Leonardo foi
um menino que nasceu em uma ótima família e por conta disso, possuía uma segurança sociofinanceira
muito sólida e fato raro, a apresentar entre os seus membros (em sua esmagadora
maioria), somente pessoas com boa índole e mediante formação pessoal, sob todos
os aspectos, muito boa.
Com tal Lar tão bem estruturado, ótimo suporte financeiro e
cercado por familiares amorosos, só um revés muito grande poderia destruir a
perspectiva desse menino crescer com todos os bons atributos para se desenvolver.
Dessa forma, sem
percalços muito sérios, Leo teve a sua criação sob muitas alegrias, a
garantir-lhe o sustentáculo para que atingisse a idade escolar em ótimas
condições e posterior entrada na adolescência, sob a mesma perspectiva.
Pois
foi aí nessa fase, onde a sua compreensão da vida ampliou-se sobremaneira. que ele
passou a refletir com maior profundidade sobre a sua própria condição. Nesses
termos, ele descobriu o prazer da autoanálise e assim, gostava de passar algum
tempo sozinho em algum cômodo de sua residência a refletir sobre a sua própria vida.
Entre tantos
devaneios que ele se propôs a estabelecer, ele prestou atenção aos detalhes que a sua percepção pudesse alcançar e
armazenar, como por exemplo, associar a personalidade de cada membro da sua
família aos diversos signos sensoriais que notava no cotidiano daquela casa.
Neste caso, os
odores e sabores provenientes das refeições realizadas pela família, os sons ali produzidos que eram típicos do cotidiano da casa e que que foram desde os discos que o papai colocava na pick-up da
vitrola, ao ruído prosaico gerado pelo atrito dos chinelos da vovó, quando ela
caminhava ali dentro.
E havia o ruído do telefone, o cuco do relógio antigo que fora comprado
pelo vovô, tantas décadas atrás, a voz da mamãe etc.
E as festas familiares, com aquelas
risadas, os casos engraçados que foram contados por aquele tio maluco que todos
adoravam, a visita dos outros tios e primos, os jogos de tabuleiro que
avançavam pela madrugada, a bola que tanto chutou no quintal, a bicicleta e as
vozes dos vizinhos do outro lado dos muros.
Houveram
momentos ruins, é claro, como por exemplo, quando parentes faleceram, ocorreram
doenças e acidentes a envolver familiares e amigos. Pequenos aborrecimentos ocorridos na escola também entraram na pauta e da parte de
desavenças, o dia em que o pai não deixou o irmão mais novo ir com os seus amigos da escola,
assistir o futebol no estádio e acredite, naquele tempo não era algo tão perigoso. E também o dia em que a sua irmã bateu a porta do quarto, contrariada por alguma
desavença com o namorado.
Mas no
cômputo geral, a balança pendera para as boas lembranças e aquela análise ali,
sem distanciamento temporal algum, serviu-lhe como uma reflexão bem atípica, no
sentido de que não é usual valorizar-se as coisas boas que usufruímos, enquanto
as possuímos, visto que o senso comum nos induz a só pensarmos nelas, quando já não as
temos mais.
Por esse aspecto, foi salutar tal introspecção, no entanto, tal
exercício tornar-se-ia ainda mais importante no futuro, quando tal impressão tão
fortemente construída mediante as suas divagações adolescentes, ganhou um contorno
ainda mais profundo, muitos anos depois.
Eis que
passados mais de cinquenta anos dessa fase em que gostava de permanecer sozinho,
a pensar em tudo o que o cercava naquela casa, Leonardo, agora um senhor de
meia idade a avançar rapidamente para a velhice, lembrou-se dessas divagações
que costumava fazer e um dia, pensou detidamente em tudo o que costumava
analisar e valorizar em sua adolescência.
Entretanto, nesta fase da idade mais avançada, sob outra
perspectiva diferente, ou seja, ele não estava mais a viver do pleno usufruto de toda aquela
ambientação e sobretudo a dispor das pessoas queridas que o cercavam, a maioria delas já desaparecidas do seu convívio.
Então,
sob tal realidade muito diferente, Leonardo lembrou-se de tudo e de todos, e
por tal reminiscência, ele regozijou-se com a gratidão de quem tivera de fato, uma
vida ótima, no desfrute de uma estrutura familiar exemplar e principalmente
por ter sido membro de uma família composta por pessoas amorosas, com a melhor
índole possível. Todavia, a grande lição que ele tirou dessa reavaliação da sua
vida, foi outra.
Desta feita,
o que pensou detidamente foi sobre o caráter efêmero da vida. Pois tantos anos
depois, toda aquela gama de impressões geradas pelas lembranças múltiplas produzidas
pela casa, a conter acontecimentos ali vividos no sentido da ambientação sociocultural e política daquela
época remota e sobretudo pela pessoas que ali habitaram-na com ele,
esvaíra-se, ou seja, simplesmente não existia mais tal realidade.
Quase todos os seus entes queridos já
haviam partido deste mundo. A casa nem pertencia mais à família e havia passado
por tantas reformas, que mal conseguia lembrar aquela arquitetura com a qual
ele tanto usufruíra. Tampouco a rua, com a enorme quantidade de casas que foram
demolidas para dar lugar aos espigões, símbolos da especulação imobiliária
predadora. E convenhamos, nem mesmo a atmosfera ficara minimamente parecida, pois dava
para sentir a vibração diferente no ar.
Mas tal reflexão
não teve nem de longe o sentido do apego ao passado. Não foi um lamento, de
forma alguma. O que ocorreu ali, foi que Leonardo tomou ciência de uma forma
avassaladora, que a vida em sua percepção material, tem um sentido efêmero.
Nenhuma estrutura, por mais
confortável que seja, sustenta-se para sempre e esse é lado bom do dinamismo
que move a evolução. Por mais maravilhoso que fosse ter quinze anos de idade
para sempre, a ouvir o ruído do chinelo da vovó, o som do cuco do relógio do
vovô; o disco de vinil com a trilha sonora de um filme que o seu pai gostava de
ouvir e o aroma daquele tempero caseiro que vinha da cozinha, preparado pela
mamãe, nada disso seria perpetuado para sempre, no sentido material do termo, visto que na
sua percepção pessoal, ele soube que concomitantemente, estava tudo dentro de si
e aí sim, como um tesouro eternizado.