terça-feira, 19 de março de 2019

O Poster e a Piada Engraçada Mais Sem Graça - Por Luiz Domingues


Isso ocorreu em uma típica republiqueta das bananas, encravada em alguma parte da América Central, talvez até do sul, não sabe-se ao certo e tudo confunde-se quando as informações chegam carregadas com cargas indisfarçáveis de preconceito, ou seja, aquela velha visão sob extrema soberba, a dar conta que todos os povos latino-americanos são hispânicos, miseráveis e facilmente manipuláveis por forças extremistas a lhes controlar. Ou seja, aquela ideia de que tudo faz lembrar as cenas do filme: “Bananas”, do Woody Allen, que aliás é bem engraçado ao satirizar bem os estereótipos em torno dessa geopolítica cucaracha.
 
Pois tal país vivia dias difíceis em meio a uma ditadura ferrenha, portanto, na contrapartida a resistência existia e embrenhava-se nas poucas brechas deixadas pelo poder. Tais pessoas que opunham-se ao regime de então, eram jovens idealistas e sonhavam em libertar o seu povo de tal jugo pesado, mas como sempre acontece em situações desse porte, não dispunham de recursos para organizar uma oposição que pudesse ter o menor espaço para contrapor as ideias impostas pelo sistema e por sentirem-se frustrados pelo quadro desfavorável que detinham à sua disposição, praticamente estavam a sentirem-se derrotados e resignados com a falta de reação ante os poderosos. 
 
No entanto, se estavam vencidos pela força das circunstâncias, ao menos restou-lhes algum senso de humor para lidarem com a derrota iminente.
Eis que um desses rapazes, chamado: Lalo Humoretes, um dia surgiu no ponto de encontro desses jovens insurgentes, munido de um pequeno troféu pessoal. 
 
Ele arrancara tal peça do mural de uma repartição pública e obviamente sem ser notado, pois seria severamente punido se descoberto, a se tratar de um pôster gigante do ditador do país. Em pose altiva, o temível, Ernestino Geneziano, olhava frontalmente, como se estivesse a encarar cada cidadão com aquela arrogância que lhe era peculiar, trajado com um terno caro, muito bem cortado, possivelmente feito sob encomenda por um oficial alfaiate da Itália e a usar a faixa presidencial ilegítima, forjada por um golpe de estado.

Foi quando sob uma primeira reação ali na salinha que usavam para os seus encontros secretos, que os demais esboçaram rasgar a peça, a dar vazão à sua raiva, por certamente denotar o desprezo que nutriam por tal homem que julgavam ser execrável. 
 
Mas Lalo pediu-lhes calma e propôs outro destino ao cartaz. Bom desenhista por natureza e reconhecido por tal talento por todos os outros, ele propôs um desfecho diferente ao pôster. 
 
Eis que alguns dias depois, quando um outro membro chegou primeiro e abriu o quartinho, surpreendeu-se ao ver a peça já devidamente afixada à parede. Então, a sua reação, passou da raiva assumida ao homem que representava a opressão aos seus olhos, para a gargalhada, afinal de contas, ironizar o inimigo também é uma forma para extravasar a raiva. E quando os demais chegaram, mesmo ao já ter rido muito, ele gargalhou novamente junto aos colegas.
E o que houvera ocorrido com o cartaz estatal que tanto odiavam por representar a opressão pela qual lutavam contra? Por acaso Lalo o havia transformado em algo semelhante ao “Retrato de Dorian Gray?”

Bem, não foi bem assim, a opção não caracterizou-se pela metáfora do horror visual a representar o mal, mas o humor prevalecera. Eis que o ditador estava lá, sem alterações grotescas em seu rosto e no seu corpo de uma maneira geral, entretanto, alguns detalhes foram acrescentados. 
 
Por exemplo, acima da cabeça do ditador, foram desenhados dois balões a denotar a existência de um diálogo, como nas histórias em quadrinhos. E um outro aspecto, mais acintoso, com o acréscimo da ilustração da mão direita do velho Geneziano a sinalizar o clássico xingamento universalmente reconhecido em torno do dedo médio em riste. Mas o que dizia-se nos balões? 
No primeiro, a sugerir a pergunta vinda de um personagem fora do enquadramento, formulou-se uma pergunta: 
 
-“Mas, presidente, e o povo?” 
 
E a resposta mais sincera e objetiva, veio a seguir, vinda do antipático velhinho:
 
-"Povo? Eu quero mais é que se f... e se alguém reclamar, prenda imediatamente”.
Como são ingênuos esses povos latino-americanos e ao mesmo tempo, engraçados por conceberem piadas sobre obviedades... acho que Woody Allen teve razão em seu filme.

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