quarta-feira, 29 de maio de 2019

Crônicas da Autobiografia - O Acordo Leonino - Por Luiz Domingues


          Aconteceu no tempo da Patrulha do Espaço, em 2001

Ainda bem, a Patrulha do Espaço fez bastante shows em teatros, arenas e salões espaçosos, embora tenha tocado também em casas noturnas, vez por outra. E principalmente na cidade de São Paulo, não foram muitas as apresentações em casas noturnas, para a nossa sorte, visto que tocar sob uma infraestrutura mais adequada, era (é) sempre muito melhor. 
 
Entretanto, foi em 2001 que o dono de uma casa noturna com bastante tradição na noite paulistana, contatou-nos mediante uma oferta bastante digna em termos de cachê. Ora, se aventou pagar-nos um valor bastante razoável e a oferecer uma infraestrutura operacional satisfatória, claro que aceitamos tocar.

E assim, com o tempo a passar, a propaganda sobre a apresentação foi para a rua normalmente e quando chegou o dia do show, a perspectiva pareceu-nos ser muito boa em torno da casa lotar e apesar de não dependermos de tal desempenho popular exatamente para termos um bom resultado financeiro, claro que sempre queríamos a lotação máxima, independente do cachê estar assegurado previamente ou não. 
No entanto, enquanto ainda estávamos em meio aos trâmites do soundcheck vespertino, foi que uma tentativa de coação foi perpetrada e só não foi inteiramente deprimente, pois no calor dos acontecimentos, revelou-se tão patética que gerou risos ao invés de indignação de nossa parte. 
 
Pois eis que o proprietário da casa entrou no recinto e ao mostrar-se eufórico, disse que a casa estava com os seus telefones a serem requisitados de forma intermitente, com pessoas a perguntarem sobre ingressos e a reservá-los. Disse-nos então em tom de euforia, que a casa estava a receber uma consulta recorde e que já havia a certeza de uma superlotação e até cogitava-se a possibilidade de ficar gente na rua, sem condições para entrar. 
 
Que bom, ótima notícia, pensamos e assim respondemos a ele. Entretanto, tal afirmativa super otimista vinda de sua parte, teve na verdade, uma outra intenção e esta fora escusa. O fato, foi que a seguir, o rapaz escancarou a sua real intenção quando propôs-nos uma mudança de nosso trato financeiro, ao alegar que o cachê fixo que oferecera-nos, poderia ser muito inferior à soma que a bilheteria poder-nos-ia render, dada a “demanda excepcional” que ele alardeara ao início de seu discurso eufórico. 
 
Mediante uma calculadora manual, ele ficou a mostrar-nos então que poderíamos ganhar até o triplo do valor acertado, se aceitássemos desfazer o acordo firmado anteriormente e doravante, fechássemos com a resolução em torno de uma porcentagem sobre a bilheteria, ao invés de um valor fixo em nosso cachê.
Relutamos, é claro, mas ele insistia em sua argumentação, ao mostrar-nos o cálculo matemático que dizia ser plausível, mediante a perspectiva que os telefonemas estavam a apontar, entretanto, mesmo assim, tal oferta não demovera-nos de nossa decisão de mantermos o acordo anterior. 
 
Melodramático, o rapaz gastou todos os argumentos possíveis e em dado instante, esteve a portar-se como um vendedor de eletrodomésticos em casas populares, ao usar um discurso piegas, risível e certamente apelativo. 
 
Quando notou enfim que não mudaríamos o nosso acordo, ele saiu do salão a demonstrar contrariedade, ao repetir que nós fatalmente arrepender-nos-íamos quando víssemos a casa super lotada e o dinheiro do nosso cachê ficar aquém do que poderíamos ter recebido, se não fôssemos cautelosos em excesso.

Pois chegou a noite e a casa recebeu um bom público, porém, bem longe da loucura excepcional que ele preconizara no período da tarde. Pois é, aonde estariam aquelas pessoas ausentes que telefonaram enlouquecidas, no afã de conseguirem reservar ingressos? Simplesmente desistiram de comparecer? 

Recebemos então o nosso cachê combinado e não falamos nada sobre o ocorrido com ele. Todavia, um funcionário da casa, que presenciara toda a pressão que o sujeito exercera sobre nós anteriormente, não conteve-se e ao abordar-nos, disse-nos: 

-“ele sempre faz isso, com todo artista que vem aqui apresentar-se. Combina um cachê fixo e na hora do soundcheck vespertino, vem pressionar os artistas a mudarem o acordo, mediante a falsa esperança de que ganharão muito mais, em face da “chuva de telefonemas” que supostamente estaria a ocorrer no escritório administrativo da casa. 

E quando chega a noite e a expectativa não é cumprida, ele acerta a porcentagem, que sempre fica muito abaixo do cachê anteriormente acordado e se o artista questiona sobre a quantidade de público que fora dada como certeira, ele simplesmente inventa desculpas esfarrapadas sobre a condição climática que repentinamente ficou desfavorável ou sobre possíveis transtornos no trânsito da cidade e pronto, o artista vai embora com uma quantia modesta no bolso e a lamentar a falta de sorte”...

Nenhum comentário:

Postar um comentário