Aconteceu no
tempo do Sidharta, em 1999
Das quatro
salas de ensaio que o Sidharta utilizou em sua trajetória, certamente que o
estúdio do Paulo “PA” Antonio, ex-baterista do grupo Pop-Rock, “RPM”, localizado
no bairro da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, foi o que mais gostamos de
usar, por conter o despojamento e o astral muito próximo do que nós queríamos
resgatar em termos de elos com a contracultura sessentista.
Entretanto, apesar
de apreciarmos todos esses fatores, chegou o dia em que um novo estúdio recém-inaugurado e localizado no bairro vizinho, a Aclimação, fez uma oferta melhor e
nós resolvemos migrar para esse novo espaço. Bem, a despeito do bom preço acertado e o fato de que por ser novo, o
estúdio continha condições estruturais bem melhores, incluso no quesito mais
importante, que foi o equipamento disponível, a ambientação em termos mais
subjetivos, não foi nem de longe compatível com a nossa expectativa.
Extremamente
insosso, mais parecia uma clínica odontológica, pela sua frieza asséptica, com
ares medicinais e impessoais. Até aí tudo bem, se no estúdio do “PA” nós
tínhamos a sensação de estarmos a ensaiar em uma caverna hippie, ali nesse novo
estúdio, tudo revelou-se frio em demasia, porém, visto pelo lado prático, não tratava-se
da nossa casa e apenas um espaço alugado, portanto, apesar de não ser inspirador,
haveria por servir ao propósito primordial, ou seja, simplesmente ensaiarmos.
Nesse
estúdio haviam dois sócios, um que era muito simpático e portanto mais a ver conosco, por
ser um guitarrista de blues em essência, portanto com um certo apreço pela
sonoridade vintage que buscávamos no trabalho de nossa banda. E o outro, se tratara de um rapaz
taciturno, sempre mal-humorado e declaradamente fã de Heavy-Metal extremo.
Esse
rapaz não era mal-educado, tampouco impertinente, pois nunca destratou-nos ou
teceu comentários desagradáveis em relação à nós, pessoalmente ou à nossa banda, mas a
sua antipatia em relação ao nosso trabalho e sobretudo sobre todos os signos
que professávamos, revelou-se patente.
Sempre a demonstrar os seu semblante tenso, como se
vivesse vinte e quatro horas por dia, contrariado, ele mal disfarçava o seu incômodo ao ver-nos
a entrar no ambiente, trajados com uma indumentária inteiramente contrária aos seus ideais,
visto que usávamos batas indianas coloridas ou camisetas ao estilo “Tye-Dye” e
calças “boca-de-sino”, em geral, em contraponto às suas bermudas e camisetas
pretas a exibir estampas mediante capas de discos ultrajantes da parte de artistas do mundo
do Heavy-Metal extremo que ele certamente devia apreciar.
Tal choque
de opiniões tão díspares entre si, não chegou ao ponto de incomodar-nos e
creio, que a recíproca foi verdadeira em princípio, mas em um determinado dia,
acho que o rapaz não suportou aguentar calado o seu incômodo e teve um ato falho
por conta disso.
Ocorreu que surgira uma conversa em torno de nós gravarmos uma
demo-tape e como justamente o entusiasta do Heavy-Metal era o responsável pela
operação do equipamento de gravação, como um "tape operator", foi ele a demonstrar
as potencialidades do estúdio e claro, o seu portfólio para demonstração aos
clientes foi composto logicamente por trabalhos realizados por bandas de Heavy-Metal que
ali haviam gravado anteriormente.
Pois foi nessa demonstração, que ele iniciou a falar sobre a
parte técnica do estúdio, logicamente. No entanto, em dado instante,
empolgou-se e assim, esqueceu-se inteiramente do seu propósito técnico e passou
a tecer considerações estéticas sobre as bandas que ouvíamos.
Ao lançar
diversas odes ao Heavy-Metal extremo, tal rapaz nitidamente adotou uma postura de
desabafo pessoal, ainda que velado. Falou-nos então com entusiasmo desmedido e despropositado
sobre as maravilhas em torno daquela estética tão contrária aos nossos ideais e
nós o respeitamos, obviamente, sem retrucar em momento algum, mesmo por que, não
tínhamos nenhum interesse em convencê-lo que as estéticas que apreciávamos seriam
supostamente melhores.
Nunca, em momento algum, esbarrou-se em um
confronto tenso e declarado, mas ao final, quando ele percebeu que nós não estávamos
de forma alguma interessados no som daquelas bandas, ele fez uma pergunta em que
escancarou enfim, todo o seu inconformismo com os nossos propósitos: -“vocês
realmente gostam dessas coisas do passado?”
Pois é, gostávamos, ou melhor, gostamos...
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