Aconteceu no tempo da Magnólia Blues Band, em 2014 

As atividades da Magnólia Blues Band foram intensas enquanto tal banda existiu, mas houve uma curiosidade sui generis ao seu respeito. Por ter sido criada para ser uma banda fixa da casa de espetáculos (Magnólia Villa Bar), a banda nunca apresentou-se em outro espaço. Todos os cento e poucos shows que a banda cumpriu em sua trajetória, foram realizados no palco dessa citada casa noturna, localizada no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo.

A casa ficava localizada em um ponto nobre do bairro, exatamente na esquina das Ruas Aurélia e Marco Aurélio e para quem conhece bem aquele quadrante do simpático bairro da Lapa, sabe bem que haviam poucas casas noturnas e mesmo comerciais de atuação diurna ali, pois trata-se de uma área completamente residencial. 
 
Então, era costumeiro tocarmos a olharmos o movimento da rua e se dentro do estabelecimento, o clima era quente com a presença de um animado público e com o Blues e o Rock a contaminar o ambiente com energia, nas ruas, o panorama era semelhante a um deserto, com os moradores recolhidos em suas residências. 
 
Nesse aspecto, era comum vermos senhores idosos a saírem esporadicamente de suas residências, para na calçada depositarem o lixo doméstico, trajados com pijamas, o que chegava a ser engraçado.
Mas o movimento do bar atraia muitas pessoas à cata de estacionamento nas redondezas e assim, as ruas ficavam desertas em termos de pessoas, mas lotadas com carros estacionados naquele entorno. 
 
Infelizmente, tal profusão de automóveis chamara a atenção de malfeitores e houve relatos de ações de furtos nos carros, com o roubo de objetos do seu interior e algumas vezes, até de pneus.
Pois foi em uma dessas noites de quarta em que apresentávamo-nos que eu presenciei uma cena bizarra. Estava a tocar e olhar vez por outra o movimento da rua, pelas muitas janelas que a casa possuía, quando avistei quatro jovens aparentemente embriagados a caminharem pelo meio da rua. 
 
Logo que os avistei, não suspeitei de nada, pois os três rapazes e um moça, componentes desse grupinho de transeuntes, não tiveram nenhuma atitude suspeita em princípio, a não ser o sinal de embriaguez em comum para todos. 
 
Talvez fossem jovens universitários a voltarem para a casa, pois apresentavam boa aparência, no uso de boas vestimentas em ordem, e teoricamente não havia nada que chamasse a atenção em demasia em seu comportamento. 
 
Foi quando eu percebi que eles pararam bem perto de meu carro. No início, não preocupei-me exatamente, mas logo vi que passaram a olhar para todos os lados e a confabularem entre si. Tal atitude pareceu-me suspeita e tudo confirmou-se negativamente, quando vi que um dos rapazes forçou a maçaneta da porta do motorista, enquanto um outro correu para forçar as maçanetas do lado oposto. A moça parecia vigiar, ao olhar freneticamente para todos os lados e o outro rapaz foi tentar arrombar o porta-malas.

Foi ainda mais surreal tal cena, pois a banda tocava a todo vapor e eu não parei e abandonei o palco para esboçar alguma reação, pois naquela fração de segundos, percebi que o porteiro da casa já havia flagrado a situação e sinalizara ao segurança do posto de gasolina do outro lado da calçada, que não funcionava no período noturno, mas esse funcionário costumava ficar ali atento, durante a noite inteira. 

Eles mantinham um combinado entre si, para vigiarem mutuamente a esquina e assim, rapidamente ambos marcaram presença e o quarteto do mal saiu a correr. 

Provavelmente não eram bandidos propriamente ditos e nem armados deviam estar. Talvez fossem apenas usuários de drogas e vislumbraram um furto tranquilo para obter algum objeto de valor, tanto que não possuíam ferramentas para arrombar o carro e apenas testaram as portas no intuito de contarem com a sorte para descobrir alguma porta destrancada. 

