segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Os Menestréis Contra o Cara de Javali - Por Luiz Domingues



Havia uma trupe de menestréis na pequena vila, que costumava apresentar os seus espetáculos ao ar livre, em logradouros públicos e afins. Pacíficos por natureza, jamais pretenderam assumir posicionamentos acintosos pró ou contra a política local, não por alienação. Isso porque o artista geralmente é o Ser sensível de plantão e por dar-se esse direito de olhar para o céu a contemplar as estrelas ao invés de adotar a postura da maioria das pessoas que só fitam para as suas próprias passadas apressadas a correrem atrás do vil metal, justamente por conta disso, esses divagadores contumazes costumam ter vislumbres diferentes sobre o curso da vida.

Mas não foi o caso desses membros de tal trupe, ao ignorarem a política engajada por fugirem de tal confronto, pois na realidade, eles pensavam em sua arte o tempo todo, a buscarem o seu aprimoramento a fim de encantar sua plateia habitual, apenas isso.  No entanto, certa vez eles tiveram um encontro inusitado que forçou um de seus componentes a tomar uma atitude mais contundente, encaremos dessa forma, ante tal súbita aparição.
Três membros dessa confraria (Din, Tiquells e Edie, este último, também conhecido como “pulga”), estavam em uma carroça, com o objetivo de fazer compras em um armazém do centro da cidade, quando de maneira absolutamente fortuita, colocaram-se frente a frente com a carroça imponente do burgomestre e seu condutor, seu lacaio. 
 
Figura execrável por natureza intrínseca, tal mandatário era odiado pela população por ser um ladrão contumaz e mesmo investigado e condenado pela frágil instituição da justiça local, mantinha o costume de reagir com um irritante cinismo aos seus acusadores, ao afirmar peremptoriamente ser inocente, enquanto as provas cabais a apontar os seus crimes mostravam-se irrefutáveis. 
 
Então, quando o encontro proporcionou que tal crápula ficasse cara a cara com os artistas, um choque estético e moral, óbvio, mas silencioso, apenas manifestado pela disparidade entre a aparência das pessoas nas carroças diferentes (mas subliminarmente reforçado pelo antagonismo de ideais e propósitos inerentes), estabeleceu-se de imediato. 
 
Por alguns segundos, o burgomestre mostrou em seu semblante que temeu pela própria integridade física, ao antever um ato de hostilidade extrema da parte dos artistas, certamente impulsionado pela sua própria consciência pesada, visto que no fundo, ele sabia que não passava de um ladrão da pior espécie e a sua predisposição dissimulada para negar os seus crimes, só potencializara o ódio da parte dos mais humildes em relação à sua pessoa.
Pelo outro lado, os artistas sabiam de tudo isso e certamente que odiavam-no, mas pacifistas por natureza e ideais, nem cogitavam agredi-lo. Todavia, o medo da parte do burgomestre instaurou-se naquela fração de segundos e ao verem o semblante alterado do vigarista, a esperar pela agressão, um dos artistas, Din, não resistiu e soltou uma frase em forma de escárnio, em sua direção: -“Ficou com medo, seu maldito cara de javali?”
Sem responder nada diretamente em direção aos artistas, o burgomestre só conclamou o seu assecla a acelerar a carroça imponente, a fim de efetuar a evasão do local o mais rápido possível, em segurança. 
 
Enquanto isso, os artistas regozijavam-se pela reação do salafrário. E lá se foi embora o abominável, Baolli Baruffi, a suar em píncaros, amedrontado ao ser denunciado por sua própria consciência, enquanto os artistas certamente já elucubravam usar tal episódio gerado espontaneamente, como uma sketch em suas apresentações e certamente que o povo haveria de reconhecer prontamente sobre quem estavam a retratar, na figura proeminente e odiada de Baruffi...