sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Rugir como um Leão e Guinchar como um Camundongo - Por Luiz Domingues

Havia uma pequena farmácia montada há décadas em um bairro de uma cidade grande sulamericana, que se mantinha a duras penas em meio à pressão exercida pelas grandes redes de drogarias que dominaram o mercado de medicamentos e assim, manter uma pequena farmácia de bairro administrada por uma família, nos moldes antigos a valer a tradição de um negócio caseiro e que passou do avô para os filhos e posteriormente aos netos, estava condenado como modelo de gestão. Seria, portanto, uma questão de tempo para que essa família também sucumbisse e vendesse o seu negócio para um grupo desses.

Então, os dois primos que haviam herdado a farmácia do avó e por conseguinte de seus respectivos pais, tentavam aguentar a situação adversa, porém, um deles, tinha um temperamento bastante arredio e por estar uma pilha de nervos por conta da situação, estava a perder a cabeça constantemente, até com os clientes mais fiéis, a gritar e maltratar todos e o tempo todo.

Agressivo, estava impossível conviver e trabalhar com esse rapaz e para piorar a situação, eis que ele teve uma súbita dor de dente que fez com que a sua face ficasse completamente inchada a denunciar que havia uma infecção a ser tratada. Impossível de ser ignorado e tampouco a se revelar como algo a ser sanado com simples analgésicos, não houve outra alternativa a não ser marcar consulta com um bom dentista.

Foi quando o rapaz com dor de dente se lembrou que o seu primo costumava se tratar com um dentista de sua confiança, que atendia ali no bairro mesmo e que além da competência, era famoso no bairro por praticar um preço justo para cobrar pelos seus serviços.

Passado o contato, eis que ele foi se tratar e após a consumação da consulta, ele pediu um dia para descansar, pois segundo afirmou, a sessão fora muito dolorosa e assim, não reunia condições para trabalhar. Ora, tudo bem, não deve ter sido algo fácil e certamente deve ter sido dolorido, apesar da anestesia que possivelmente foi adotada no tratamento para amenizar.

Logo a seguir, o primo que sofrera com o seu dente infeccionado, não tocou mais no assunto, a dar a entender que o problema fora resolvido. Logo depois, a farmácia de fato foi vendida e os primos seguiram por caminhos diferentes doravante, a encerrar a sociedade.

Mas eis que um dia o primo mais calmo teve que visitar o seu dentista e assim que chegou ao consultório, enquanto aguardava o ritual de higienização dos instrumentos, a conversa se mostrava agradável, pois eles eram amigos, acima de tudo. Foi quando logo após comentarem sobre a última rodada do campeonato nacional de futebol, o dentista mudou radicalmente de assunto e perguntou:

-"e o seu primo nervosinho, ele está bem?"

Educadamente, o rapaz respondeu que sim, e que ele estaria em outro ramo de atividades, após o fechamento da farmácia.

A prosseguir, o dentista acrescentou:

-"Que legal para ele, mas eu preciso comentar um acontecimento contigo a respeito do seu primo e não me leve a mal, por favor".

Atônito, o paciente ficou intrigado pois o seu primo em tese, só visitara aquele consultório dentário por ocasião daquele mal súbito que tivera e além do mais, nem conhecia o dentista, antes desse acontecimento.

Então o dentista pediu licença para fazer uma revelação ao seu amigo e cliente: 

-"Veja, meu amigo, não repare na intenção com a qual eu vou te contar, mas eu me lembro bem que o seu primo tinha fama de ser um sujeito agressivo, até para tratar os clientes da farmácia da família, eu me lembro dos boatos, mas quando ele sentou aqui na cadeira de atendimento, deu um show"...

Estupefato, o rapaz ficou preocupado, e logo perguntou ao dentista:

-"Poxa, mil perdões pelo comportamento irascível do meu primo. Ele sempre foi assim, desde criança, com um temperamento hostil, sempre a brigar com todo mundo. Ele o agrediu fisicamente ou foi grosseiro a proferir ofensas verbais?"

Então o dentista riu e disse:

-"Não, nada disso e muito pelo contrário. Assim que ele se sentou na cadeira odontológica, passou a tremer de uma maneira compulsiva e a chorar, implorou para eu não fazer nada, pois ele estava com pavor do tratamento. Da sua fama de se portar como um leão, aqui ele se portou como um camundongo amedrontado. Alegou que tomaria morfina em gotas se fosso preciso, mas não suportaria que eu usasse os artefatos de odontologia na sua boca, principalmente a injeção com a anestesia prévia".

Impressionado com o relato, o rapaz finalmente tomou ciência de algo que era óbvio, mas que ele nunca havia admitido, desde a convivência que tivera na infância com o seu primo briguento: tal comportamento agressivo da parte dele não era uma questão de temperamento, mas sim de pura covardia no sentido de sempre intimidar as pessoas previamente para não ter que enfrentar conflitos.

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