Formação de opinião gera paradigma e depois de criado, este tipo de norma tende a demorar para ser rompida, a caracterizar um círculo vicioso, quiçá a se tornar uma ação monolítica ao estilo de um moto perpétuo.
Quando começa uma crença desse porte, que se perpetua ao longo de um longo tempo? Pois é, até que alguém a conteste e proponha a mudança que pode ser libertadora ou aprisionar em outra crendice, superstição etc.
Dentro desse contexto, um dos mais antigos paradigmas formatados na história de um planeta distante chamado, Cervallis, dizia respeito a uma bebida, por incrível que pareça, e a despeito de seus fabricantes que não desejavam que o glamour gerado em torno dela, mudasse na mentalidade da sua população, por motivação óbvia, era algo questionável ao extremo que a sua glorificação se mostrasse inalterável há milênios.
É dentro de tal contexto que eu começo esta história, a narrar uma estatística que espelha bem o que foi a força do paradigma que glorificou a tal bebida em si, ao dar conta de que dez a cada dez habitantes desse mundo se orgulhavam de serem consumidores contumazes desse produto, a se tratar de um líquido de cor verde e fermentado a partir de um cereal local que ali era cultivado. Tal bebida gerava como efeito colateral, um estado de euforia que segundo os seus consumidores, era o seu diferencial para se obter o prazer, muito além do sabor em si, que eles admitiam ser algo amargo no paladar e pegajoso na sua consistência, em essência.
Enfim, não era apenas por essa sensação de euforia ao se beber e gostar de experimentar tal sensação, mas havia todo um cenário a glorificar a ingestão e muito mais do que isso, a pressão psicológica imensa que foi exercida, fez com que o uso do produto fosse considerado um hábito nobre a ser enaltecido, cantado em verso e prosa nos meios culturais locais, a alimentar a massificação através dos esforços engendrados pelos profissionais designados para enaltecer a bebida, algo similar ao que os publicitários fazem no planeta Terra, além dos agentes de diversos setores, incluso do poder central de Cervallis, mantenedor da ordem social e organizacional daquele mundo.
O massacre social e cultural se tornou tamanho que passou a ser considerado inconcebível que um Ser nativo desse planeta não fizesse uso dessa bebida que gerava euforia efêmera, e assim, por conseguinte, os raros casos de criaturas que não gostavam e não usavam a bebida, passaram a ser ridicularizadas pelas demais.
Apesar da estatística acima citada, havia a percepção de exceções e de tão insignificante que era, simplesmente não era contabilizada. Este foi o caso em particular de um habitante desse planeta, que simplesmente não gostava da ingestão dessa propalada bebida.
O seu nome era Z’Par e desde que ele nascera, demonstrava de uma forma muito natural não nutrir apreço pelo produto. À medida em que ele cresceu e se socializou, foi vítima das reações de estranheza de seus semelhantes por esse fato que à guisa da formação de opinião, soava como uma atitude absurda, mas para ele, era apenas uma opinião natural e justificada pelo fato de que nunca, em momento algum, apreciou o sabor e o aroma da bebida e a tal euforia artificial que tal produto provocava no comportamento desses Seres, simplesmente não lhe interessava.
Enquanto a opinião pública apenas glorificava o uso do produto, devidamente convidada a espalhar a ideia de que para se ter uma existência plena isso só seria possível mediante o uso do produto, Z’Par não acreditava nesse preceito, decididamente, porém isolado, ele se mantinha o máximo possível discreto sobre tal questão, justamente para não sofrer a pressão exercida pela imensa maioria de seus semelhantes, que pensava diferente.
Enquanto a discrepância de pensamento ficava alojada apenas no âmbito social e cultural, se constituía de algo suportável para ele. Mas o simples fato dele não ingerir e mesmo que não fizesse nenhum tipo de discurso a criticar quem gostava e muito menos sobre o produto em si, o fato foi que gerou antipatia ao seu redor.
Considerado como um estranho entre os seus pares, ele foi violentamente criticado por um colega em uma cerimônia pública em que estava presente na multidão e então, com a massa insuflada, sentiu uma opressão tamanha que só lhe restaram duas alternativas: aderir à vontade da maioria e beber aquele líquido esverdeado ou subir à tribuna e defender os seus argumentos para não desejar fazer uso da bebida.
De uma maneira ou outra ele continuaria a ser ridicularizado e a depender do que fizesse e falasse, poderia até ter a sua vida completamente destruída doravante, sem ambiente para viver naquela sociedade.
Foi então que ele sentiu que não poderia lutar contra uma força avassaladora e decidiu subir e a fazer uso do sistema de som, passou a discursar de uma maneira deveras prosaica, a explicar aos soluços as suas razões pueris que o desmotivaram a tomar a bebida mais popular daquele planeta.
A sua fala ingênua, mesma imbuída da maior sinceridade de sua parte, haveria de apaziguar o sentimento de estranheza em relação à sua postura, da parte daquela multidão sob opinião formada e sacramentada ao contrário do que ele pensava?
Pois é, a vaia seguida de gargalhadas que ele recebeu do povo ali presente o deixou tão simbolicamente pequenino naquele instante, que nem mesmo que ele bebesse a glorificada bebida para satisfazer a vontade daquela turba, tal atitude o salvaria da execração pública pela qual foi submetido.
Cabisbaixo, ele caminhou sob os gritos da massa a execrá-lo e ironiza-lo e certamente a se sentir um criminoso por haver cometido um ato hediondo e imperdoável, tamanho o sentimento de culpa que lhe foi imputado, injustamente é claro.
Tempos depois, ele se inscreveu em um plano de voluntariado para ajudar a colonizar planetas inóspitos, habitados por Seres em um estágio primitivo de civilização e ao deixar o seu planeta, considerara que não seria reconhecido e incomodado pela sua discriminação local.
Uma vez inscrito no programa de apoio aos planetas mais atrasados tecnologicamente, ele foi informado que partiria para o planeta chamado: “Skomirnof”.
No entanto, eis que ao entrar na nave, ele foi instruído por um tripulante a prestar um serviço de apoio na área de cargas. Ao chegar no imenso bagageiro de cargas da nave espacial, Z’Par viu um carregamento gigantesco da famigerada bebida “Erjadis”, todo embalado com a seguinte inscrição assinalada em seus respectivos baús: “a vida no planeta Skomirnof só vai progredir quando todos os seus nativos beberem Erjadis, como nós de Cervallis”.
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