Talvez até quebrassem um vidro com um tijolo, se não houvessem sido surpreendidos, o que prova que tratavam-se mesmo de ladrões de ocasião, pois bastaria andar mais um quarteirão para que achassem muitos outros carros estacionados e aí estariam completamente fora do campo de visão de quem estava dentro da casa noturna em que tocávamos. 

Enfim, o importante foi que o meu carro não foi molestado naquela noite e eu pude tocar os meus Rocks e Blues e no caso dos Blues, apenas a ficar nos lamentos poéticos que tal escola musical traz em sua raiz primordial e não a lamentar um prejuízo desagradável.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Crônicas da Autobiografia - O Dia em que a Natureza Feminina Derrotou-nos - Por Luiz Domingues


             Aconteceu no tempo do Pitbulls on Crack, em 1994

Estávamos para fechar contrato com uma gravadora, que não era uma poderosa major multinacional, mas mesmo pequena, apresentava uma infraestrutura bem razoável e certamente atenderia as nossas necessidades prementes com um grau de eficiência, satisfatório. 
 
Muitas reuniões foram travadas naquele escritório em que funcionava a administração desse selo e quando pareceu estar tudo acertado entre as partes, uma última reunião foi convocada para lermos e assinarmos o contrato. 
 
Ocorre que a diretora era uma mulher e nesse dia marcado, assim que chegamos ao escritório, aguardamos a sua chegada, visto que essa moça não encontrava-se no local na hora marcada. Foi quando a espera prolongou-se em demasia e mais de uma hora depois, uma funcionária veio delicadamente pedir-nos desculpas pela ausência da diretora e ao mesmo tempo para nos esclarecer que essa senhorita fizera contato telefônico e alegara ter tido uma crise motivada pela cólica menstrual. 
 
Ora, nada mais natural e compreensível, claro que resignamo-nos e saímos do escritório com a racional absorção da situação, sem questionamentos.
Foi então que a funcionária emitiu-nos a mensagem padronizada, no sentido que seria marcada uma nova reunião para breve e nós saímos dali sem nenhum motivo para acreditar que isso não realizar-se-ia e sobretudo, sem nenhum prejuízo ao andamento da nossa negociação que nessa altura, estava acertada, só a faltar a assinatura do contrato e registro em cartório. 
 
Entretanto, passados alguns dias, o tal telefonema não aconteceu. Aos poucos, à medida que o tempo passou, a nossa paciência pôs-se a esgotar na inversa situação e aí, ao pressionarmos o escritório por uma resposta convincente a esclarecer tal postergação, fomos informados que um fato novo ocorrera e nesse ínterim, a gravadora teve que arcar com outros compromissos e a verba destinada à nossa produção, não existia mais, portanto, o nosso contrato não seria assinado. 
 
Foi quando um companheiro de banda, não em tom de raiva, mas sim motivado por uma pura brincadeira, falou algo como: -“não deveriam colocar mulheres em posição de comando em uma empresa. Por causa de uma menstruação, perdemos a nossa chance”...
Pura brincadeira que rendeu risadas e aliás, essa banda foi a que eu mais diverti-me nos bastidores, devido ao fato dos meus três colegas terem veia humorística nata e tudo ser levado na esportiva, o tempo todo. 
 
E nem pense o leitor que eu, os meus colegas e tampouco esta reminiscência em formato de crônica, tem motivação machista. É claro que a mulher pode comandar qualquer setor produtivo da sociedade. 
 
No entanto, dentro da brincadeira criada pelo amigo e colega, houve um fundo de verdade em um aspecto. Pois nós assinaríamos o contrato naquele dia e a cólica da moça ocasionou o lapso de tempo o suficiente para que os tais fatos novos atropelassem os nossos anseios, ali dentro daquela companhia. 
 
Portanto, a natureza feminina empurrou uma peça no tabuleiro do jogo e se ela por si só não afetar-nos-ia, em tese, a verdade foi que o desencadear da sua consequência posterior, motivou a nossa derrota no jogo. E isso foi um fato.